Em mais uma ação autoritária do governo Bolsonaro, a coordenadora-geral do DCE da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), Ana Flávia Oliveira Barbosa, foi intimada a depor na Polícia Federal por críticas endereçadas à professora Ludmilla Serafim, terceira colocada nas eleições da universidade e nomeada reitora pelo presidente Jair Bolsonaro. A posse de Ludmilla está prevista para este domingo (30). As deputadas Natália Bonavides (PT-RN) e Margarida Salomão (PT-MG) criticaram a criminalização das instituições de educação pública.
Ana Flávia Barbosa foi intimada na quinta-feira (27) a comparecer a uma audiência na sede da Polícia Federal, em Mossoró (RN), no dia seguinte. Os advogados da estudante pediram o adiamento em razão do prazo e da falta de informações sobre o inquérito. A PF então remarcou o depoimento para a próxima terça-feira, 2 de setembro, às 9h.
“Recebi a intimação na quinta-feira e como o depoimento estava marcado para menos de 24 horas, solicitamos um novo prazo, além das peças para saber do que se tratava, se era inquérito, processo. Não tinha número, nem nada que dissesse que era um inquérito. E (o depoimento) ficou para terça-feira, 9h”, explicou Ana Flávia.
O inquérito aberto contra a estudante de Direito apura denúncia de calúnia, difamação e ameaça, além de sugerir uma suposta “formação de quadrilha”. Na peça, são anexadas notícias veiculadas blogs de Natal alegando ameaças de Ana Flávia contra a terceira colocada nas eleições. Além de “golpista”, a estudante chama Ludmilla de “interventora” e, num áudio atribuído a ela, afirma que “é hora de fazer luta, porque na Ufersa Ludmilla não entra nem de helicóptero”.
Criminalização
A coordenadora-geral do DCE da Ufersa não tem dúvidas de que o inquérito aberto na Polícia Federal é uma tentativa de criminalizar o movimento estudantil da instituição:
– É uma tentativa de criminalizar o movimento estudantil, sim, porque estamos na linha de frente. As outras categorias estão mais recuadas, receosas, embora também não concordem. No dia que saiu a nomeação dela, fizemos um ato simbólico, já fizemos plenária de estudantes e faremos um ato amanhã (segunda-feira, 31) em conjunto com o IFRN”, afirmou, citando como exemplo a acusação de formação de quadrilha no inquérito. “E ainda tem mais: veja que eles sugerem o crime de formação de quadrilha. Quem é a quadrilha para eles ? Os estudantes? É o DCE que têm 80 estudantes?”, questiona.
Na avaliação de Ana Flávia Barbosa, o objetivo de Ludmilla Serafim é intimidar e obrigar os estudantes a recuarem dos protestos. “É uma tentativa de nos fazer recuar, mas não vamos recuar. O ato está mantido. Demos o tom, decidimos publicizar a gravidade para mostrar quem é a interventora. Intimaram os estudantes a depor na Polícia Federal porque a chamamos de golpista e interventora, o que ela é de fato”, reforçou.
Intervenção
Com 18,33% dos votos, Ludmilla Serafim ficou em terceiro lugar nas eleições da Ufersa realizadas em julho. O candidato mais votado foi o professor do curso de Engenharia Rodrigo Codes, que obteve o apoio de 35,55% da comunidade. Em segundo, também à frente de Ludmilla, apareceu o professor Jean Berg, com 24,84% dos votos.
Mesmo rejeitada pela maioria da comunidade acadêmica da Ufersa, o presidente Jair Bolsonaro nomeou a terceira colocada. Áudios que circulam na internet atribuídas a Ludmilla, mostram a professora afirmando que contou com apoio de alguns deputados federais, a exemplo de Beto Rosado (Progressistas), ex-aluno dela.
General Girão, Josué Moreira, Jair Bolsonaro, Ludmilla Serafim e Beto Rosado (Foto:Divulgação)
Apoio ao DCE
Para a deputada Natália Bonavides, as instituições de educação pública estão vivendo um momento de imensos ataques por parte do governo Bolsonaro. Conforme a parlamentar, no Rio Grande do Norte já houve intervenção no IFRN e, agora, a nomeação de uma candidata na Ufersa que ficou em terceiro lugar na consulta realizada. Segundo Natália, “foi justamente essa candidata, que é uma interventora escolhida por Bolsonaro, que está tentando criminalizar as entidades e perseguir os representantes estudantis. Essa é uma prática nefasta e autoritária, típica de quem é incapaz de conviver com a democracia.” A parlamentar destaca que “a luta pela nomeação do reitor eleito é a luta para que a democracia seja restabelecida na UFERSA e, portanto, uma luta que conta com todo o nosso apoio”, afirmou.
A deputada Margarida Salomão critica o MEC por nomear – mais uma vez – uma pessoa que não é a primeira colocada na lista, a eleita pela comunidade acadêmica. O MEC desconsidera o desejo expresso da comunidade, que compromete a governabilidade da instituição, como também descumpre uma tradição estabelecida especialmente nos governos do PT de sempre fazer a nomeação de quem figurasse em primeiro lugar da lista.
Outro aspecto destacado pela deputada é a criminalização da crítica, a interdição do debate dentro de uma instituição universitária. “Isso é absolutamente lamentável, que uma liderança estudantil tendo manifestado o que certamente é a compreensão majoritária dentro da universidade, venha ser responsabilizada judicialmente pela expressão de uma opinião. Isso eu acho que é morte da liberdade acadêmica. De fato é um comprometimento gravíssimo da autonomia universitária e uma ofensa à democracia no Brasil”, finalizou a ex-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).
Lista tríplice
A legislação prevê que nas eleições para as universidades federais seja encaminhada uma lista tríplice com os nomes dos três candidatos mais votados para a escolha do presidente da República. No entanto, historicamente, o chefe do Executivo sempre respeitava a escolha soberana da comunidade acadêmica. À exceção na Ufersa foi em 1991, quando o professor José Torres venceu a eleição, mas Fernando Collor de Melo interveio, nomeando Joaquim Amaro. O golpe é tratado ainda hoje como “O Dia da Infâmia”
Das três instituições federais do Rio Grande do Norte, duas estão sob intervenção do governo federal. Além da Ufersa, que teve o processo eleitoral atropelado, o Instituto Federal é dirigido pelo professor Josué Moreira que sequer participou do processo eleitoral realizado em dezembro de 2019. Ele foi nomeado pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, ignorando a decisão da comunidade que escolheu José Arnóbio de Araújo.
PT na Câmara com Agência Saiba Mais e Assessorias