No abismo entre o discurso oficial de redução da criminalidade e a percepção geral evidente da violência, está a política de segurança do atual governo: a intensificação do encarceramento e do extermínio da população negra exposta nos números.
Nesta penúltima semana o governo Bolsonaro se vangloriou dos recentes dados divulgados sobre criminalidade no país que apontaram a redução dos crimes, uma comemoração estratégica para ele, pois um dos eixos centrais de sua plataforma eleitoral sempre foi o endurecimento no combate à criminalidade. Enquanto Bolsonaro comemora a suposta ordem assegurada aos “cidadãos de bem”, do outro lado da moeda, famílias pobres e negras sofrem com a intensificação da violência estatal, o recrudescimento dos dois pilares da política de “segurança pública” no Brasil: o encarceramento e o extermínio da juventude negra.
Bolsonaro construiu toda sua trajetória política em base ao discurso mais reacionário em relação a “segurança pública”, se colocando diretamente como porta-voz das polícias. A boa relação do presidente com as forças policiais transborda até os limites do Estado, como mostram os diversos indícios que o ligam às milícias, expostas pelas investigações em torno do caso Queiroz e de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Enquanto se propõe como combatente do “crime organizado”, Bolsonaro em seu discurso sempre incentivou a ação de grupos paramilitares. No marco de seu governo e de Witzel, no RJ, as milícias expandem seu controle territorial, principalmente na Baixada Fluminense e no Grande Rio, com uma verdadeira liberdade de ação concedida. Esses são os fatos reais da política de “segurança pública”, mascarados nos números oficiais de criminalidade.
O presidente postou um gráfico grosseiro que trazia um comparativo do somatório dos crimes em 2018 e 2019, apontando 20% de redução no seu governo, o que mistura crimes patrimoniais e crimes de violência. Moro, buscando recuperar prestígio após os vazamento da Vaza Jato, também fez questão de divulgar os dados oficiais detalhando a redução em cada uma de suas modalidades.
Entre a propaganda oficial do governo com seus dados e a realidade cotidiana dos brasileiros há uma gritante diferença. Dificilmente na população será possível colher depoimentos que endossem o que apontam os dados de Moro e Bolsonaro, como demonstrou a pesquisa Ipsos divulgada hoje (29/07) que aponta a violência – citada por 47% dos entrevistados – como a maior preocupação do brasileiro. Assim como o discurso do governo para a economia é sempre a promessa de crescimento e emprego que distoa da realidade amarga de persistente crise econômica, o discurso de diminuição da criminalidade também não soa compatível com a realidade da maior parte da população. Pelo contrário, num contexto de estagnação econômica, com altas taxas de desemprego (12,9 milhões de brasileiros estão desempregados, mais 4,9 milhões de desalentados) e um cenário de duros ajustes contra a classe trabalhadora, com a retirada até da aposentadoria, a tendência é que a violência social cresça.
Mesmo dentro da perspectiva auto proclamatória do governo, é difícil encontrar motivos para essa suposta diminuição da criminalidade. Os dois principais projetos para a área de segurança defendidos pelo governo ainda estão em tramitação no Congresso: o sanguinário pacote anticrime de Moro que quer dar carta branca para policiais matarem civis – emperrado pela tramitação da Reforma da Previdência -; e a flexibilização do acesso a armas para a população – transformado em projeto de lei após o decreto de Bolsonaro ser barrado no Senado. Porém, ainda que não tenham sido implementados os projetos, o caráter comum que os orienta, o aumento da repressão do aparato estatal e a truculência, é o que vem legitimando a ação mais ostensiva das forças de repressão por todo o país – policiais civis e militares, ampla base bolsonarista -, que tem resultado no outro lado da moeda, os dados que nem Bolsonaro nem Moro fazem questão nenhuma de divulgar.
Bolsonaro e Moro são os principais promotores a nível nacional dessa retórica truculenta que inflama a ação ostensiva dos agentes policiais por todo o país. Porém, nos estados diversos governadores buscaram nas eleições se aproximar da onda bolsonarista, engrossando seus discursos para a área de segurança. Em apenas um ano, o número de pessoas mortas por policiais teve variação superior a 50% em cinco estados: Roraima, Mato Grosso, Pará, Goiás e Sergipe. Em Roraima, por exemplo, oito pessoas foram mortas por policiais em 2017. Em 2018, esse número foi três vezes maior: 25 mortos por policiais. Na comparação de 2017 com 2018, o número de pessoas mortas por policiais mais que dobrou em um ano em Mato Grosso: saltou de 34 para 76. Já no Pará os dados de letalidade policial também são surpreendentes: 372 em 2017 e 612 em 2018.
Doria em São Paulo, e Witzel no Rio de Janeiro são os casos mais notáveis desse alinhamento e giro para a pauta da “segurança pública”. Witzel representa o ápice dessa política de carnificina contra os pobres, nas eleições já havia dito que a com ele “a polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”. Desde sua posse o prefeito já comprou drones de Israel e vem usando snipers em operações, chegando ao ponto de ter ele próprio liderado uma operação com helicópteros disparando contra a população no solo. Outro exemplo é a chacina cometida pela PM carioca no morro do Fallet, que levou a morte de 13 jovens da comunidade, maior chacina do estado em 12 anos, e a indignante condecoração dos agentes envolvidos por um deputado do PSL.
O PT não somente em seus anos como governo federal mas nos estados onde governa é parte desse avanço da repressão e assassinatos racistas cometidos pelo Estado. Os números apresentados para 2018 na Bahia dão conta de 797 assassinados pela polícia, um forte e continuado aumento se compararmos com 2017 quando foram, nos números oficiais 668 em 2017 e 456 em 2016.
Como símbolo máximo dessa outra face oculta nos dados, a morte brutal de Evaldo dos Santos Rosa, por exemplo, alvejado por 80 tiros disparados pelo exército contra um carro de família não é sequer contabilizada como homicídio. As mortes cometidas por policiais, que batem recordes, não estão presentes nos dados de homicídios. Símbolo máximo desse projeto de segurança assassino também pela impunidade concedida pelo Supremo Tribunal Militar que deu liberdade aos nove militares envolvidos na ação.
Se o desfecho não é a morte, a alternativa dessa política de segurança é o encarceramento. A população carcerária do país teve uma explosão, totalizando 812.564 presos no total, segundo o Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Pela primeira vez ultrapassamos o patamar de 800 mil presos, no cálculo que inclui presos nos regimes fechado, semiaberto e os que cumprem pena em abrigos. Desse enorme contingente, um em cada três presos são acusados de tráfico, numa mostra do efeito combinado e potencializado da guerra às drogas com o encarceramento. O número é próximo ao da população de uma cidade como Nova Iguaçu (RJ) – 818.875 habitantes, segundo estimativa do Instituto Geográfico Brasileiro de Estatística (IBGE). Até junho de 2016, a população carcerária era de 726,7 mil presos, ou seja de 2016 para cá esse contingente cresceu num ritmo de 8,3% ao ano. Nessa marcha, o número de presos pode chegar a quase 1,5 milhão em 2025, o equivalente à população de cidades como Belém e Goiânia.
Obviamente, o sistema penitenciário, que historicamente apresenta taxas alarmantes de superlotação, não consegue dar conta dessa massa de presos que cotidianamente são introduzidos. Tornou-se corriqueiro reportagens que noticiam presos tendo de passar dias algemados a viaturas e outros absurdos, pela falta de espaço até nas carceragens das delegacias. Em média os presídios nacionais apresentam uma taxa de superlotação de 70% acima de suas capacidades. Variando de estado para estado, sendo Pernambuco o estado campeão com uma superlotação de 178,6%. Outro estado a frente nesse dado é o Amazonas – 136,8% de superlotação-, não por acaso o estado viveu nesse ano uma crise carcerária com conflitos e o massacre de 55 presos.
Diante desse quadro de superlotação, a saída oferecida por Moro e outros “gestores” a mando do capital é entregar a administração penitenciária à iniciativa privada. Doria em SP, por exemplo, anunciou a entrega de 10 unidades estaduais para privatização. Nada mais falacioso, uma vez que a administração dos presídios do Amazonas, envolvidos na crise carcerária e no massacre, já estava a cargo da iniciativa privada. Longe de ser a solução, essa alternativa é apenas uma desculpa para o Estado terceirizar a responsabilidade sob uma tendência catastrófica que ele mesmo cria, o encarceramento, e ainda oferecer uma situação rentável ao capital, através da construção dos presídios e da exploração de sua mão de obra praticamente escrava.
Entretanto, no meio de tantos dados tenebrosos o mais assustador talvez é o fato de que 41,5% (337.126) são presos provisórios, ou seja que sequer foram condenados. Neste ponto, além da polícia racista, responsável pela prisão arbitrária de milhares de jovens negros, o suspeito padrão, está presente a cumplicidade do judiciário. Seja pela morosidade, seja pelo descaso consciente, milhares de pessoas possivelmente inocentes são mantidas no sistema carcerário enquanto aguardam a boa vontade do judiciário. Ainda assim, mesmo diante desse quadro de arbitrariedades, o Estado brasileiro quer avançar ainda mais no ataque às garantias constitucionais, num aprofundamento do bonapartismo judiciário que se aprofunda desde o golpe institucional. A liberação da prisão em segunda instância, em discussão no STF, e a extinção das audiências de custódia, projeto de lei de ninguém menos do que Eduardo Bolsonaro, caso confirmadas, representam a degradação de mínimas proteções constitucionais da democracia burguesa.
O encarceramento em massa e o extermínio da população negra e pobre não são novidades em nosso país, pelo contrário, são marcas constituintes do nosso regime democrático burguês. Entretanto, a inflexão que marca Bolsonaro, Moro e as diversas representações estaduais e municipais desse bolsonarismo é o recrudescimento de tais práticas e a sua ratificação perante a opinião pública. A execução da vereadora Marielle Franco, uma ferida aberta do golpe institucional, e o assassinato de Mestre Moa, diretamente pelas mãos de um apoiador bolsonarista, são os símbolos desse choque à direita nas relações raciais no país provocado pela vitória e legitimação social desse discurso. Os ataques à imagem de Marielle e a tentativa de pintá-la como um “cadáver comum” nas palavras do presidente, são precisamente essa necessidade de negar e ocultar o abismo racial existente no país do pretendido projeto de ordem e progresso, restrito àqueles que possam ser enquadrados como “cidadãos de bem”. Se Bolsonaro é a herança da Ditadura, de seus porões e da memória de Ustra, assim como no período a lei e a ordem eram garantidas através da violenta repressão e do derramamento de sangue de negros, índios e da classe trabalhadora em geral, o que se oculta nesses dados de diminuição da criminalidade propagandeados é um explosivo aumento dos assassinatos cometidos por policiais e as prisões arbitrárias.
Diferente da retórica de extrema-direita de Bolsonaro, a questão da criminalidade e da violência não é uma questão de polícia, mas fruto da desigualdade social e da privação das pessoas ao acesso a condições dignas de subsistência. A falta de perspectivas impostas pela persistência da alta taxa de desemprego, os cortes na educação e o incremento da exploração dos trabalhadores, com a negação até do direito à aposentadoria, certamente acarretarão o aumento da criminalidade no médio e longo prazo, o que escalada repressiva nenhuma pode deter.
Os ataques e a degradação das condições de vida da classe trabalhadora produzida pelos capitalistas só podem acarretar no aumento da violência. Por isso, uma resposta para a demanda por segurança precisa partir de responder a fundo a crise econômica, colocando uma saída anticapitalista, que oferecer emprego, saúde e educação ao conjunto da população e que faça com que sejam os capitalistas que paguem pela crise. Mas também propomos um programa mínimo concreto para a esquerda batalhar (como desenvolvemos nesta nota aqui): a legalização das drogas, exigência pelo fim dos tribunais militares e que os crimes policiais sejam julgados por júri popular composto pelas comunidades, organismos de direitos humanos e sindicatos, pelo fim dos privilégios dos juízes e que todo juiz ganhe igual a um professor e sejam eleitos pelo povo.
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