Sergio Moro, na verdade, sempre demonstrou que pouco se lixava para a opinião pública, pois a imparcialidade do magistrado é como a honestidade exigida da mulher de César. Não basta ser, tem que parecer.
Em 2014 teve início no Brasil a Operação Lava Jato, desde o princípio claramente capitaneada pelo juiz Sergio Moro, elevado à condição de herói nacional pela mídia hegemônica, Globo à frente. A sede da Força Tarefa, com seus procuradores, na dita República de Curitiba, transformou a capital do Paraná no centro do espetáculo jurídico-midiático. O trabalho de convencimento da população no sentido de que tratava-se de uma operação que salvaria o país da corrupção sistêmica foi tamanho que qualquer um que se atrevesse a criticar os métodos utilizados seria de pronto taxado como conivente com a corrupção. Eu mesma recebi várias críticas de amigos que se iludiram com o juiz Sergio Moro. Desde o princípio percebi que não poderia ser imparcial um magistrado que se prestasse a pedir apoio da sociedade para que a Lava Jato fosse bem sucedida. Ora, juiz não pode, em nenhuma hipótese, esperar apoio da sociedade, tampouco julgar com base no clamor popular.
Sergio Moro, na verdade, sempre demonstrou que pouco se lixava para a opinião pública, pois a imparcialidade do magistrado é como a honestidade exigida da mulher de César. Não basta ser, tem que parecer. Quem acompanha a saga de Lula, desde a busca e apreensão em sua residência e sua condução coercitiva sem que ao menos tivesse sido intimado para depor, até sua prisão em 2018, sabe que o ex-presidente Lula é vítima do que se conhece pelo termo Lawfare, o uso e abuso da lei com a finalidade de eliminar o inimigo. Daí que desde o princípio suspeitei que a Operação Lava Jato não passava de um engodo, de uma operação com motivação política. A prisão de Lula para impedi-lo de concorrer à eleição levou Bolsonaro ao Planalto. E Bolsonaro levou com ele Sergio Moro ao Ministério da Justiça, com o compromisso de conduzi-lo ao STF.
Os vazamentos trazidos a público pelo site The Intercept só confirmam o que muitos de nós já sabíamos. O que não sabemos é onde e como tudo isso vai terminar e qual o destino de Sergio Moro depois de pisotear na Constituição, no Processo Penal e no Estado de Direito.
Segue abaixo o trecho de uma entrevista que concedi em 2016 à revista IHU da Unisinos, quando respondi à uma pergunta sobre a Operação Lava Jato. Acho que eu não estava enganada.
“IHU On-Line – Como avalia os métodos e estratégias empregados na Operação Lava Jato? Que mudanças esse modus operandi da operação pode deixar ao sistema Judiciário brasileiro? E o que isso representa em termos de avanços e retrocessos?
Maria Luiza Quaresma Tonelli – Não sou especialista na área penal. Posso opinar somente sobre os métodos empregados pela Operação Lava Jato com base no que tenho observado através da mídia escrita e televisiva e no que tenho lido em artigos publicados por criminalistas e constitucionalistas, que têm demonstrado enorme preocupação em relação à espetacularização do processo penal, bem como no que se refere às violações aos direitos e garantias individuais. Essa operação, levada a cabo na Justiça Federal do Paraná, no início mostrou-se como uma necessária medida para investigar e punir os envolvidos num grande esquema de corrupção na Petrobras. De um lado, altos funcionários da empresa – os corruptos – e, de outro, empresários das empreiteiras – os corruptores. Recursos desviados, tanto para o enriquecimento ilícito de funcionários, como para financiar campanhas políticas, fato este que demonstrou o quanto era necessário acabar com o financiamento empresarial de campanhas políticas no Brasil.
Quem vota nas urnas é o cidadão, que escolhe seus representantes a fim de que, no exercício do poder, defendam o interesse público, o interesse da população, como saúde, educação, transporte público, moradia, enfim, tudo aquilo que diga respeito à coletividade e que traga benefícios aos cidadãos na forma de fruição de direitos. Quem vota nas urnas é o cidadão, a pessoa física portadora de um CPF, não a pessoa jurídica que tem um CNPJ. Empresas, ao financiarem campanhas, esperam a contrapartida daqueles que conseguiram ajudar a eleger. Empresas existem primeiramente para obter lucro, não para gerar empregos. Quando investem em qualquer coisa, é porque querem o retorno do dinheiro investido mais o lucro. Por que seria diferente quando investem em campanhas políticas? Empresas não votam, mas elegem através do dinheiro. Não é por acaso que as grandes bancadas no Congresso, eleitas pelo poder do dinheiro, representam mais os interesses de seus financiadores do que os interesses da cidadania que vota nas urnas.
Então, quando surgiu a Lava Jato desbaratando o esquema de corrupção destinada ao financiamento empresarial de campanhas, podemos dizer que em dado momento contribuiu para a sua proibição a partir das eleições de 2016, embora já esteja havendo uma movimentação no Congresso no sentido de permitir a volta do financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Por acaso, alguém viu algum discurso indignado na mídia, que só fala em corrupção, em relação a isso?
A Lava Jato hoje é alvo de muitas críticas por ter se tornado uma operação que, em vez de investigar e punir os culpados por corrupção na Petrobras, foi transformada numa operação de combate à corrupção, pela qual os fins justificam os meios, através de práticas arbitrárias por parte da Polícia Federal, do Ministério Público e do próprio juiz Sérgio Moro. Posso estar enganada, mas não me consta que isso seja tarefa exclusiva de um juiz, do Ministério Público e da Polícia Federal. A corrupção é crime e, como tal, quem deve ser punido é quem pratica tal delito, ou seja, o corrupto e o corruptor. Mas a mídia, manipuladora, transformou o juiz Sérgio Moro (premiado pela Globo) em um herói nacional, capaz de acabar com a corrupção no país. Ora, nenhum juiz pode “combater” a corrupção, da mesma forma que não “combate” o homicídio ao punir o homicida. No máximo, podemos dizer que pode contribuir para a mudança de certas práticas, na medida em que a punição tem caráter pedagógico, nos limites da lei e com o respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos.
O modus operandi da Lava Jato não condiz com o que se espera do sistema de Justiça no Estado de Direito democrático e, infelizmente, trará consequências que talvez ainda não sejamos capazes de prever. Tais consequências dizem respeito ao Estado, à democracia e à sociedade, que cada vez mais é influenciada pela mídia, que promove a sanha punitiva. É um equívoco, por exemplo, acreditar que a prisão de grandes empresários e políticos irá acabar com a impunidade. Ora, se tais pessoas que podem dispor dos melhores criminalistas para sua defesa estão tendo seus direitos individuais violados, imagine-se o endurecimento do sistema de Justiça quando se tratar de cidadãos comuns, principalmente os das frações mais pobres da sociedade.
Além do mais, o Brasil não é o país da impunidade. Basta conferir o número da população carcerária em nosso país. O Brasil é o país da desigualdade. Em termos de avanços, ainda não vejo nada na Operação Lava Jato. Em termos de retrocessos, só poderemos avaliar com as consequências que estão por vir. Temo que uma delas seja o Estado autoritário.”
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