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Por Mario Vitor Santos

Desde o final da sessão plenária de quinta-feira passada, que confirmou a suspeição do juiz Sérgio Moro, o país assiste a um fenômeno jornalístico da maior importância: a volta das edições censuradas do Jornal Nacional, bem ao feitio do que a mesma Globo já fizera na edição manipulada do debate entre Collor e Lula na véspera das eleições presidenciais de 1989, beneficiando Collor, e em 1984 no noticiário sobre o comício da Praça da Sé pelas Diretas Já, noticiado como “festa de aniversário de São Paulo”.

Enquanto ministros reunidos no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) se apressavam para emitir os votos que deram a maioria suficiente para definir a parcialidade de Moro ainda naquele dia, e ao votar assim rápida e sumariamente contornar as manobras ociosas e protelatórias do contrariado presidente do STF Luis Fux que desejava interromper a sessão, os ânimos se acirraram.

O Jornal Nacional simplesmente omitiu o bate-boca entre o ministro Luís Roberto Barroso, àquela altura frustrado pela derrota de seu amigo Moro e da Lava-Jato, e o juiz garantista Gilmar Mendes, sobre se o pleno do Supremo era ou não instância de recurso da turma, que semanas antes já havia decretado a suspeição do juiz de Curitiba.

Como não poderia deixar de ser, a discussão, encerrada pela expressão “Vossa excelência perdeu”, dita por Mendes a Barroso, repercutiu em vastas áreas dos meios de comunicação. Menos na Globo, onde ela simplesmente não existiu.

Na verdade, a censura em curso no Jornal Nacional é ainda mais ampla: ela põe em evidência uma conduta mais geral do grupo a que a emissora pertence frente à Vaza-Jato, como são chamadas as impressionantes mensagens acessadas e vazadas pelo hacker Walter Delgatti Neto.

Aquele imenso vazamento de conversas entre membros da força-tarefa da Lava-Jato mostra uma trama inédita de manipulação, com objetivos políticos e eleitorais. É uma exposição das entranhas dos tramoias policiais e judiciais na operação Lava-Jato, que não tinha limites em sua atuação: valia qualquer abuso contra os direitos constitucionais garantidos aos acusados, especialmente em relação a Lula, o alvo máximo da trama.

Na verdade, a censura em curso no Jornal Nacional é ainda mais ampla: ela põe em evidência uma conduta mais geral do grupo a que a emissora pertence frente à Vaza-Jato, como são chamadas as impressionantes mensagens acessadas e vazadas pelo hacker Walter Delgatti Neto.

Aquele imenso vazamento de conversas entre membros da força-tarefa da Lava-Jato mostra uma trama inédita de manipulação, com objetivos políticos e eleitorais. É uma exposição das entranhas dos tramoias policiais e judiciais na operação Lava-Jato, que não tinha limites em sua atuação: valia qualquer abuso contra os direitos constitucionais garantidos aos acusados, especialmente em relação a Lula, o alvo máximo da trama.

Numa fase mais recente, a defesa de Lula obteve do ministro Ricardo Lewandowski autorização para acessar o arquivo completo das mensagens hackeadas, gerando volumosas iniciativas legais noticiadas pela mídia, mas não pelo Jornal Nacional.

Em 1984, até pelo envolvimento dos jornalistas, a Globo acabou cedendo e suspendendo a censura. Agora, não. E o resultado, quando a Globo notícia sobre a Vaza-Jato hoje, é a repetição da realidade alternativa de Barroso e Moro, de que as mensagens do “Russo” (Moro) não significam nada, foram roubadas etc.

Ou seja, a Globo segue, como uma caricatura do teatro do absurdo, tapando o sol com a peneira, negando a realidade a seu público. Trata-se de uma esdrúxula disjunção cognitiva, submissa a uma lógica míope: a emissora age talvez supondo que suprimindo noticiário negativo à Lava-Jato evitaria que esta operação se enfraquecesse. Passa então à censura sistemática, o que é uma vergonha jornalística digna de uma peruca. 

A razão de fundo é simples: o lavajatismo e mesmo o bolsonarismo estão vivos e no comando das redações dos veículos de direita. Passaram então à censura, mesmo sabendo que ao omitir o noticiário da Vaza-Jato fica difícil entender a queda em desgraça de Moro, Dallagnol e da própria Lava-Jato. Fica impossível mais ainda interpretar o que conduz os processos transcendentes em curso no STF na cobertura esquizofrênica da Globo.

O que se oculta não é banal, pois faz toda a diferença entre um jornalismo completo e um outro cindido, falho, esquizofrênico, que deixa de comunicar importante metamorfose em curso nas instituições: o que está ocorrendo na suprema corte brasileira é a tentativa de prender o monstro do fascismo de volta na caixa.

Com o impulso decisivo da Vaza-Jato, ministros do Supremo, sob a liderança de Mendes e Lewandowski, vêm conduzindo uma tentativa reconstitucionalização do Judiciário em meio a intensa luta jurídico-política. 

Assiste-se na verdade a uma espécie de mini-Constituinte, ou uma re-Constituinte, que vai se desenrolando a cada sessão dp Supremo, cumulativamente, no sentido de reafirmar os direitos e garantias individuais que foram sabotados pelo punitivismo que vigiu no período da Lava-Jato em associação com a mídia reacionária. Não é pouco o que está em jogo.

Do lado de lá, a Globo não está sozinha, ao menos em um importante sentido: ninguém na mídia de direita noticia a maneira como o Jornal Nacional censura a Vaza-Jato. Há uma tácita ordem unida na forma do silêncio solidário ao veículo irmão.

Em movimento paralelo à censura da Globo, e na sequência da primeira decisão anulando a competência de Moro, editorial do Estadão, o jornal da “escolha muito difícil” entre Haddad e Bolsonaro, voltou suas baterias contra quem? Lula e Lewandowski.

Mesmo a Folha, que às vezes abre dissensão na mídia de direita, omite-se agora em relação à censura global. Ao contrário, diante de críticas do colunista de TV do UOL Maurício Stycer ao destempero verbal do apresentador Pedro Bial sobre Lula (o caso do polígrafo), a Folha voluntariamente tomou a iniciativa de pedir a Bial um artigo de resposta. Ofereceu seu espaço ao global para a resposta à opinião de um colunista de um outro veículo sobre Lula, veiculada em outro local. 

O destempero de Barroso na sessão do STF expressa um descontrole mais geral que também assola jornalistas e veículos. Diogo Mainardi acaba de mandar o advogado Kakay “tomar no c…” no programa Manhattan Connection, em plena TV Cultura de São Paulo. Um artigo do diretor de redação da Folha atacou nas páginas do jornal o decano dos colunistas políticos e símbolo do jornal Jânio de Freitas, crítico da Lava-Jato. Augusto Nunes agrediu fisicamente o jornalista Glenn Greenwald durante programa da rádio Jovem Pan. São marcas de uma histeria com o fracasso de suas carreiras provocado pelo envolvimento com a Lava-Jato e a constatação de que nada vai apagar, o que dá um sentido mais amplo ao “Vossa Excelência perdeu”.

A mídia na Lava Jato abriu mão voluntariamente dos princípios técnicos básicos e tradicionais do bom jornalismo: independência editorial, busca da verdade, distanciamento, apartidarismo. A operação surgiu de suas ideias e métodos vigentes na imprensa reacionária, do lacerdismo da mídia, fermentado nas décadas, catalisado nos anos Lula em paralelo às distorções por que passou o Ministério Público após os anos 90. Se disputaram entre si, os jornalistas brasileiros bateram-se pelo privilégio de melhor servir ao funcionamento da rede de mentiras. Moro acha que é pai da atração da mídia para dentro da Lava Jato. Foi o contrário. Juiz e promotores foram os capturados.

Os verdadeiros fatos que se desenrolavam no porão da Lava Jato vieram à tona à revelia da mídia de direita, a princípio pelo mesmo grande repórter Greenwald, que estava então ainda no site jornalístico Intercept. Interessado em ampliar a repercussão, o Intercept ofereceu o material ao UOL e outros veículos. Estes não aprofundaram a investigação, que reemergiu depois por obra dos advogados de Lula, reforçando a atuação de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, principalmente. 

Tudo isso a partir e por um outro detalhe absolutamente surpreendente desse caso universalmente único: o verdadeiro milagre de um hacker ter vazado um conjunto imenso de mensagens, guardadas no celular de Dellagnol, entre os procuradores conspiradores da Lava Jato e o juiz Moro.

Veículos de comunicação e profissionais sérios deveriam parar para um momento de reflexão sobre os caminhos que percorreram e suas repercussões históricas. 

Não se vê sinal disso. Está na hora de chamar a atenção para um problema jornalístico de fundo que tem a ver com a maneira como a decisão sobre a decretação da histórica suspeição de Moro foi e ainda está sendo generalizadamente minimizada pelos meios de comunicação. 

Um exército de veículos, que reúnem milhares dos mais bem pagos e alguns dos mais bem formados profissionais do país, assistiu sem questionar às ilegalidades perpetradas pela Lava Jato contra Lula. 

Agora, quando a Lava-Jato naufragou, repórteres valiosos para o funcionamento da operação são demitidos. Um dia depois da decisão sobre suspeição de Moro, Ricardo Brandt, membro fiel da equipe de Fausto Macedo no Estadão, foi demitido sem mais. Não é caso isolado.

O jornalismo brasileiro, por interesse político antipetista, e por vocação estrutural, dobrou-se sem questionar, ao peso da autoridade estatal. Justo o jornalismo de direita brasileiro que sempre fez profissão de fé antiestatismo.

A mídia corporativa fez a fama dos heróis da operação, chancelou sua rotina de espetáculos, apoiou seus amigos, atacou seus inimigos. Rendeu-se aos vazamentos, acertou estratégias com as fontes anônimas dentro da Lava Jato sem questionar. Veículos de elite ou populares, “quality papers” , uniram-se a programas policiais de tv e radio, todos irmanados numa mesma corrente de sensacionalismo lacerdista.

Não houve competição. Derrubaram-se as paredes que separam os órgãos de jornalismo. Acabou a disputa entre veículos não apenas em busca dos fatos mas também pelo sentido da narrativa. Ao contrário, foi constituído um pool. Em Curitiba, havia leilões de vazamentos.

Convergindo para o pool jornalístico, mobilizaram-se recursos infinitos na forma de tempo de TV, equipes, edições especiais, espaço de mídia, tudo concentrado num mesmo objetivo de dar publicidade e credibilidade à operação, em arranjo harmônico ao longo de toda a cadeia informativa, sem disputa de vozes e versões, num aparato em uníssono sem paralelo na história brasileira.

Na caçada conjunta a Lula, a mídia fundiu-se ao Estado. Foi esmagado quem estava no caminho, com ou sem justificativa. Dezenas de vidas e reputações foram arruinadas, inocentes foram carregados na enxurrada junto com criminosos e suspeitos.

A despeito disso tudo, a Vaza-Jato e o STF recolocaram em definitivo o ex-presidente Lula na corrida eleitoral de 2022, em posição de disputar um lugar no segundo turno a partir de uma posição moral privilegiada, com ficha até agora duplamente limpa.

Por tudo isso, o país não observa um processo qualquer sobre pessoas comuns em momento histórico banal. Jamais antes desenrolaram-se tão prolongadas catástrofes e hecatombes de aparentes mocinhos e bandidos seguidas de metamorfoses e renascimento em inversões dramáticas, épicas.

Houve revelações agudas dos vícios das instituições do Estado, mas também se levantaram acusações graves às entranhas do funcionamento da mídia. Muito ainda está para ser exposto. Antes disso, está na hora de a mídia de direita, mesmo estando infiltrada por facções radicais reacionárias em postos-chaves, vir a público se explicar e fazer seu mea-culpa.

Nunca foi tão válida a expressão atribuída ao próprio Roberto Marinho: “O mais importante é o que nós não publicamos”.

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