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Por Joaquim de Carvalho

Em novembro de 2009, a Associação dos Delegados da Polícia Federal realizou seu quarto congresso em Fortaleza, Ceará, para debater corrupção, impunidade e a segurança na Copa do Mundo.

O encontro acabou no centro de um escândalo seis anos depois, quando, a pedido das autoridades norte-americanas, policiais suíços prenderam dirigentes da Fifa, entre eles José Maria Marin.

É que a CBF, que Marin presidiu, havia arcado com quase 50% do patrocínio daquele encontro e a situação de conflito de interesse ficou evidente.

Se a PF investiga corrupção, como pode se vincular a uma entidade que estaria alguns anos depois no coração do escândalo?

É que a CBF, que Marin presidiu, havia arcado com quase 50% do patrocínio daquele encontro e a situação de conflito de interesse ficou evidente.

Se a PF investiga corrupção, como pode se vincular a uma entidade que estaria alguns anos depois no coração do escândalo?

O encontro reuniu dois personagens centrais em qualquer estudo ou investigação que se proponha a elucidar as relações espúrias da Lava Jato com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. 

Por um lado, estava presente em Fortaleza a procuradora norte-americana Karine Moreno-Taxman. Por outro, o então jovem juiz Sergio Moro, de 37 anos de idade.

Com relativa notoriedade, em razão do caso Banestado, Moro foi o primeiro a falar, no painel Combate à Corrupção e ao Crime Organizado. Defendeu mudança na legislação e tentou desvincular a política da investigação sobre crimes contra a administração pública. 

“A persecução e a investigação eficaz do crime de colarinho branco é imperativo dentro de um Estado Democrático de Direito. Não tem nada a ver com ideologia comunista, de esquerda ou de direita”, afirmou.

No painel seguinte, falou a representante do governo dos Estados Unidos, com Moro na plateia. Quem estava presente se recorda de que Karine Morena-Taxman falava um português correto, mas com sotaque, e deu uma orientação que, mais tarde, seria seguida à risca pela Lava Jato. 

Ela sugeriu que as autoridades brasileiras mantivessem um sistema informal de colaboração com autoridades de seu país. Segundo ela, o sistema formal, previsto em tratados internacionais, deveria ser buscado quando houvesse um grau maior de certeza.

“Quanto mais trabalharmos juntos, mais saberemos a quem procurar, a quem ligar. Isso faz com que as fronteiras fiquem diminutas e os criminosos impedidos de se aproveitar das diferenças, pois entenderão que somos parceiros verdadeiros”, disse Karine.

Na mesma apresentação, ela ensinou que se deve manipular a opinião pública para investigar pessoas com poder político ou econômico, método que se tornaria pilar da Lava Jato. 

Para conseguir que o Judiciário puna alguém por corrupção — destacou —, é preciso fazer com que o povo deteste o investigado. 

“A sociedade precisa sentir que aquela pessoa realmente abusou do cargo e exigir a sua condenação”, afirmou.

Karine usou a expressão “rei” para definir o alvo que os investigadores devem buscar. “Se não consegue derrubar essa pessoa, não faça a investigação. É melhor esperar e continuar até achar um jeito de atingir o objetivo”, afirmou. 

Os diálogos acessados pelo hacker Walter Delgatti mostram como a doutrina expressa na fala de Karine influenciou a Lava Jato.

A procuradora da república Carolina Rezende, que atuava em nome da Lava Jato em Brasília, não disse em 2016.

“Pessoal, fiquei pensando que precisamos definir melhor o escopo pra nós dos acordos que estão em negociação. Depois de ontem, precisamos atingir Lula na cabeça”, disse em um chat.

Ao mesmo tempo, a operação fazia vazamentos seletivos e omitia, inclusive do Supremo Tribunal Federal, informações que contrariassem a estratégia de perseguição ao “rei”, como as falas da interceptação telefônica que mostrava Lula hesitante quanto ao convite de Dilma Rousseff para ser chefe da Casa Civil.

Ou o diálogo em que uma funcionária da OAS conta que Marisa Letícia não tinha interesse na aquisição do triplex do Guarujá, apesar de possuir cota do condomínio.

Moro já era bem conhecido das autoridades dos EUA quando foi convidado para falar no encontro dos delegados da Polícia Federal em Fortaleza. 

Em 1998, dois anos depois de assumir o cargo de juiz federal, ele frequentou o programa de instrução para advogados na Faculdade de Direito de Harvard.

Em 2007, depois de colaborar com agentes do FBI em investigação no Brasil, fez outro curso, desta vez explicitamente patrocinado pelo Departamento de Estado, com visitas a agências e instituições norte-americanas encarregadas da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro.

Foi nesse ano que Karine Moreno-Taxman foi nomeada pelo procurador-geral dos EUA para ocupar um cargo recém-criado na Embaixada dos EUA no Brasil, o de conselheira legal residente no Brasil.

Entre 2007 e 2009, ela participou de eventos em praticamente todas as regiões do Brasil. Na apresentação das palestras, era apresentada como especialista em casos complexos, como pedofilia e tráfico de pessoas. 

Mas, invariavelmente, acabava tocando no tema da corrupção e lavagem de dinheiro e na necessidade de formação de forças-tarefas para combater o crime organizado. Os norte-americanos deram até um nome para esse programa realizado em solo brasileiro, “Projeto Pontes”. 

O auge da atividade de Karine no Brasil se deu em outubro de 2009 — um mês antes do encontro em Fortaleza —, com um curso de uma semana no Rio de Janeiro destinado a juízes, promotores, procuradores e policiais. 

Quem patrocinou o evento foi a própria Embaixada Americana e Karine foi uma das duas autoridades dos EUA responsáveis pela seleção dos participantes. 

Sergio Moro foi um dos presentes e teve direito até a fazer palestra. Ele atacou a legislação brasileira e expôs 15 questões que considerava problemáticas no combate à lavagem de dinheiro. 

Sua presença no curso não era de conhecimento público até que o WikiLeaks divulgou, em 2010, telegrama da diplomacia dos EUA com o relato do curso e a informação de que muitos juízes e procuradores brasileiros manifestaram o interesse de serem treinados pelo Departamento de Justiça para atuarem em casos de lavagem de dinheiro.

O telegrama faz referência à receptividade dos representantes do sistema de justiça brasileiro ao interesse dos EUA de atuarem nesse área, que eles chamam de combate ao “terrorismo”. 

O próprio telegrama diz que os juízes, ao contrário do que representantes do governo federal haviam manifestado em outras ocasiões, se mostraram receptivos à ideia de cooperação.

Não se tem notícia de algum resultado concreto sobre ação do sistema de justiça em relação em terrorismo — nem na tríplice fronteira (Foz do Iguaçu), uma lenda alimentada pelo governo dos EUA desde a derrubada das Torres Gêmeas.

Mas duas operações supostamente relacionadas à lavagem de dinheiro tiveram êxito e ambas foram lideradas por juízes que mantêm evidências de proximidade com os Estados Unidos.

A primeira foi a Operação Satiagraha, do juiz federal Fausto De Sanctis. A outra foi a Lava Jato. A Satiagraha ocorreu em 2008, quando Karine já trabalhava no Brasil.

Karine deixou claro a proximidade com os dois magistrados na abertura de um curso promovido pelo Departamento de Justiça na Fiesp, em São Paulo, em fevereiro de 2009 — nove meses antes do encontro em Fortaleza.

O curso era sobre Crimes Cibernéticos e Propriedade Imaterial, Perícia e Internet, tema não relacionado à atuação conhecida de Fausto De Sanctis e de Moro. 

Mesmo assim, segundo Karine, a iniciativa de realização do curso tinha sido dos dois juízes. A fala de Karine foi registrado em um texto oficial publicado no site do Tribunal Regional Federal da 3a. Região (São Paulo).

A internet também registra que, em 2012, De Sanctis realizou na Universidade de Marquette, em Milwaukee, Wisconsin, palestra sobre o uso de obra de arte como lavagem de dinheiro.

A outra palestrante era Karine Moreno-Taxman, que após deixar o Brasil, no final de 2009, trabalhou na Embaixada dos EUA no México e depois assumiu a procuradoria no Estado de Wisconsin.

Assim como De Sanctis, o juiz que fez barulho ao encarcerar empresários brasileiros, Moro também parece ser querido pelo governo e empresa dos EUA. 

Tanto que, após deixar o governo, foi admitido como sócio ou consultor no escritório Alvarez & Marsal, que tem sede em Washington.

Os ingênuos ou mal intencionados dirão que tudo isso não passa de coincidência. Pode ser? Pode. Mas é do interesse do Brasil verificar a fundo essa relação.

Afinal, pelo menos no que diz respeito a Moro, a operação liderada por ele custou ao Brasil desinvestimento superior a 170 bilhões de reais e a perda de 4,4 milhões de empregos, como constatou estudo do Dieese.

Quando a Lava Jato começou, o Brasil era a sexta economia do mundo e tinha um horizonte de prosperidade, com a descoberta da maior reserva de petróleo do século XXI.

Hoje é a décima-segunda economia e o petróleo cru está sendo exportado para que o Brasil compre combustível dos EUA, enquanto as refinarias brasileiras operam com cerca de 60% de sua capacidade.

Não é exagero suspeitar que Moro, assim como aparentemente vendeu a condenação de Lula por um posto no governo de Jair Bolsonaro, entregou o Brasil a seus amigos norte-americanos.

Moro na mesa com André Mendonça, que falou em nome da AGU (foto: revista Prisma)(Photo: Moro na mesa com André Mendonça, que falou em nome da AGU (foto: revista Prisma))Moro na mesa com André Mendonça, que falou em nome da AGU (foto: revista Prisma)

Karine Moreno-Taxman (foto: revista Prisma)(Photo: Karine Moreno-Taxman (foto: revista Prisma))Karine Moreno-Taxman (foto: revista Prisma)

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