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General Olímpio Mourão Filho e governador Magalhães Pinto comemoram o sucesso do golpe de 1964. Foto: Aquivo/ O Cruzeiro

FOI GOLPE, SIM!

Por Geraldo Elísio*

“Isto mesmo! 1964 foi um golpe de estado muito bem dado e mal acabado, porque caiu nas mãos da UDN”.

Quem disse isto foi o major Paulo Viana Clementino, chefe do Estado Maior Revolucionário dos generais Carlos Luís Guedes e Olímpio Mourão Filho, em entrevista a este repórter e mencionada em meu livro “Baú de Repórter – Memórias do Jornalismo Analógico” (Editora Neutra, 2016) e até hoje não contestada.

Para alguns, lembrar disso agora pode parecer óbvio, mas não é.

Basta observar que Jair Bolsonaro e os generais que o apoiam estão tentando, de todas as formas, transformar um golpe em revolução. O nome disso é falsificação histórica.

Razão pela qual é fundamental voltarmos aos fatos.

1964. Estados Unidos intervêm diretamente no Brasil.

31 de março de 1964. Golpe militar no Brasil, que levou a 21 anos de ditadura.

Início de1977. Surgem os primeiros sinais de fraturas entre os golpistas.

18 de dezembro de 1986. Era sábado. A edição impressa do Jornal do Brasil, então um dos mais influentes do país, publica a primeira matéria de série de reportagens assinadas pelo repórter Marcos de Sá Corrêa denunciando a operação direta de Washington no golpe militar brasileiro que derrubou o presidente João Goulart, a Operação Brother Sam. A série durou três dias.

Nela ficava demonstrado que o golpe contou Inclusive com o envio de porta-aviões estadunidenses às costas do Espírito Santo.

Sá Corrêa abalou estruturas. Não faltaram reações golpistas dentro do golpe.


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Dias depois, ao chegar para o trabalho diário na redação do jornal Estado de Minas, fui chamado à sala do editor-geral, Cyro Siqueira:

— Pica-Pau, ele sempre me chamava pelo apelido, faça uma matéria a partir desta carta do major Paulo Clementino, do Exército Brasileiro. Ele foi chefe do Estado Maior Revolucionário. Aja rápido!

O major, transformado em meu informante, definia as informações do jornalista do JB como “meias verdades”. Vale dizer: questionava 50% e admitia os outros 50% como verdadeiros.

Publiquei uma série de reportagens sobre o assunto no Estado de Minas, tendo o cuidado de obter depoimentos por escrito e devidamente assinados de todos os envolvidos.

Tais documentos, autenticados páginas por página, até hoje se encontram comigo. E foram transformados no livro já citado.

No documento enviado ao jornal Estado de Minas, Clementino comentou comunicações do então presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson com o embaixador do seu país no Brasil, Lincoln Gordon.

Johnson, chamado de “caipira” em seu próprio país, se orgulhava em dizer que tinha impedido o Brasil de cair em órbita comunista.

Em 31 de março de 1964, eu estava cobrindo os episódios para a ZYU-4 – Rádio Cultura de Sete Lagoas, uma das mais importantes cidades de Minas Gerais.

Indagado sob os riscos do movimento – eu entrevistava o então prefeito da cidade, Vasconcelos Costa, ele garantiu que não havia problema algum.

Muito menos chances de resistência por parte do governo João Goulart. “Tropas americanas já estão nas costas capixabas”, sentenciou.

O acesso ao oficial citado por Cyro Siqueira foi fácil.

Clementino defendeu a preocupação de Guedes com a soberania nacional e estranhou a reportagem do Jornal do Brasil não ter mencionado a atuação dos militares brasileiros com o general estadunidense Vernon Walters.

De acordo com Clementino, Walters dizia, para quem quisesse ouvir: “Os comunistas estão retalhando o presunto e engolindo-o, sem que os senhores se apercebam disso”.

Clementino sentiu-se à vontade. Em certo momento até admitiu desembarques de “marines”.

Tudo dependendo do comportamento que teria o general Amaury Kruel, posteriormente acusado de vender apoio militar em troca de “seis malas lotadas de dólares”.

Tempos da Guerra Fria

Segundo Paulo Clementino, o Brasil precisava de armas, combustíveis e depois pagaria tudo.

Esse material deveria ser desembarcado no porto de Vitória. Depois viria para Belo Horizonte pelos trilhos da Rede Vitória Minas.

Em seguida, começaram as reuniões conspiratórias no edifício Acaiaca, na época um dos mais altos de Belo Horizonte e no coração da cidade.

Essas reuniões contavam com a presença da fina flor do reacionarismo mineiro – políticos, empresários, ruralistas, financistas, integrantes do clero, militares, intelectuais e jornalistas – pessoas que marcariam seus nomes com a participação no futuro golpe civil-militar, denominação que fui dos primeiros a utilizar.

Pouco depois, acontecia um festejado encontro do general Carlos Luís Guedes com o vice-cônsul norte-americano em Belo Horizonte, Lawrence Laser, na verdade um agente da CIA.

Anos depois, após terem sido liberados os documentos de Austin, o ex-prefeito de Sete Lagoas, Vasconcelos Costa me relatou ter sido ele quem levou Guedes para este encontro.

Na mesma ocasião, o deputado estadual pela Arena em Minas, o ex-comandante Geral da Polícia Militar no Estado, coronel José Geraldo de Oliveira, então bastante insatisfeito com o rumo da quartelada, e um dos nomes a me recomendar outras pessoas a serem ouvidas, frisou que as manifestações de rua começaram a ocorrer, porque os golpistas foram induzidos por Guedes a “tomar as ruas de Jango”.

–Tanto é verdade — enfatizava ele — que a bandeira dos Estados Unidos, queimada nas escadarias da Igreja de São José, em frente ao edifício Acaiaca, saiu do consulado estadunidense, centro da cidade, bastante próximo das redações da TV Itacolomi e do jornal Estado de Minas e da Rádio Guarani, todos eles veículos que integravam os Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, golpistas de primeira hora.

Após o golpe, agora batizado como civil-militar, as emissoras dos Diários Associados perderam o poder para a Rede Globo de Televisão, do espertíssimo Roberto Marinho, em associação com o gigante da mídia estadunidense, Time-Life.

O major Paulo Viana Clementino ia ganhando gosto em revelar detalhes.

E a direção do jornal Estado de Minas mostrava-se feliz com a repercussão nacional que o material que publicava ia alcançando.

O Dia do Chacal

“Três linhas de ações foram traçadas.

Primeira: um avião teco-teco, em vôo razante, despejaria cargas de dinamite sobre o palanque onde estivesse Jango Goulart e seus assessores. Alguns de nós dispúnhamos de metralhadoras. O plano era soltar bombinhas – dessas usadas em festas juninas – para distrair o povo.

Segunda: enquanto isso, outro grupo de três homens armados com metralhadoras, contando com a colaboração de voluntários, abriria um corredor, se aproximaria correndo em direção ao palanque e metralharia os seus ocupantes.

Como terceira opção, caso falhassem as duas anteriores, atiradores de escol, munidos de armas dotadas de lunetas, deitados sobre caminhões ou ônibus alvejariam Jango e os principais líderes esquerdistas”.

Quem disse isso? Não fui eu, é claro.

Isso faz parte do depoimento do general do Exército Brasileiro, José Lopes Bragança, na ocasião, em Belo Horizonte, integrante da comunidade de informação.

E olha que nem cheguei a perguntar a ele sobre isto. Foi o ponto máximo de repercussão.

O coronel José Oswaldo Campos do Amaral, conhecido pela alcunha de “Cascavel”, foi o escolhido para atingir o coração do presidente por ocasião do atentado.

Fica impossível para Bolsonaro e generais hoje instalados no poder que golpearam, desmentir uma declaração como esta.

E mais difícil, ainda, tentar negar que 1964 tenha sido golpe. Até porque a única ressalva que “Cascavel” fez, depois de sua declaração ter sido publicada, era que a atribuição de matar Jango poderia caber a qualquer um dos golpistas.

Já o general Bragança só estranhou o não surgimento do nome do senhor Herbert Okum, segundo ele “o único autorizado” por brasileiros a participar do movimento golpista.

E admitiu a presença da força tarefa norte-americana nas costas do Espírito Santo, além de contatos com agentes da CIA.

Todos esses depoimentos, igualmente autenticados, também constam do meu livro “Baú de Repórter”.

Novo Vietnã

Um Batalhão Escola, com um grande número de homens da Polícia Militar de Minas Gerais, cujo objetivo era derrubar Joao Goulart.

Essa foi a revelação do coronel PM Heimar Mattos, que viajou ao Espírito Santo nos dias mais cruciais do golpe, inclusive com os golpistas civis e militares em plena concordância de que Estado deveria desaparecer e passar a pertencer a Minas Gerais.

Claro que não era para os mineiros terem acesso às praias, mas para o estado mediterrâneo dispor de um porto de mar.

Oswaldo Pierucetti, o tristemente célebre promotor a acusar os irmãos Neves em Araguari e apesar do tamanho do erro judicial sendo hoje nome do auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seção de Minas Gerais, na mesma ocasião viajou com Heimar e esteve com o governante capixaba, Lacerda de Aguiar, onde tal decisão foi comunicada.

Só muito mais tarde, “o menino esperto”, Bolsonaro, foi surgir, quando os esquerdistas partiram para a luta armada no Vale da Ribeira.

Liderados pelo Capitão Lamarca, de onde ele escapou de forma espetacular e permanecem ainda muitas dúvidas sobre a história que conta Bolsonaro, para alguns, marcada por irrealidades e inconsistências.

Heimar Mattos, por sua vez, me contou que chegou a haver comunicações via rádio entre oficiais brasileiros, falando em inglês, com os colegas a bordo do barco estrangeiro, segundo ele bem próximo da costa, “coisa pouca em milhas náuticas”.

Ele não duvida de que se houvesse reação, tropas de Washington invadiriam o Brasil. Dividido, o país se transformaria em um novo Vietnã.

Outro oficial do Exército Brasileiro, José Aurélio Lobo de Rezende, igualmente relatou-me que um sobrinho, na época nos Estados Unidos, chegou a ver, embarcando para o Brasil, colunas de tanques com pinturas de bandeiras de Minas Gerais. O coronel José Geraldo de Oliveira confirmou a informação.

País dividido

O general Carlos Luís Guedes, em seu livro “Tinha que ser Minas”, conta ter ficado chateado com o presidente Costa e Silva por ele advertir bruscamente o governador Magalhães Pinto, dizendo que o Exército Brasileiro não permitiria separatismo.

E mais: revelou ter o médico particular do general Olímpio Mourão Filho lhe comunicado que o general padecia de distúrbios mentais.

Diante das circunstâncias, viajei ao Rio de Janeiro para entrevistar Afonso Arino de Melo Franco.

Na ocasião, ele morava na rua Dona Mariana, 64, em Botafogo, exatamente em frente à embaixada da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O nosso contato foi no período da tarde.

Antes do encontro, tive a oportunidade de ligar e ser atendido pelo marechal Odylio Denys, que se desculpou por não poder me receber em casa por estar acamado.

Contudo, se dispôs a responder perguntas por telefone. Ele confirmou ter sido o articulador das negociações entre as tropas de Minas Gerais e as do Rio de Janeiro, “evitando confronto entre irmãos”.

Denys admitiu o momento de 64 como “muito grave”, despertando o interesse norte-americano preocupado com a possibilidade de o Brasil se transformar em uma segunda Cuba.

Quanto à Operação Brother Sam, depois de tempo significativo em silêncio, frisou que todos os países deviam se preocupar com os seus destinos diante de situações similares.

Na hora marcada, retornei à casa de Afonso Arinos. Ele admitiu ter sido convocado pelo governo mineiro não descartando ocupar a chancelaria do estado rebelde e admitiu que os “revolucionários” pensavam até mesmo na possibilidade de confrontos militares.

O desenrolar da história – e tudo o que veio à tona a partir de então – não oferece saídas para desmentidos de que “não foi golpe”, como desejam militares de hoje.

A disputa de narrativas faz parte da própria disputa política.

Claro que os golpistas de ontem e de hoje buscaram amenizar o que fizeram. Mas a História não se desmente nem com o envio de supostos novos documentos à Organização das Nações Unidas (ONU).

1964 foi golpe de Estado civil-militar, mesmo. O chanceler do Brasil dividido seria Afonso Arinos de Mello Franco. Como desmentir pessoas deste naipe?

Citei apenas depoentes militares. Apontarei apenas um civil. O embaixador norte-americano Lincoln Gordon.

Resistiu até onde foi possível, mas afinal admitiu inclusive ter sido ele quem convocou o porta-aviões, acrescentando ter ficado surpreso com o tempo de duração do que ele chamou de golpe.

2016 também foi golpe, mas de tipo novo. Um golpe pautado pela guerra híbrida, a Guerra Fria 2.0.

Só que neste caso, foram necessários menos de cinco anos para que passasse a ser conhecido no país e internacionalmente pelo que realmente foi.

A história costuma ser implacável com traidores e mentirosos.

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