Para o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), líder do PT na Câmara dos Deputados e reeleito com mais de 133 mil votos, a construção de uma frente ampla em defesa da democracia e a mobilização pela libertação do ex-presidente Lula são as principais tarefas da esquerda e dos setores sociais que foram às ruas contra a candidatura de Jair Bolsonaro no segundo turno da campanha presidencial.
Segundo Pimenta, em que pese a investigação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acerca do esquema de caixa 2 de Bolsonaro que serviu para disseminar “mentiras sórdidas” contra Fernando Haddad, o PT reconhece o resultado eleitoral e entende que o povo brasileiro delegou neste momento o papel de oposição para a legenda. “Nós não estamos questionando o resultado das eleições, como Aécio Neves fez em 2014 e como o próprio Bolsonaro fez ao afirmar que não aceitaria outro resultado senão a sua vitória. Nós temos uma tradição democrática”, declarou Pimenta em entrevista ao PT na Câmara.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Confira abaixo a íntegra da entrevista.
Qual a avaliação do resultado dessas eleições e da futura relação que haverá entre o futuro governo e o Congresso Nacional?
Pimenta: Em primeiro lugar é preciso que façamos uma leitura do que as urnas nos disseram. Todos sabem que o candidato que venceu a eleição conseguiu esse resultado a partir de um esquema criminoso de produção e distribuição, para dezenas de milhões de pessoas em todo o Brasil, de mentiras sórdidas contra Fernando Haddad e a nossa campanha em geral. E do outro lado nós obtivemos mais de 47 milhões de pessoas que votaram no candidato que representa o projeto antagônico ao vitorioso. A essas pessoas se somam 31 milhões de brasileiros e brasileiras não compareceram às urnas e 11 milhões de votos brancos e nulos. Temos, portanto, quase 90 milhões de eleitores, entre as 147 milhões de pessoas aptas a votar nesta eleição, que não endossaram o projeto de Jair Bolsonaro. Esse é um importante contingente que merece ser ouvido e ser respeitado. A oposição é o papel que o povo brasileiro nos delegou nesse momento e a nossa tarefa, o nosso desafio é ter o melhor desempenho possível para corresponder a essa expectativa de pessoas que querem uma resistência organizada, que seja a sua representante na luta em defesa da democracia, dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores e dos direitos e garantias individuais de cada cidadão e de cada cidadã que se sentem ameaçados pela proposta do candidato que venceu. Esse é o nosso papel e vamos exercê-lo de maneira plena, de maneira democrática, dentro daquilo que a Constituição estabelece como o papel de cada um no Estado Democrático de Direito como é o Brasil.
Você acredita que o governo vai conseguir formar uma base no Congresso? O senhor acha que é possível que o presidente eleito consiga acenar para os partidos de centro para poder tentar construir uma base?
Pimenta: O candidato vencedor vai enfrentar a partir de 1º de janeiro do ano que vem uma tremenda contradição. Porque ele fez um discurso para sociedade de ser a novidade na política, mas nós sabemos que ele é um político tradicional que está no Congresso Nacional há 28 anos, elegeu um filho deputado federal, o outro filho senador. Ele prometeu resolver uma série de problemas que a nossa população enfrenta hoje, mas para isso ele terá que ter apoio de partidos e políticos que estão na raiz desses problemas. Ele vai ter que contar com o apoio dos partidos e parlamentares que colocaram Michel Temer no poder através de um golpe que serviu para recolocar o projeto neoliberal na condução do país, mesmo sendo derrotado nas urnas em 2014. Quantos dos eleitores que votaram nele sabem que o seu projeto é uma continuação piorada e mais agressiva do que Temer fez em um ano e meio? Quantos desses eleitores sabem que Bolsonaro terá que governar com os mesmos partidos que apoiaram o projeto que está destruindo a indústria nacional e colocando nossa economia de joelhos? Essa contradição está colocada e logo as pessoas vão perceber que foram induzidas ao erro, que foram enganadas.
O que se pode esperar desses últimos meses da legislatura atual no Congresso?
Pimenta: Nós temos agora, até o final do ano, temas muito relevantes, como a votação do orçamento. Nós temos uma preocupação muito grande com a possibilidade de se estabelecer um “consórcio”, uma aliança perversa entre Temer e Bolsonaro para que nesse ano ainda possam avançar uma pauta de redução de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, que atente contra nossa soberania e que reduza a democracia brasileira. Por isso vamos trabalhar de maneira incansável para impedir que os interesses desse “consórcio” possam se realizar.
Como o PT vai lidar com o novo presidente eleito nesse primeiro momento após o resultado e a partir de 1º de janeiro, especialmente no Congresso Nacional?
Pimenta: É da tradição da política o reconhecimento do resultado das eleições por parte de quem não foi vitorioso. Em que pese nós sabermos que existe, com relação ao esquema criminoso de fake news movido por caixa 2, uma série de processos, de inquéritos e de investigações que deverão ser objeto de análise do TSE o mais rapidamente possível, nós não estamos questionando o resultado das eleições, como Aécio Neves fez em 2014 e como o próprio Bolsonaro fez ao afirmar que não aceitaria outro resultado senão a sua vitória, pondo em dúvida a lisura do sistema eleitoral brasileiro.
Daí a você esperar um gesto de cordialidade de alguém que durante a campanha eleitoral foi chamado pelo seu adversário de “canalha”, um adversário que disse em praça pública que um dos seus objetivos seria banir da vida pública quem pensasse diferente dele, além de ter dito que o próprio Haddad deveria ir para a cadeia… esperar que, diante disso, tenhamos gesto de cordialidade, é algo improvável. Teremos uma relação institucional, mas fica por aí. Nós temos uma tradição democrática. Nós perdemos três eleições antes de vencer em 2002 e sempre respeitamos o resultado das urnas.
Dentro do Congresso Nacional, nós dialogamos com todos. Sou líder da bancada do PT e dialogo com qualquer partido, mas um diálogo institucional não implica em redução do tom das nossas ações e discursos, não implica em arrefecimento das nossas opiniões. Nós seremos oposição, faremos uma oposição dura e combativa e é assim que funciona o regime democrático.
Como você analisa o fenômeno da violência nessa campanha? Você acredita que, passado o resultado das eleições, é possível apaziguar os ânimos da população?
Pimenta: A população responde à postura e à conduta das suas lideranças. Quando você tem uma conduta em que o discurso de ódio e de preconceito contra minorias e contra quaisquer pessoas que pensam diferente dele, é evidente que isso legitima as pessoas a agredir física e verbalmente homossexuais, a extravasar o seu ódio contra pessoas que defendem ideias de esquerda. Ou seja, se você tem um líder político, um presidente eleito, que reconhecidamente professa um discurso de ódio e estimula a violência contra as pessoas que não pensam como ele, temos um cenário onde é difícil chegarmos a uma situação de paz e tranquilidade na política. Por isso nós temos uma enorme preocupação. Nós tivemos, nas primeiras horas após ao resultado das eleições, ataques no a aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul; tivemos pessoas espancadas nas ruas; tivemos a casa de um apoiador do nosso candidato que foi queimada por apoiadores de Bolsonaro. Discursos de ódio e intolerância legitimam condutas violentas de grupos que entendem que agora estão liberados para fazer o que bem entendam, para liberar com violência o ódio que estava guardado no armário. Temos essa preocupação com a violência na política brasileira, que é um elemento que foi introduzida por essa figura perversa do ponto de vista do que ela representa para a democracia. E uma das nossas grandes preocupações nesse momento é a questão da segurança dos líderes políticos, dos militantes políticos das organizações sociais e dos partidos de uma forma geral, diante das tantas ameaças, ofensas e agressões que nós temos assistido no país nas últimas semanas. Há séculos as elites assassinam os líderes populares no Brasil, mas agora nós teremos um presidente da República que defende publicamente essa prática e isso é muito grave.
Quais são os desafios para o PT e a esquerda em geral após essas eleições?
Pimenta: As tarefas que temos pela frente são enormes. A liberdade de Lula e a construção de uma frente ampla são as mais urgentes fundamentais. Precisamos imediatamente, dentro e fora do Brasil, retomar a mobilização pela liberdade do presidente Lula. Nós temos essa luta como um imperativo moral, um imperativo categórico! O Lula é a maior liderança popular que o Brasil conheceu e está confinado em Curitiba, sofrendo na pele as consequências de um golpe e da aliança perversa que levou a extrema-direita a governar esse país. Temos a tarefa de conquistar a sua liberdade porque ele é vítima de um processo fraudulento e, além disso, porque nós defendemos o seu legado e tudo aquilo que ele representa para o Brasil e para o mundo. Se ele não tivesse sido impedido pela Justiça de concorrer novamente à presidência, hoje nós estaríamos celebrando a sua eleição.
E como seria a “frente ampla” da qual tanto se fala?
Pimenta: Devemos colocar no centro da pauta política da esquerda e dos setores antifascistas a construção de uma frente ampla em defesa da democracia. Cabe aos nossos líderes dos diferentes partidos e representantes dos movimentos sociais a construção desse espaço com todos aqueles que estiveram conosco no 2º turno. As milhões de pessoas que foram às ruas conosco deram o recado e disseram que estão dispostas a resistir e lutar. Devemos transformar essa catarse antifascista num grande movimento que impeça o avanço da extrema-direita e não permita a implantação de um projeto autoritário e ultraneoliberal, como Bolsonaro pretende. As experiências de outros países podem nos inspirar, mas teremos que construir um arranjo próprio, adequado ao nosso cenário e às características de cada ator político que vai compor essa frente.
Nós tivemos milhões de pessoas que saíram espontaneamente às ruas, em favor da candidatura de Fernando Haddad, mas sobretudo para dizer à população brasileira que nós não queremos uma ditadura nesse país, que nós queremos um país livre e que respeite a diversidade e a diferença. Não queremos um país homofóbico, racista, intolerante do ponto de vista religioso ou em qualquer outro aspecto da nossa vida em sociedade. Muitas pessoas antes da nossa geração lutaram para manter e recuperar a democracia e temos o dever de seguir e fortalecer essa luta. E uma frente ampla, com diversidade e unidade, é o caminho para isso.
PT na Câmara
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