GGN mostrou que negociações do governo Bolsonaro com a indiana começaram antes de passar pela Anvisa, sendo barrada, e contrato indica beneficiar empresa, cuja sócia tem dívida milionária com o Ministério da Saúde
Em ebulição nesta semana, a CPI da Covid quer ouvir o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e acessar as investigações do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a gestão da pandemia pelo governo federal. Uma das investigações é a que trata de suspeitas envolvendo a vacina indiana Covaxin.
Reportagens de janeiro, fevereiro e março deste ano do GGN mostraram como ocorreu a polêmica negociação da vacina indiana pelo governo federal, aventando acordos com laboratórios privados brasileiros e um suspeito lobby na relação da sócia do laboratório brasileiro que representa a vacina indiana com dívidas com o Ministério da Saúde na gestão Temer.
Agora, reportagem da Folha de S.Paulo dá conta de uma apuração do MPF que identificou que o contrato assinado pela Saúde, sob o então comando de Pazuello, com a empresa que representa o laboratório indiano, a Precisa Medicamentos, favoreceu essa empresa.
Para entender o novo indício de irregularidades, é importante relembrar os primeiros movimentos do governo federal para a aquisição dessa vacina.
O laboratório indiano Bharat Biotech estava negociando com o governo brasileiro para a venda pública dos imunizantes, antes mesmo de clínicas privadas mostrarem interesse em parcerias. A Covaxin era uma das seis vacinas que o governo brasileiro estava dialogando para a aquisição dentro do Plano Nacional de Imunização e, sem divulgar publicamente, o governo chegou a firmar um memorando de entendimento com a Bharat Biotech.
O primeiro documento de planejamento do Ministério da Saúde já mostrava que a vacina indiana tinha o “memorando de entendimento” com o Brasil, que é o primeiro passo para as negociações e o fechamento de contratos.
Conforme o GGN revelou, no dia 12 de dezembro, a pasta informou em relatório que aguardava o retorno do laboratório indiano “sobre o quantitativo de doses disponíveis e o cronograma de entrega” para a “programação logística”. Desde aquele dia, o governo não divulgou mais informações sobre as negociações com a indiana Bharat Biotech.
Pouco tempo depois, em janeiro, clínicas privadas já tinham todas as informações necessárias da empresa indiana para acompanhar o avanço dos testes da vacina e adquirir, com o polêmico aval dado pela Anvisa ao setor privado, amplamente divulgado naquele mês.
Com o sinal verde, a farmacêutica indiana anunciava que a empresa brasileira que a representaria no Brasil era a Precisa Medicamentos, que faria a logística comercial – seja para clínicas privadas ou para o sistema público de saúde brasileiro, junto ao Ministério da Saúde.
No mês seguinte, em fevereiro, reportagem da rádio BandNews divulgava o polêmico histórico da empresa Precisa Medicamentos, que tem entre suas sócias a empresa Global Gestão em Saúde S.A., que mantinha uma dívida de R$ 20 milhões com a pasta da Saúde, em 2017, durante o governo de Michel Temer, quando o ministro da Saúde era Ricardo Barros (PP-PR), deputado federal e hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Coluna de Luis Nassif mostrava, ainda, que o acordo do ministro Pazuello, do governo Bolsonaro, com o laboratório indiano era uma “dispensa de licitação”, modelo de contratação pública que não exige aberturas de licitações e o contrato é feito de forma direta, no valor de R$ 1,614 bilhão.
A empresa Precisa Farmacêutica tinha um registro de capital social de R$ 13 milhões, tendo a Global Gestão S/A como sócia não administradora. A dívida dessa empresa ocorreu por uma licitação, em 2017, para fornecer medicamentos para 152 doenças raras, recebendo o pagamento, mas não tendo entregado os produtos.
Os detalhes dessa dívida constam em uma ação civil pública aberta pelo MPF-DF contra o deputado Ricardo Barros, segundo mostraram reportagens em fevereiro.
Em meio ao imbróglio de contratações, ainda, em março, um mês após o contrato fechado pelo Ministério da Saúde, a Anvisa negou o certificado para o laboratório indiano Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, alegando que a produção não respeitava as normas de fabricação farmacêutica do Brasil.
Quinze dias antes dessa decisão da Anvisa, a empresa parceira indiana, Precisa Farmacêutica pediu orientações da Agência para obter a autorização de uso emergencial ou o registra da vacina Covaxin. Mas a representante indiana não detinha dados mínimos, nem documentação para pleitear a produção das vacinas. A medida atrasaria o cronograma de Pazuello, que contava, naquele mês, com a distribuição de 8 milhões de doses desse imunizante, o que efetivamente não ocorreu.
“O cronograma é para ser alterado quando a farmacêutica não entrega, a linha de produção para, quando acontece qualquer dificuldade na legalização das doses”, justificava, à época, Eduardo Pazuello.
Na última sexta (23), o presidente Jair Bolsonaro tentou defender a gestão Pazuello: “É um trabalho que vem lá de trás, do general Pazuello à frente do Ministério da Saúde, que fez o dever de casa lá atrás e não comprou ano passado praticamente, apenas fez muitos contratos, porque precisava passar pela Anvisa”.
Na contramão do que efetivamente ocorreu, Bolsonaro disse que “seria uma irresponsabilidade do governo despender recursos para algo que ninguém sabia o que era ainda porque não estava ainda no mercado”. Como o GGN mostrou, as negociações de compra com a indiana ocorreram em dezembro, com contrato fechado em feveiro, e foram feitas antes mesmo de qualquer aprovação da Anvisa, que posteriormente negou o registro ao laboratório.
A investigação do MPF avançou e agora revela uma suspeita de favorecimento da pasta à Precisa Medicamentos, com cláusulas de pagamento antecipado à farmacêutica, antes mesmo da entrega das doses, sem ainda o aval da Anvisa, a falta de dados técnicos básicos sobre o imunizante, e uma especificação sobre a entrega da Covaxin com privilégios, que outros laboratórios não tiveram.
Em processo de apuração, o MPF solicitou os documentos de importação da vacina e investiga a falta de sanção contratual, uma vez que os prazos estabelecidos no contrato não foram cumpridos: 16 milhões de doses já deveriam ter sido entregues e outras 4 milhões deveriam ser disponibilizadas no dia 6 de maio, segundo cláusula do contrato.
Assinado no dia 25 de fevereiro, o contrato prevê, ainda, que 10 milhões de doses deveriam ser entregues no prazo de 60 dias “após a obtenção da autorização temporária de uso emergencial ou registro definitivo”. Segundo o Ministério da Saúde, não houve privilégio, “trata-se meramente de redação”, respondeu à reportagem da Folha, que divulgou o caso.
Jornal GGN
Por Patricia Faermann
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