A ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964 foi um regime criminoso, facínora, comandado por facínoras, escreve o jornalista José Reinaldo Carvalho
Por José Reinaldo Carvalho – A ferida que a ditadura militar, instaurada por um golpe de Estado há 60 anos, abriu no organismo nacional, malgrado o tempo transcorrido, ainda não cicatrizou. A ditadura militar provocou danos duradouros e indeléveis na vida nacional, que não se apagam com discursos, decretos nem perorações negacionistas.
A ditadura militar foi um regime criminoso, facínora, comandado por facínoras, um regime que atentou gravemente contra a democracia, os direitos do povo e a soberania nacional. Um regime cujos métodos principais para o exercício do poder foram a violência, a mistificação e o engodo. O período de 21 anos em que durou aquele regime foi marcado por graves violações aos direitos humanos e às liberdades democráticas.
Os crimes cometidos durante a ditadura militar não foram atos isolados, mas uma política de Estado sob o estrito comando de oficiais graduados das Forças Armadas.
Diversos relatórios e investigações ao longo dos anos comprovaram a extensão dos abusos cometidos durante o regime militar. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, por exemplo, apresentado em 2014, trouxe à tona uma série de violações de direitos humanos, incluindo execuções, torturas, ocultações de cadáveres e perseguições políticas.
Entre os episódios mais marcantes desse período está o caso emblemático da Guerrilha do Araguaia, onde mais de uma centena de guerrilheiros foram assassinados pelas forças militares. Muitos corpos nunca foram encontrados, e suas famílias seguem em uma busca incessante por justiça e por informações sobre o paradeiro de seus entes queridos.
Em todas as suas etapas o regime militar foi uma guerra contra o povo, com o recurso frequente ao terror de Estado, porque é disso que se trata quando se tortura e assassina presos políticos. Enfatizo: em todas as etapas, incluindo a “distensão” do general Geisel – verdugo de patriotas, democratas, jovens guerrilheiros e dirigentes de organizações revolucionárias – e a “abertura” do último general-presidente, o atrabiliário João Figueirêdo.
Na execução da guerra contra o povo e a nação foram invocados falsos pretextos para esconder os inconfessáveis objetivos de submeter o Brasil aos desígnios imperialistas dos Estados Unidos e a aspiração dos generais a se perpetuarem no poder. Para dar o golpe, desfraldaram falsas bandeiras – lutar contra a corrupção, sanear a economia, impedir a “subversão”, a “república sindicalista”, a “ameaça comunista”. Disseram que o golpe era apenas um movimento “redentor” e prometeram a democracia, mas logo ficaram evidentes os propósitos continuístas. Foi com falsos pretextos também que promoveram uma razia entre as forças democráticas, patrióticas, revolucionárias, nos movimentos sindicais e estudantis, entre intelectuais e os militares genuinamente legalistas, democratas e defensores da soberania do país. Ao declarar guerra ao povo, a ditadura militar adotou uma política de extermínio da oposição democrática-popular e da esquerda. Em determinado momento, a partir de finais de 1968, os generais implantaram um regime de terror. Aquele regime atentou contra o estado de direito, tolheu as mais elementares liberdades democráticas, desencadeou o terrorismo cultural, impôs a censura à imprensa, às artes, à atividade científica e acadêmica, violou a independência e harmonia entre os Poderes, manietando o Judiciário e o Legislativo, perseguiu, prendeu e torturou dezenas de milhares de brasileiros, indiciou em inquéritos policial-militares mais de dez mil pessoas. Assassinou 434 combatentes pela democracia.
Sucederam-se os atos arbitrários até que a ditadura se fascistizou por completo e o Brasil viveu mais de uma década sob o terror de Estado.
A responsabilidade política não pode ser diluída. Os crimes propriamente ditos foram cometidos pelas forças armadas reacionárias que agiram como instrumento das classes dominantes e do imperialismo estadunidense. Portanto, não é justo analisar o caráter do golpe como uma mera ação das forças conservadoras, como se em 1º de abril de 1964 tivesse sido instaurado no país um regime “civil-militar” e não uma ditadura militar fascista.
Desde os tempos coloniais, passando pelo Império, a velha República, o Estado Novo e outros de cariz liberal ou conservador, o Brasil sempre foi governado, até o advento da ditadura de 1964, por forças conservadoras, ressalvados alguns hiatos, como o próprio momento em que ocupava o poder o democrata, patriota e trabalhista João Goulart, derrubado por tentar abrir caminhos a reformas estruturais de base e à consolidação da soberania nacional. Mas uma ditadura aberta, terrorista, fascista, foi implantada em 1964. Fosse apenas um manejo conservador, o golpe militar de 60 anos atrás teria malogrado um ano depois, quando lideranças civis conservadoras que ajudaram a desfechá-lo rebelaram-se ao perceber que os generais vieram para ficar, como aliás advertira o Partido Comunista do Brasil nos primeiros documentos que lançou para analisar o caráter do novo regime.
O golpe militar de 1964 foi uma viragem reacionária na vida política nacional, em que as classes dominantes, mancomunadas com o imperialismo estadunidense, lançaram mão do poder de fogo das forças armadas para esmagar a maré montante da luta popular por democracia, direitos sociais e soberania nacional. Tentada em outras ocasiões, a reviravolta política de sentido reacionário só foi possível porque prevaleceu a tendência malsã predominante nas forças armadas brasileiras desde sempre e até hoje não contida – o militarismo. Esta tendência, este vício, esta doença congênita da instituição militar brasileira é eivada de profundo sentido antidemocrático, antipopular e anticomunista, travestido de nacionalismo, mas como se viu, um nacionalismo de fancaria, porquanto a ditadura militar de 1964 serviu como vassala do imperialismo estadunidense.
A ditadura dos generais impôs, em conluio com os centros econômicos e financeiros do imperialismo, um modelo econômico antipopular e entreguista, contrário ao desenvolvimento do país e ao bem-estar social. O golpe de 1964 abriu um longo período calamitoso para o povo brasileiro. O modelo econômico imposto pelo regime era antipopular e entreguista. O desenvolvimento do país foi prejudicado em prol de interesses neocolonialistas
É injusto, além de ser um erro político, não passar a limpo este passado porque ele está vivo entre nós nos arreganhos fascistas do ex-ocupante do Planalto com sua horda de milicianos, do lumpensinato, e os chacais fardados que até ontem ocupavam elevados cargos na cúpula das Forças Armadas e postos-chave no governo.
A memória desses eventos sombrios serve como um lembrete de que a democracia e os direitos humanos devem ser protegidos e valorizados. A história nos ensina a nunca esquecer as consequências devastadoras da tirania e da violência das Forças Armadas.
A história do Brasil não pode ser escrita sem o devido reconhecimento dos crimes cometidos durante a ditadura, e a responsabilidade das forças armadas nesse contexto deve ser encarada com frontalidade.
Somente através do reconhecimento e da responsabilização dos responsáveis é que poderemos verdadeiramente construir uma sociedade justa e democrática. A memória das vítimas e a luta por justiça não podem ser esquecidas, e cabe a esta e às gerações vindouras garantir que as lições daquele período sejam aprendidas e que tais atrocidades nunca mais se repitam.
As Forças Armadas têm a obrigação de se retratar e as forças democráticas o dever de apagar da Constituição qualquer possibilidade de interferência das corporações militares na vida política nacional. Extirpar o militarismo como tendência política, abolir a excrescência da GLO, fechar todas as portas ao golpismo são tarefas a realizar.
As Forças Armadas devem desculpas ao povo e a nação e não as instituições que elas golpearam e vilipendiaram.
Não é por revanchismo que os patriotas e democratas rememoram os acontecimentos desencadeados a partir de 31 de março e 1º de abril de 1964, mas para extrair lições pedagógicas que eduquem as gerações vindouras e preparem o país para construir um sistema democrático em que o povo seja efetivamente dono do poder, capaz de soerguer instituições suficientemente fortes para conjurar e se for necessário esmagar ações militaristas como as de 60 anos atrás. E no mister de analisar, é preciso transparência e frontalidade para designar os fatos como eles são.
O regime militar no Brasil foi um período de grande impacto na história do país. As marcas desse período ainda são sentidas na sociedade brasileira, tanto na esfera política e econômica quanto nas relações internacionais. É importante analisar esse período de forma crítica e reflexiva, para entender seus efeitos, aprender com seus crimes e reunir forças para lutar por uma democracia autêntica.
Com informações do Brasil 247
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