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Câmara dos Deputados e o Senado Federal elegem seus novos presidentes e, em ambas as Casas, nomes apoiados pelo Palácio do Planalto despontam como favoritos

Do impeachment de Bolsonaro à volta do auxílio: o que estará nas mãos dos novos presidentes da Câmara e do Senado
Por Mariana Schreibe

Após um início de governo de forte tensão com o Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro pode ter, a partir de fevereiro, dois aliados no comando do Poder Legislativo.

Na próxima segunda-feira (1º/02), a Câmara dos Deputados e o Senado Federal elegem seus novos presidentes e, em ambas as Casas, nomes apoiados pelo Palácio do Planalto despontam como favoritos.

O governo está trabalhando com especial afinco na campanha de Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão que tenta ser o novo presidente da Câmara. O cargo tem especial importância porque dá ao seu ocupante o poder de barrar ou iniciar um processo de impeachment — a pressão pela cassação do presidente aumentou nas últimas semanas com o agravamento da pandemia de coronavírus e a pequena quantidade de vacinas obtidas pelo governo Bolsonaro neste momento para imunizar a população.

Há mais oito deputados concorrendo ao comando da Casa, mas o único que apresenta alguma ameaça à vitória de Lira é Baleia Rossi (MDB-SP), apoiado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e que se coloca como independente do governo.

Já no Senado, a candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) conseguiu atrair apoio de uma ampla gama ideológica, que vai de senadores próximos ao governo Bolsonaro à bancada do PT.

Lá, um fator importante que tem lhe dado vantagem na disputa contra sua principal concorrente, a candidata Simone Tebet (MDB-MS), é sua postura crítica à Lava Jato, enquanto a senadora é entusiasta de pautas associadas à operação, como a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Mas, ainda que o favoritismo dos candidatos do Planalto se confirme, esse resultado não será garantia de vida fácil para o governo Bolsonaro no Congresso, afirmam analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil.PUBLICIDADE

Entenda a seguir quais podem ser os impactos das duas eleições para evitar (ou não) um processo de impeachment e para a votação de agendas prioritárias para o governo, como as reformas econômicas e pautas conservadoras.

Blindagem contra impeachment?

A aproximação de Bolsonaro com políticos do Centrão e, com Arthur Lira em especial, se intensificou a partir de abril de 2020, em um momento em que investigações acuavam o governo e filhos do presidente — caso de dois inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal para apurar ataques contra os ministros da Corte e a convocação de atos antidemocráticos e da investigação no Rio de Janeiro sobre um possível esquema de desvio de recursos do antigo gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro.

Naquele momento, o próprio presidente admitiu a distribuição de cargos entre partidos políticos: “Tem cargo na ponta da linha, segundo ou terceiro escalão, que estava na mão de pessoas que são de governos anteriores ao (do ex-presidente Michel) Temer. Trocamos alguns cargos nesse sentido. Atendemos, sim, a alguns partidos nesse sentido (de cargos)”, disse o presidente, em uma transmissão ao vivo no final de maio.

A estratégia, que contraria o discurso do presidente crítico ao toma-lá-dá-cá do início do seu governo, se intensificou agora na campanha de Lira para o comando da Casa. Confirmando-se a vitória do líder do Centrão, a expectativa é que ocorra uma reforma ministerial para acomodar no governo mais indicados políticos.

A estratégia, de fato, tende a garantir uma base mais estável para Bolsonaro no Congresso e deve aumentar sua proteção contra a abertura de um processo de impeachment. Mas, segundo analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, nem a vitória de Arthur Lira significará que a possibilidade de impeachment estará 100% enterrada, nem a de Baleia Rossi indicará uma chance alta de abertura de um processo contra o presidente.

Na visão desses especialistas, outros fatores podem ser mais determinantes para isso, como um agravamento das crises econômica e de saúde, com piora mais acentuada da popularidade de Bolsonaro e protestos maiores nas ruas contra o presidente.

“Lira foi ao encontro dessa proposição do governo Bolsonaro, em que o governo oferece a máquina federal, com recursos (para investimentos na base eleitoral) e cargos (para indicados políticos) aos deputados que votarem em Lira. Isso em princípio é um elemento de estabilização (para o mandato de Bolsonaro)”, afirma Creomar de Souza, professor da Fundação Dom Cabral e fundador da consultoria Dharma. “Agora, a gente pode lembrar que Dilma Rousseff (ex-presidente derrubada em 2016) tentou construir o mesmo modelo de estratégia e foi muito mal sucedida. Só as nomeações, a colocação da máquina no processo político, não são suficientes para manter essa lealdade.”

Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), caso Lira leve o comando da Câmara, ele vai “cobrar caro” de Bolsonaro sempre que precisar agir para “acalmar a base” e neutralizar ameaças ao seu mandato, como impedir a instauração de alguma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o governo ou barrar um processo de impeachment.

“No caso do Lira, ele só abriria um processo de impeachment após esgotar os benefícios que ele poderia arrancar do governo e se praticamente for forçado a isso pelas circunstâncias. Se Bolsonaro perder apoio da opinião pública, ele pode entregar tudo para o Lira, mas o risco de cair é muito grande”, avalia Queiroz.

Já no caso de uma vitória de Baleia Rossi, o analista do Diap considera que ele assumiria uma postura parecida com a de Rodrigo Maia, de cautela quanto a iniciar um processo de impeachment em meio à pandemia. “Vai ser uma cautela preocupada com o interesse nacional, em não desorganizar a pauta (do Congresso), o país, num momento desse.”

Nos últimos dias, porém, a vitória de Rossi tem ficado mais distante. Na semana passada, o PSL, segunda maior bancada na Câmara, mudou seu apoio do emedebista para Lira. Com isso, a candidatura do líder do Centrão é endossada por 11 partidos (PL, PP, PSD, Republicanos, PTB, Pros, Podemos, PSC, Avante, Patriota e PSL).

Rossi também têm formalmente apoio de 11 legendas (PT, MDB, PSB, PSDB, DEM, PDT, Cidadania, PV, PCdoB, Solidariedade e Rede). Porém, há uma expectativa de traições (votos contrários a orientação do partido) maior do seu lado. Como a votação é secreta, os traidores não ficam sujeitos a punições em suas legendas.

Segundo Antônio Queiroz, outro fator que deve beneficiar o alagoano Lira é o apoio de parlamentares do Nordeste, mesmo de partidos de oposição, pois há um sentimento de “solidariedade” entre os políticos desse grupo, que veem na perspectiva de um presidente da Câmara nordestino mais chances de beneficiar a região. Na segunda-feira, sete deputados do DEM, PSDB e PDT da Bahia declararam apoio a Lira, despertando a ira de Rodrigo Maia.

Na quinta-feira, em visita a Propriá, em Sergipe, Bolsonaro enfatizou o vínculo de Lira com a região. “Amigos de Sergipe, amigos de Alagoas, se Deus quiser, teremos o segundo homem na linha hierárquica do Brasil, eleito aqui no Nordeste, pela Câmara dos Deputados. O deputado Arthur Lira. Se Deus quiser, (será) o nosso presidente”, afirmou, ao discursar na cerimônia de inauguração de um nova ponte sobre o rio São Francisco.

Creomar Souza nota que Baleia Rossi adotou uma estratégia de fazer campanha “para fora”, se colocando com o candidato de uma frente ampla democrática para barrar o autoritarismo do governo Bolsonaro, com objetivo de atrair votos dos deputados por meio do apoio da opinião pública a sua candidatura. Já Lira fez uma campanha “para dentro”, com a promessa de priorizar os interesses dos deputados.

“Isso (a estratégia de Rossi) não tem dado resultados porque uma parte dos parlamentares quer elementos concretos (em troca do seu apoio). Ao não ter a máquina e diante do fato de que o governo está interferindo de maneira muito pesada no jogo, Rossi não tem a oferecer em comparação ao que Lira tem a oferecer”, analisa.

Reformas econômicas e volta do auxílio emergencial

Os candidatos mais competitivos nas disputas pelo comando da Câmara e do Senado têm manifestado apoio à pauta econômica de Paulo Guedes, indicando a intenção de colocar em votação as reformas tributárias e administrativa e a PEC Emergencial (proposta de alteração da Constituição para criar mecanismos automáticos de redução de gastos, com possibilidade de congelamento de concursos públicos e redução temporária de salários de servidores).

Essas pautas, porém, sofrem resistência de grupos que têm influência sobre parlamentares, como setores que serão negativamente afetados por mudanças tributárias (serviços, principalmente) e funcionários públicos. Ainda que as propostas finalmente sejam votadas, a tendência é que sofram muitas modificações em relação ao defendido pelo Ministério da Economia.

“Nunca teremos uma reforma, seja administrativa, tributária, que seja a reforma dos sonhos do especialista (da área). Isso é natural”, nota Creomar Souza.

Os deputados Arthur Lira e Baleia Rossi e os senadores Rodrigo Pacheco e Simone Tebet também defendem a volta de alguma forma de auxílio emergencial para a população mais vulnerável à crise econômica, mas dizem que isso deve ser feito com respeito à responsabilidade fiscal, dentro do teto de gastos (regra constitucional que limita o crescimento das despesas do governo à inflação).

O grande desafio dos vencedores na Câmara e no Senado será como tornar isso realidade, já que o governo Bolsonaro desistiu, ao menos por enquanto, de criar um novo benefício social para substituir o auxílio emergencial, cuja última parcela foi paga em dezembro, justamente pela dificuldade de adotar a medida sem furar o teto.

Pautas conservadoras

Enquanto o discurso na economia é uniforme entre os principais candidatos, é na chamada pauta conservadora de costumes e de segurança pública que surgem algumas diferenças.

Alinhado com Bolsonaro, Arthur Lira recebeu o apoio da bancada evangélica e da bancada da segurança pública, também chamada de bancada da bala. Por isso, há expectativa que sua vitória abra caminho para a votação de pautas conservadoras ou de viés autoritário, como a proposta do excludente de ilicitude, instrumento que tornaria mais difícil punir policiais por homicídios.

Baleia Rossi, por sua vez, tem se colocado como contraponto à Lira e a Bolsonaro neste campo.

“Lira se comprometeu (na campanha) a colocar em votação pautas de costume. Aquilo que ele se compromete ele tem que colocar em votação sob o risco de perder o apoio dos parlamentares e acabar tendo uma vida muito curta na presidência da Câmara”, nota Antônio Queiroz, do Diap, em referência a possibilidade de Lira, caso seja escolhido presidente da Câmara, poder tentar um novo mandato em 2023, se for reeleito deputado em 2022.

Para a cientista política Talita Tanscheit, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a atuação conjunta de Lira com Bolsonaro pode acelerar ainda mais o andamento de pautas conservadoras no Congresso.

“O que me parece que está em jogo é a velocidade da erosão democrática no país. Talvez com o Baleia Rossi (na presidência da Câmara), a gente possa dar uma freada nisso. Com o Arthur Lira, havendo uma coesão imensa entre Executivo e Legislativo, aí você consegue acelerar essa marcha”, afirma.

Já Rodrigo Pacheco, líder na disputa no Senado, diz que sua presidência na Casa vai priorizar pautas de “saúde pública, desenvolvimento social e o crescimento econômico”.

Ele se diz “definitivamente contra” o porte de armas, mas não negou colocar em votação propostas relacionadas ao tema caso haja demanda por parte dos senadores. “Essa e qualquer outra pauta”, completou, segundo a Agência Senado.

O antilavajatismo no Senado

Enquanto na Câmara, a disputa está polarizada entre um candidato claramente alinhado com Bolsonaro e uma candidatura que busca se colocar como independente, no Senado um terceiro elemento aparece como aglutinador de votos: o sentimento anti-Lava Jato e a oposição a pautas defendidas pela principal estrela da operação, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro.

Para Antônio Queiroz, do Diap, foi essa fator que afastou muito senadores da candidata Simone Tebet — que integra o grupo Muda Senado, bloco que reúne congressistas com forte discurso anticorrupção — e os levou a apoiarem Rodrigo Pacheco, que tem o apoio do atual presidente da Casa, David Alcolumbre (DEM-AP), e de Bolsonaro.

“Rodrigo Pacheco é um garantista. Temos muito respeito pela senadora Simone, mas ela tem fortes vínculos com o Muda Senado, o lavajatismo e o morismo”, reconheceu ao portal Congresso em Foco o senador Humberto Costa (PT-PE).

Afinado com a postura crítica de Pacheco à Lava Jato, o PT anunciou apoio ao senador mineiro em 11 de janeiro. Depois, até mesmo o MDB desistiu de apoiar a candidata de seu partido, que ainda assim decidiu se manter na disputa como independente.

Com isso, Pacheco já tem o apoio de 11 partidos (DEM, MDB, PT, PDT, Rede, PP, PSD, PSC, Pros, PL e Republicanos).

Por Jornal GGN

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