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Para ex-presidente da Petrobras, Brasil envolveu-se em uma disputa geopolítica e golpe ajudou a destruir um projeto nacional. Ele não nega corrupção, mas lembra que ninguém do PT foi envolvido

No centro de uma disputa geopolítica entre China e Estados Unidos, como diz o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli, o Brasil tornou-se uma “pedra no sapato” norte-americano com sua política para o pré-sal, privilegiando a economia nacional. “Acho que o golpe de 2016 tem tudo a ver com a desmontagem desse sistema de acesso ao petróleo brasileiro”, afirmou Gabrielli, durante debate promovido pelo ex-ministro Carlos Gabas e realizado na noite de terça-feira (26) no Sindicato dos Bancários de São Paulo.

Segundo Gabrielli, o Brasil entrou no “radar” mundial em 2007, com a descoberta do pré-sal, fazendo com que o país figurasse entre aqueles com maior possibilidade de aumentar sua produção na década seguinte. Mas houve um “problema”, do ponto de vista estrangeiro, conforme a análise do ex-presidente da Petrobras: uma alteração legal, em 2010, que manteve a Petrobras no centro do processo, dando ao Estado uma parcela maior da renda do petróleo e montando uma política de conteúdo nacional, a fim de impulsionar a indústria naval e de equipamentos, e direcionando recursos para áreas como saúde e educação.

Seria isso, acrescenta Gabrielli, que determinaria a velocidade das novas áreas de petróleo. “Em função do desenvolvimento da indústria no Brasil e não das necessidades do mercado norte-americano. Esse modelo não adequava-se aos interesses estratégicos de médio e longo prazo dos Estados Unidos. Do ponto de vista lógico, o governo Lula/Dilma era uma pedra no sapato.”

Outros fatores estavam em jogo: a China, por exemplo, que passa a investir em áreas produtoras de petróleo e é hoje o maior sócio da Petrobras no pré-sal. E há também a Rússia – Gabrielli lembra o presidente Vladimir Putin é petroleiro de origem –, que passa a ter política ativa em países como Síria e Irá. “As grandes potências do mundo hoje se movem em torno do petróleo e gás.” Ele observa ainda que, no período 2007/08, o governo norte-americano reativa a Quarta Frota no Atlântico Sul.

“Nada do que nós temos hoje, até a produção agrícola, vive sem petróleo. Isso é o que dá ao petróleo uma característica especial de ser um produto estratégico. É um produto cujo acesso faz guerra, corrupção, derrubada de governo, mudança na geopolítica. E até agora, de uso insubstituível no curto e no médio prazo”, afirma Gabrielli, acrescentando que as decisões são sempre de longo prazo, já que o intervalo entre descoberta e produção efetiva fica em torno de seis anos. “E existem riscos na indústria do petróleo. Você pode não achar. A maior parte das empresas tem como objetivo ter acesso às áreas onde pode achar. Esse movimento é não só econômico, como essencialmente político”, disse o ex-presidente da estatal brasileira.

Ele também comentou a ocorrência de corrupção na própria Petrobras, calculada em R$ 6 bilhões. “Está registrado no balanço. Como a Petrobras chegou a esse cálculo? Aplicou 3% sobre todos os contratos assinados pelos corruptos confessos da empresa”, comentou Gabrielli, referindo-se ao período 2004-20014. Um valor aproximado de US$ 1,5 bilhão. “É muito dinheiro, mas sabe quanto a Petrobras fatura por ano? R$ 380 bilhões.” Assim, embora seja grave e necessite de punição, a corrupção teria, segundo o ex-presidente, correspondido a aproximadamente 0,5% do faturamento nesse período.

“O fato  é que a corrupção foi grande. Mas, como eu disse, para a escala do projeto, era relativamente pequeno esse comportamento. E do ponto de vista das pessoas da Petrobras, também”, afirmou Gabrielli, calculando em 10 o número de pessoas envolvidas no alto escalão, em um total de 100. E daqueles “caracterizadamente petistas”, como ele próprio, o ex-presidente José Eduardo Dutra, Guilherme Estrela, Ildo Sauer, Graça Foster, “nenhum está envolvido em em nenhum caso da Lava Jato”.

“A ideia de que há um antro de corrupção na Petrobras, que tem o PT como epicentro, foi uma construção política de extrema importância para desestruturar o governo Dilma, o nosso governo”, frisou o ex-presidente da empresa. A campanha, inclusive na mídia, teve “papel fundamental na destruição da política, na desconstrução de um projeto nacional”. Depois de 2016, diz ele, “os golpes de desmontagem foram rapidíssimos, estamos cada vez mais dependentes da situação internacional”.

Projetos e resistência

Uma situação bastante diferente de poucos anos atrás, quando a indústria naval cresceu e o Brasil queria construir 29 sondas de perfuração. Para comparar, Gabrielli diz que na época a frota mundial desse tipo de sondas era de 100. “A Petrobras queria fazer 29, em cinco anos, no Brasil, construindo cinco estaleiros. Isso criou um problema grave, porque as empresas fretadoras de sondas foram contra. Aumentando em um terço o número de sondas, o preço ia cair. Os estaleiros estabelecidos também eram contra.”

“Além disso, tivemos a ousadia de tentar fazer cinco novas refinarias”, acrescenta o ex-presidente da Petrobras. “Entramos fortemente na petroquímico, no biodiesel, entramos como sócios em usina de açúcar para produzir etanol, ampliamos a produção de fertilizantes, a capacidade de geração de energia elétrica. Portanto, criamos um complexo com impacto gigantesco no PIB brasileiro. Evidente que afetou muitos interesses. E, também, despertou grandes apetites, digamos, ilegítimos entre atores que atuavam num mercado que estava extremamente aquecido.”

A situação atual, segundo ele, “fecha claramente com os interesses geopolíticos dos Estados Unidos, em disputa com a China e com a Rússia, mas sem nada a ver com os interesses do nosso povo”. Para Gabrielli, os fenômenos de corrupção foram “potencializados”, transformando um problema policial em político: “Só interessa à desmontagem dos governos progressistas e aos governos autoritários”.

Com a presença de Selma Rocha, da Fundação Perseu Abramo, e do advogado e ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, este foi o segundo debate promovido por Gabas, ex-ministro da Previdência e pré-candidato a deputado federal. O primeiro teve a participação da ex-presidenta Dilma Rousseff, no dia 14, e o próximo será com o jornalista Paulo Henrique Amorim. “A tradução do golpe é uma degradação das políticas sociais, da vida das pessoas. A vida real está pior”, disse Gabas.