A única reviravolta possível no momento seria os ucranianos oferecerem um tal nível de resistência que elevassem os custos monstruosamente para a Rússia, minando apoio popular e inclusive entre as forças armadas, diz pesquisador de Estudos Estratégicos da UFF
Presidente russo Vladimir Putin
Não se pode considerar que Vladimir Putin já é vitorioso na guerra que declarou à Ucrânia na madrugada de quinta (24). Mas, em apenas dois dias, ele alcançou uma vantagem impressionante no tabuleiro. Nem mesmo as “severas” sanções impostas pelos Estados Unidos, com apoio de seus aliados, parecem ter minimamente intimidado o líder russo.
“Não vejo grande prejuízo para a Rússia com essas sanções. Provavelmente, o cálculo do custo-benefício foi muito positivo para Putin”, diz Thomas Heye, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). “E ele foi muito audacioso.
A enorme vantagem do presidente russo na guerra à Ucrânia – diante de um Joe Biden hesitante e sempre apenas reagindo aos movimentos do oponente – dificilmente será revertida. “Há um processo. Mas nesse processo Putin joga com as brancas e o primeiro movimento foi dele”, observa Heye.
Olhando para o tabuleiro, a única reviravolta possível no momento seria os ucranianos oferecerem um tal nível de resistência que “elevassem os custos monstruosamente para a Rússia, minando apoio popular e inclusive entre as forças armadas”, diz. Mas esse desdobramento dependeria, também, de apoio externo, o que, até o momento, da parte de Estados Unidos e Otan, concretamente não veio.
Rússia x Otan
O objetivo político de Putin era conter a expansão da Otan, cujo avanço rumo ao Leste ele vê como “uma ameaça existencial” à Rússia. Na medida em que a Rússia se refortaleceu no pós-guerra fria, Putin amadureceu o “basta” à expansão da Otan. Para Heye, os ucranianos foram traídos pelos europeus e pelos Estados Unidos, “com promessas de União Europeia, Otan, solidariedade, mas nem sanções significativas fizeram contra a Rússia”. A invasão russa, ele pondera, é “uma agressão ilegal”, já que a Ucrânia é um país soberano.
Após a invasão, a imprensa ocidental fez repetidas vezes a mesma pergunta: até onde vai Putin? “Até onde se sentir confortável, o que significa sentir que está em vantagem”, responde Heye. “Ele já percebeu que, até o momento, não houve nada que pudesse provocar enfrentamento direto (com as potências) ou aumentar os custos da agressão. Ele pode se dar ao luxo de esperar a poeira assentar para pensar num segundo movimento, para talvez então consolidar a sua posição.” Até o momento, essa posição de vantagem não dá mostras de que possa ser mudada.
De certa maneira, a deflagração da guerra à Ucrânia por Putin deu um novo sentido, mais imediato, à Otan, que estava se fragmentando e cada vez mais perdendo o sentido de existir. “Se a Otan estava se desintegrando, porque não tinha propósito, agora tem: conter a Rússia”, diz o analista da UFF.
Mas Putin tem um aliado temível para os Estados Unidos: a China. No início do mês, chineses e russos anunciaram uma “aliança sem limites”. Joe Biden foi pego de surpresa e ficou sem ação.
Na guerra, neonazismo da Ucrânia presente
Uma das grandes preocupações mundiais hoje, e que, ironicamente, parece não estar incomodando o Ocidente como deveria, é o ressurgimento de focos neonazistas em toda parte. A própria Ucrânia é um dos principais berçários desses focos. A ascensão do presidente Volodymr Zelensky, após um golpe que derrubou o pró-russo Viktor Yanukovych, foi sustentada por grupos neonazistas – e assim, as forças armadas ucranianas incorporaram grupos desse tipo voluntariamente.
Para Heye, não está claro se esses grupos estão proliferando ou apenas “mostrando a cara”. “O ovo da serpente se quebrou, e a serpente saiu. A gente ignorava a existência dessas pessoas, não fazia parte do nosso universo, nas nossas bolhas, e esses caras agora conseguem se expressar politicamente de maneira contundente”, enfatiza.
“Eles têm aspectos diferentes, adaptados ao século 21, mas na essência é o ódio, a intolerância. Tudo o que a gente pensava ter enterrado no século 20. O século 21 está mostrando que a história não é um progresso linear da humanidade”, diz o professor.
E a Alemanha?
Muito se questiona a respeito do papel da Alemanha na conjuntura atual. País mais economicamente poderoso da Europa, cede facilmente às pressões dos Estados Unidos. Sob o novo governo do primeiro-ministro Olaf Scholz, os germânicos embargaram a entrada em operação do gigantesco gasoduto submarino Nord Stream 2, pelo qual a Rússia dobraria o fornecimento de gás à Alemanha.
Desde a derrota na Segunda Guerra, a Alemanha adotou o pacifismo como um dos fundamentos de sua política externa. “Para resumir: se a Alemanha é uma potência econômica, militarmente, definitivamente, não é”, explica o professor. Embora possua uma indústria bélica de ponta que exporta muito, o país não tem no governo seu principal cliente. Desse modo, a dependência não é pequena. “Eles basicamente terceirizaram a sua segurança externa aos Estados Unidos e Otan.”
Mas a questão não seria diferente com Angela Merkel, na opinião de Heye. Isso porque, apesar de ela ter sido uma estadista reconhecida pela sua competência na arena internacional, a Alemanha, assim como a Europa em geral, depende da Otan.
Sobre o gasoduto, o embargo é temporário, acredita o analista. “Eles têm reserva para quatro, cinco meses. Os russos sabem disso. Eles seguram a onda por um tempo, depois abrem. Ou então a Alemanha topa pagar mais caro pela energia, porque recurso para isso ela tem.” China e Irã estão entre os grandes produtores de gás na Eurásia.
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