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Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é advogado criminal que já defendeu 4 ex-presidentes da República e 80 governadores. Ele escreve no site Poder360 sobre a Operação Lava Jato.

“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.”
(Clarice Lispector)

Chego a Sevilha para participar do seminário “¿Vivimos un Estado Autoritario de Derecho?” e fico refletindo sobre os efeitos deletérios e, infelizmente, quase permanentes, para toda a sociedade brasileira, desse verdadeiro ataque à democracia que sofremos em razão da atuação do grupo representado pela união do Moro e do Bolsonaro.

Na noite em que chego, participo, por videoconferência, de uma solenidade no IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros), presidido pela querida Rita Cortez, na qual o mestre Boaventura de Sousa Santos é nomeado integrante benemérito do instituto. Tenho o prazer de fazer breve saudação ao professor e, de Sevilha, ouço a fala do eterno mestre.

Na verdade, o que diz Boaventura serve também para o seminário que está ocorrendo aqui. A afirmação do professor de que o Brasil está vivendo “a suspensão temporária do Estado democrático de direito” define o que é a realidade brasileira. Boaventura foi convidado a falar na Universidade de Sevilha, mas o recrudescimento da pandemia impediu que ele viajasse.

No entanto, a afirmação dele no IAB serve de alerta para todos nós. A grave e verdadeira afirmação de que estamos vivendo “um fenômeno relativamente raro, que é a coexistência do primado do Direito com o Estado de exceção” deveria ecoar fundo. Lembro-me de Bakunin: “Não há nada tão estúpido quanto a inteligência orgulhosa de si mesma”.

Desde o início do crescimento político do bolsonarismo, impulsionado fortemente pelo lavajatismo, vários de nós, advogados e professores, levantamos a discussão sobre as consequências que o lawfare poderia trazer para a realidade no Brasil.

Na feliz definição do professor Rubens Casara, “a utilização do sistema de justiça como locus de uma guerra contra pessoas identificadas como ‘inimigas’, em que as armas são interpretações distorcidas (e potencialmente destrutivas) das leis, institutos, procedimentos e categorias do direito. Com essa expressão, que surge da contração das palavras law e warfare, busca-se designar a instrumentalização do Sistema de Justiça, das leis e procedimentos para fins políticos e ideológicos”.

Infelizmente, prevaleceu, naquele momento, uma perigosa simbiose de um sentimento antipetista, bem explorado pelos bolsonaristas, com uma distorção propositada de um falso combate à corrupção, alimentada pelo Moro, para o crescimento de uma extrema direita representada pelo “Bolsomoro”. E com o apoio da grande mídia, de boa parte da perversa elite brasileira e com as conexões trumpistas, vimos ser instalado esse Estado que corrói as estruturas democráticas no Brasil.

Esse era, desde o início, o debate que tentávamos fazer dentro da sociedade organizada. Quando apontávamos que a corrupção do sistema de justiça pelo Moro e seus asseclas lavajatistas era um risco real para o próprio Estado democrático de direito, nós perdíamos a narrativa para essa direita embrutecida. A narrativa era, e é, de que estávamos na defesa de clientes particulares e o foco da discussão era criminosamente desviado. Com esse discurso, assumiu o país um grupo que não só está destruindo a economia e a política, mas está corroendo as estruturas que sustentam a própria democracia.

O Brasil, é necessário repetir à exaustão, voltou para o mapa da fome do qual havia saído em 2012. Essa não é uma afirmação retórica; é um fato da vida real. Hoje, 20 milhões de brasileiros estão passando fome e 116 milhões vivem em insegurança alimentar, não sabem se vão conseguir comer ao final do dia. O número de desempregados chega a 12,1% da população ativa, e a respeito do número de subempregados sequer existem dados confiáveis. É uma tragédia o que ocorre no país.

Paralelamente ao caos econômico, com o sucateamento das empresas brasileiras, assistimos atônitos ao desmanche da cultura, da educação, da saúde, das políticas sociais, do país, enfim. O exemplo do que foi feito na Fundação Palmares, para a qual foi escolhido para presidente um negro que tem ódio de ser negro, deve ser sempre ressaltado. Um governo clara e fortemente marcado por políticas contra as mulheres, a comunidade LGBTQIA+, os negros, os indígenas, os quilombolas… O Brasil deu um imenso passo para trás e levaremos muito tempo para voltarmos a um Estado civilizatório do qual possamos nos orgulhar. E isso, claro, se extirparmos do mundo político os Moros e Bolsonaros da vida.

Mas a reflexão que fica é; a instrumentalização do Poder Judiciário, do Ministério Público e a criminalização da política que nos legou esse caos foi orquestrada. Para sairmos desse momento trágico, é necessário fazermos um enfrentamento profundo. Não basta tirarmos pelo voto os responsáveis diretos por todo esse quadro.

Torna-se indispensável que as instituições deem respostas concretas aos desmandos criminosos. O Brasil merece ver uma investigação profunda dos inúmeros crimes cometidos para esse grupo chegar ao poder. Só assim conseguiremos pacificar o país e voltar a viver em um Estado que possa ser chamado de democrático.

Socorro-me na eterna Cecília Meirelles; “Eu não dei por essa mudança, tão simples, tão certa, tão fácil; em que espelho ficou perdida a minha face”.

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