“31 de março de 1964: é patriótico e necessário recordar esta data. Amigos, esta é uma data para lembrar e comemorar” (Ricardo Vélez Rodriguez, filósofo colombiano, ministro da Educação do novo governo).
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Dirão alguns de vocês que a pergunta do título não tem cabimento porque o capitão-deputado Jair Bolsonaro, de 63 anos, acabou de ser eleito, com mais de 57 milhões de votos, e agora não adianta reclamar.
Pois só agora, um mês após a a sua vitória, é que começamos a saber o que realmente pensa e quer no poder o capitão reformado pelo Exército aos 33 anos, político profissional do baixo clero há mais de três décadas, sobre quem pouco se conhecia, já que ele fugiu dos debates durante a campanha.
E os primeiros sinais, como mostra a epígrafe deste post, são muito preocupantes, assustadores até, sobre a capacidade que ele tem de governar um país de 208 milhões de habitantes, que vive uma profunda e prolongada crise, com 13 milhões de desempregados.
Não se trata agora de discutir se ele é de direita ou de extrema direita, se é mais político ou militar, mas de perguntar quais as condições concretas que ele apresenta para enfrentar os gravíssimos problemas nacionais.
Uma boa medida para encontrar a resposta é analisar o perfil dos 13 ministros por ele indicados até agora e a forma como isso se deu.
A começar, pelo que para mim é o mais importante, em qualquer governo: o da Educação, entregue a um completo desconhecido, que só foi apresentado a Bolsonaro depois de nomeado.
Quer dizer, nem o presidente sabia o que Vélez Rodriguez pensa em fazer com a Educação brasileira, área em que o único projeto do governo até agora é criar a Escola sem Partido, uma monstrengo pedagógico rejeitado pela quase unanimidade do meio acadêmico.
A homenagem que ele prestou ao dia em que comemora o golpe militar de 1964, publicada em seu blog, dá bem a ideia de quem se trata.
Para começar, ele não estava aqui para saber o que aconteceu, pois só veio para o Brasil nos anos 90, quando a ditadura já havia acabado.
Quem se interessou em conhecer um pouco o pensamento do ministro nomeado foi o brilhante jornalista Antonio Prata, que tratou do tema em sua coluna de domingo na Folha: “Tresloucada exposição de crenças _ A cartilha do futuro ministro da Educação não é só reacionária, é delirante”.
O mesmo se pode dizer do novo chanceler, o diplomata de segundo escalão Ernesto Araújo, que nunca chefiou uma embaixada brasileira no exterior, mas também já tem opinião formada sobre tudo e ameaça virar o Itamaraty de cabeça para baixo.
Em comum, os dois têm ódio aos “vermelhos” e querem impor a diplomatas e estudantes a cartilha do pensamento único da extrema direita cristã, como escreveu Prata:
“A função do MEC no governo Bolsonaro não será ensinar a ler, a escrever, a fazer contas, a compreender a origem da vida, das ideias e das instituições, mas lutar pelo desmonte de um inexistente complô esquerdista, cujo objetivo é destruir a família, a pátria, Deus.”
A pretexto de combater o “proselitismo dos vermelhos” nas escolas, Rodriguez que acabar com “uma doutrinação de índole cientificista” e “invenções deletérias como educação de gênero”.
A primeira providência do novo ministro poderia ser a contratação de um intérprete para as pessoas poderem entender suas teses, baseadas nos ensinamentos do “professor e amigo Olavo de Carvalho”, um maluquete que se tornou o guru da família Bolsonaro, e foi responsável pela sua nomeação.
Junto com o xerife Sergio Moro, Rodriguez e Araújo vão formar a linha de frente do núcleo fundamentalista do governo, encarregado de enfrentar a “ideologia vermelha”, “um problema maior do que a corrupção”, segundo o próprio Bolsonaro.
Esse núcleo fundamentalista vai se juntar ao militar (generais Mourão e Heleno), ao econômico (Paulo Guedes e seu Posto Ipiranga), político (o recém-casado Onyx Lorenzoni) e o familiar (os filhos parlamentares).
Esse é o coração do novo ministério que Bolsonaro criou aos trancos e barrancos, em seu estilo errático e imprevisível, na base da tentativa e erro, até acertar.
As decisões foram tomadas de forma peripatética, ao tomar suas decisões falando ao celular, em suas caminhadas entre um e outro palácio de Brasilia.
Sempre incomodado com as perguntas dos jornalistas, as decisões eram depois comunicadas pelo Twitter aos seus 2,5 milhões de seguidores.
Durante o chamado governo de transição, já foram 90 postagens feitas pela rede social para manter ativa a militância na internet, o seu grande trunfo durante a campanha.
Só que governo é um pouco diferente de campanha.
Se isso funcionou até agora para nomear ministros, há sérias duvidas de que possa usar o mesmo esquema na articulação política no Congresso, onde impera o clima de barata voa, sem se saber até agora como, quando e com quem o presidente eleito formará a sua base parlamentar.
Em defesa do presidente, seus aliados batem na tecla de que agora todo mundo tem que torcer a favor para o governo dar certo porque “estamos todos no mesmo barco”.
Sim, estamos no mesmo barco, mas não se trata só de torcida, já que nesse o Corinthians seria sempre campeão, nem de ser otimista ou pessimista.
Cabe-nos analisar os primeiros movimentos da nova ordem para saber o que nos espera.
E pelo que deu para ver até agora, a minha resposta ao título desta matéria só pode negativa.
Ah, mas ele nem assumiu ainda, argumentam os bolsonaristas.
É verdade, mas quando isso acontecer em janeiro poderá ser ainda pior, com a reformulação, fusão, criação e fechamento de ministérios, que promete produzir uma balbúrdia federal no funcionalismo da Esplanada.
O fato concreto é que Bolsonaro já criou tanta confusão nas relações internacionais e na dispensa dos cubanos do programa Mais Médicos, que temo pelo que pode vir depois.
Com a experiência de quem já participou de uma transição de governo, de FHC para Lula, sei como são difíceis os primeiros meses de adaptação em Brasília, para quem não tem nenhuma experiência de governo, como foi o meu caso.
Faltam, a partir deste domingo, apenas 36 dias para a posse.
Que Deus tenha piedade de nós.
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