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“Há que se perguntar aos arautos da “pátria mãe gentil” que aparecem nesses tempos sombrios: democracia para quem? Vida para quem? Liberdade para quem? Constituição para quem? Direitos ou privilégios?”, questiona o doutor em Ciências Sociais Robson Sávio Reis Souza

Não é a primeira vez que isso ocorre nos últimos meses. Basta ler os editoriais dos jornalões (dos barões da mídia), observar as análises econômicas de banqueiros e rentistas, acompanhar as manifestações de empresários (muitos de mentalidade escravocrata), verificar as manobras dúbias de coronéis da política e do judiciário para se levantar uma hipótese: parece que se costura, ou se tenta costurar, um grande acordão, com o Supremo com tudo, para — fazendo vistas grossas aos muitos absurdos, crimes, violência à democracia e suas instituições protagonizados por Bolsonaro — manter o bode malcheiroso na sala.

Para os segmentos elitistas da sociedade brasileira (e seus líderes) tudo pode ser relativizado, inclusive a civilidade, desde que o projeto neoliberal, conservador e excludente não seja ameaçado.

Discursos limpinhos e cheirosos, decantados em prosa e verso, sobre o “valor da democracia”, a “defesa da vida”, a “importância de se respeitar a Constituição” são como palavras ao vento para os tradicionais defensores de uma democracia de baixíssima intensidade, geradora de exclusão e garantidora de benesses. Tais slogans agradam a todos, gregos e troianos e interessam profundamente o 1% (os ricos) e os 30% da classe média (privilegiada) que, majoritariamente, desejam manter o Brasil na sua histórica posição entre os líderes mundiais de privilégios (para esses) e de desigualdade, violência e exclusão para os outros 70% da população. O que vale é uma democracia formal. Nunca, uma democracia real; substantiva.

Há que se perguntar aos arautos da “pátria mãe gentil” que aparecem nesses tempos sombrios: democracia para quem? Vida para quem? Liberdade para quem? Constituição para quem? Direitos ou privilégios?

Para os velhos e novos privilegiados do Brasil, que controlam “com lei e ordem”, ou “ordem e progresso” — para agradar os positivistas –, um modelo de sociedade estruturada na violência, no racismo, na segregação socio-econômica-étnico-espacial, subserviente aos interesses de fora (primeiro da Europa, depois dos Estados Unidos da América), o importante é que Bolsonaro “se comporte” para atender aos seus interesses. E não atrapalhe Guedes e sua tropa neoliberal e rentista — prepostos dos verdadeiros donos do poder.

Não interessa ao grupo do 1% e dos privilegiados:

– Se milhares de brasileiros, a maioria pobre e preta, morrerá na pandemia vítimas da incúria do governo central e sua tropa negacionista;

– Se populações indígenas estão sendo, mais uma vez, vítimas de genocídio — com as vistas grossas desse mesmo governo;

– Se o povo é tratado como massa de manobra para atender aos interesses mais escusos das máfias e milícias incrustradas nos poderes econômico e político (e também religioso), com a complacência do governo;

– Se o estado está sendo militarizado para agradar os velhos intentos corporativos dos pretorianos das elites;

– Se no plano internacional o país se torna um pária, ignorado e gradativamente excluído, simbólica e objetivamente, no concerto das nações;

– Se o que resta do nossa soberania e meio-ambiente são negociados com quem der mais, de portas abertas para a boiada passar;

– Se o moralismo religioso (dos sepulcros caiados, obscurantistas e fundamentalistas) se impõe como política pública, estuprando o estado laico;

– Se o sistema de justiça continua um dos mais seletivos, elitistas e vingativos do planeta;

– Se o desmonte do Estado — com a dilapidação de suas riquezas e patrimônio e a destruição das políticas públicas e sociais — levará o país a bancarrota em pouco tempo…

Interessa para esses grupos de privilegiados a defesa de um modelo de sociedade que mantenha os lugares sociais historicamente pré-determinados (dos pobres, pretos, vulneráveis; enfim, dos descartáveis). E que a apropriação dos bens públicos, a expropriação das riquezas nacionais e a exploração do trabalho continuem monopólios garantidos às famílias dos coronéis de sempre.

O discurso de defesa da democracia e da Constituição, entre outros, muitas vezes é usado como um artigo de perfumaria, manobrado estrategicamente por esses privilegiados quando percebem que seus interesses estão ameaçados.

Mais uma vez, parece se construir um pacto entre elites, inclusive com alguns dos burocratizados setores das esquerdas. Um acordão que vira as costas para o povo, a soberania nacional, a possibilidade de construção de um país onde caibam todas e todos, mantendo-se um governo claramente neofascista.

Se não é possível disfarçar o malcheiroso bode que esses setores colocaram na sala, nem com colossal quantidade de perfume importado, parece que se pactuará para que o bode continue, desde que não estrague os planos dos capitães do mato de sempre.

Amém!

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