A economia é uma engrenagem complexa, similar a um jogo do xadrez, no qual a mudança de uma peça mexe com o equilíbrio das demais.
O pensamento monofásico-ideológico da equipe econômica, somado ao atraso visceral do governo Temer, montou uma legislação para atender aos reclamos imediatos dos empresários com os custos trabalhistas. Não cuidou de nenhuma análise das consequências. Como resultado, coloca em xeque todo um complexo sistema de arrecadação e financiamento, sem colocar nada no lugar.
Entenda os desdobramentos da legislação trabalhista.
Consequência 1 – aumento da instabilidade social
Marcelo Nery, especialista em políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estimou que a ampliação do emprego com carteira de trabalho foi mais importante que o Bolsa Família na ascensão social da classe D.
De fato, a carteira de trabalho traz estabilidade ao trabalhador, abre espaço para o crédito, insere-o nas redes de proteção social. E, na outra ponta, aumenta a arrecadação pública.
A partir de agora, haverá enorme retrocesso promovido pela crise econômica somada ao fim das restrições ao trabalho precário, visível na redução do salário médio da economia e, à médio prazo, da massa salarial.
A grande fonte de financiamento da Previdência são as contribuições descontadas em folha, das empresas e dos empregadores.
Havia enormes distorções a serem corrigidas. Por exemplo, o sistema financeiro tem menos encargos que, por exemplo, a indústria têxtil, intensiva em mão de obra. Para reduzir os encargos sobre a folha, a alternativa pensada sempre foi a substituição por contribuições sobre o faturamento.
A reforma na legislação trabalhista compromete radicalmente o financiamento da Previdência pelo desconto em folha, só possível no emprego formal, sem ter colocado nada no lugar.
Agora, se terá de um lado a redução gradativa do emprego formal reduzindo drasticamente a arrecadação; de outro, o aumento de dificuldades para a obtenção dos benefícios previdenciários, induzindo os mais jovens a buscarem outras formas de garantia do futuro.
Alertamos na época que significaria a inviabilização final da Previdência pública, com consequências drásticas. Os efeitos estão aparecendo muito mais rapidamente do que o previsto.
Consequência 3 – inviabilização do orçamento público
Na definição das fontes de receita do orçamento público, bastava o gestor olhar o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para ter estimativas precisas sobre o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Com a pejotização e a precarização do emprego, perderá a maior ferramenta de arrecadação existente. A queda na arrecadação do INSS já está se manifestando, mesmo com a economia saindo do buraco profundo em que se meteu.
Os impostos recolhidos na fonte – sobre folha salarial + Previdência – correspondem a 45% da arrecadação fiscal brasileira, sem contar o FGTS, e tinham na legislação trabalhista sua grande garantia de estabilidade. Está se jogando fora uma peça fundamental do sistema de arrecadação.
A diminuição da arrecadação previdenciária, por outro lado, inviabiliza completamente a maluquice do teto de gastos aprovado no ano passado. O próximo presidente assumirá com um orçamento totalmente inviabilizado.
Consequência 4 – o comprometimento do financiamento do saneamento
Havia uma previsão de destinação de R$ 330 bilhões dos recursos do FGTS nos próximos quatro anos, para programas de saneamento e habitação popular. Água tratada é serviço autossuficiente, bancado pelas tarifas. Saneamento, tratamento de esgoto, depende fundamentalmente de fontes públicas de financiamento. Com a nova legislação trabalhista, o FGTS, esvazia-se a principal fonte de financiamento do setor.