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A única vantagem de viver muitos anos é que você tem como comparar épocas. Não comparar um ano ao outro, mas uma época a outra. Fora isso, só tem desvantagens. Não recomendo a ninguém envelhecer. Pelo menos não muito rapidamente.

Daí que de vez em quando eu vejo o que está acontecendo hoje e me transporto ao passado remoto. Passado de 20 anos, para mim, é como se fosse ontem. Passado, mesmo, é de 40 anos para mais.

E então eu me deparo com o noticiário sobre as decisões da juíza Carolina Lebbos, que é no momento a carcereira de Lula e me lembro do que aconteceu nos anos da ditadura.

Eu era repórter da “Isto É”, a primeira revista que deu Lula na capa. Não sei quantas vezes eu, sempre acompanhado dos fotógrafos João Bittar e Hélio Campos Mello, falei com ele, tomei cachaça com ele, corri da polícia durante as passeatas, ouvi seus discursos no estádio da Vila Euclides.

Mas daí prenderam o Lula: 19 de abril de 1980. Ele comandou a maior greve da história do país no lugar que mais produzia carro, que era, na época, o que foi o café no século 19. Os generais queriam a cabeça daquele agitador barbudo de qualquer maneira.

Agitador ia preso no DOPS. E Lula foi, com mais outros, agitadores como ele. Aconteciam coisas horrorosas naquele lugar, que se chamava Departamento de Ordem Política e Social, mas onde predominava a desordem. É bem verdade que, naqueles tempos pós-anistia a tortura não vigorava mais. Mas ainda era ditadura, no ano seguinte se daria o episódio da bomba do Riocentro, ninguém sabia se o regime ia endurecer mais ou ia abrir.

Não tinha refresco pra “subversivo” – nome de “petista” naqueles dias – mas Lula foi mais bem tratado do que hoje na cadeia.

Começa pelo carcereiro. Quem cuidou de Lula, na prisão, foi o chefe do DOPS, não um funcionário qualquer. O chefe. Romeu Tuma. E não precisava, porque Lula era só um líder sindical.

Agora que é ex-presidente, quem deveria ser seu carcereiro era o chefe da Polícia Federal.

Tuma era durão, é claro, senão não seria chefe do DOPS, mas isso não o impedia de ser legal com Lula, quando podia. De vez em quando mandava trazer um jantar especial, de um restaurante próximo. Um dos pratos foi servido com uma ponta de ironia: Lula à provençal.

Quanto às visitas, vejam que diferença: Tuma mandava trazer Marisa e filhos de carro, todos os dias, para visitarem Lula, porque moravam em São Bernardo, muito longe do DOPS.

No dia em que a mãe de Lula morreu Tuma o liberou para acompanhar o enterro, rapidinho, sem burocracia, sem perguntar a superiores se podia.

Em 31 dias, alguns depois de a greve terminar, o perigoso barbudo foi posto na rua e carregado nos ombros pelos metalúrgicos. A greve tinha durado 41 dias. E deu um imenso impulso ao PT, que foi fundado a 10 de fevereiro daquele ano.

Não quero dizer com isso que ditadura é melhor que democracia.

Quero dizer que o Brasil era melhor.

Mesmo com ditadura.

ALEX SOLNIK

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais “Porque não deu certo”, “O Cofre do Adhemar”, “A guerra do apagão” e “O domador de sonhos”