Na Assembleia Nacional de Angola, presidente lembra líder quilombola e diz que crime foi cometido por quem quer “calar os vulneráveis”. Afirma, ainda, que o Brasil luta contra o “nefasto legado da escravidão”
Presidente (no telão) lembrou da ialorixá na sessão solene. “Mulheres como ela inspiram as políticas de promoção da igualdade racial” – (crédito: Ricardo Stuckert/PR)
postado em 26/08/2023 03:55
Por Marina Dantas*
Ao discursar na Assembleia Nacional de Angola, em Luanda, ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homenageou a líder quilombola Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, assassinada a tiros em 17 no Quilombo Pitanga dos Palmares, no município de Simões Filho (BA). Segundo ele, a ialorixá “foi vítima da intolerância dos que querem calar os mais vulneráveis”.
“Aproveito esta sessão solene para prestar minha homenagem à grande Bernadete Pacífico, líder quilombola que atuou corajosamente pela defesa de sua comunidade na Bahia. Bernadete foi vítima da intolerância dos que querem calar os mais vulneráveis. O exemplo de mulheres como ela inspirou as atuais políticas de promoção da igualdade racial e de gênero, que são centrais no meu governo”, frisou Lula.
O presidente lembrou o período da escravidão e os resquícios que até hoje existem na sociedade brasileira. “Essa chaga em nossa história vitimou milhões de africanos e deixou ao país um nefasto legado de desigualdade social e de preconceito. Combater esse legado é objetivo primordial do meu governo”, garantiu.
Para a militância negra, o assassinato de Mãe Bernadete significa o recrudescimento de uma política permanente de intimidação, sobretudo contra os quilombolas e as entidades que cobram a aplicação de direitos previstos na Constituição. “Não é uma situação recente. A gente sabe que, nos últimos 10 anos, foram assassinados 30 lideranças quilombolas. Infelizmente, isso não é novidade para nós. Lutamos contra a violência do Estado desde que esse país começou a ser estruturado”, afirmou ao Correio Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça e integrante da Coordenação Operativa e do Grupo de Trabalho Jurídico da Coalizão Negra por Direitos.
Segundo Maria Sylvia, há um acirramento global do racismo por causa da ascensão da extrema direita, que fomentando o preconceito, a discriminação e a xenofobia. “O que nós temos de possibilidade é lutar. Meu entendimento sobre a política pública de segurança do Estado para a população negra é o extermínio”, acusa.
Para Maria Sylvia, esta situação terá alguma perspectiva de melhoria quando houver a reformulação daquilo que o Estado brasileiro entende como segurança pública. “O que a gente mais cobra é a desmilitarização das nossas polícias, mas tem muitas outras coisas envolvidas. Como a modificação da forma de atuação dos agentes públicos em relação à população negra”, salienta.
Maria Sylvia considera que o assassinato de Mãe Bernadete, assim como o da vereadora carioca Marielle Franco, tem que ser esclarecido a fim de que a impunidade não estimule crimes de igual gravidade. “Vamos atuar para que a memória e o legado dela não sejam esquecidos”, observou.
Ameaça constante
Segundo o Instituto de Referência Negra Peregum, os quilombolas são permanentemente ameaçados, o que aumenta a necessidade de acelerar a titulação das terras dessas comunidades.
Dados do 2° Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, que utiliza como fonte de pesquisa os relatórios do Disque 100 — número disponibilizado pelo governo federal que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos — contabilizou 966 casos de intolerância religiosa em 2021; 353, em 2020; e 477, em 2019. As notificações de ataques às religiões de matriz africana chegaram a 244 episódios em 2021.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi Correio Braziliense
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