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Um novo governo Lula aponta no horizonte como uma das previsões mais elementares da cena política brasileira. Aliás, é bom que se diga: o mercado das previsões andou em baixa como todos os outros mercados no Brasil. Esta coluna navega contra a corrente porque segue a piracema dos fatos empíricos e faz o cotejo dos dados concretos estatísticos com suas curvas recentes e históricas.

Há vários tipos de negação da realidade em curso no Brasil. A mais evidente e comovente é a da imprensa tradicional, que ainda lida com suas fobias e preconceitos como quem entra no décimo ano de análise lacaniana e insiste em resistir ao tratamento quase que como um sintoma dobrado de sua própria condição subjetiva ‘interrompida’.

O jornalismo brasileiro segue em estágio avançado de negação e só consegue prever o passado. Eles levam a sério os pitorescos debates televisivos entre candidatos à presidência e acreditam que o horário eleitoral gratuito vai ser ‘decisivo’ no cenário das intenções de voto.

É uma situação crítica: viver no passado e negar a realidade. A imprensa brasileira, finalmente, terá o seu devido castigo depois de décadas fazendo o serviço sujo para as elites.

Terá de sofrer uma readaptação furiosa se quiser sobreviver a partir de 2019, a começar pela interação concreta com os leitores, olimpicamente desprezados por ela desde sempre – a imprensa tradicional trata o leitor como um idiota que precisa de tutela.

Há outro segmento, no entanto, que também adotou a negação da realidade como atenuante para múltiplas dores oriundas do ferimento democrático – que, afinal, causa traumas. Uma parte dos próprios eleitores de Lula e do PT teme mais um golpe do judiciário e acusa dificuldade em começar a pensar no que será o próximo governo Lula-Haddad-Manuela.

Essa negação da realidade não é canalha e covarde como a da imprensa, mas tem um fundo irracional. Aos que temem uma nova rodada de violências jurídicas contra a democracia, advirto: a cena mudou depois da determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre Lula.

Óbvio que haverá tentativas de truncamento eleitoral, mas sem a força desvairada e histérica de um Sérgio Moro que, aliás, agoniza em seu próprio momento ‘Ofélia’, defensivo, disléxico e delirante.

O golpe, caros leitores, não tem mais condições de violentar a democracia. Não há por que subestimá-lo, mas também não há por que superestimá-lo. A fragilidade da confraria do horror é evidente. Dar um golpe com a opinião pública dividida – como no caso do impeachment sem crime – é uma coisa. Dar um golpe com 100% da população contra é outra.

Colocando em pratos limpos o argumento: o próximo governo brasileiro será o governo Lula e é preciso começar a pensar em como ele será organizado e como será o comportamento dos segmentos progressistas na condução da leitura social do governo e das pressões que certamente virão.

A chance é muito especial. Estamos diante de uma onda vermelha irresistível, como nunca antes na história deste país. O senado aponta para uma configuração progressista inédita: Dilma, Suplicy, Lindberg, Wagner, Paim são apenas alguns nomes eloquentes que despontam neste momento. Há muitos outros.

A miséria eleitoral do PSDB e do dos golpistas abre o maior flanco estratégico que a esquerda já assistiu. Em suma: o plano dos facínoras da elite deu muito errado.

Nós estamos diante de um fenômeno ainda muito maior que o mais otimista dos ativistas de esquerda poderia imaginar.

Pensem cá comigo: quem imaginaria – há um ano atrás – que Lula estaria tão forte hoje? Quem imaginaria que Dilma seria tão favorita a um cargo no legislativo? Que o PSDB estaria arrasado? Que os adversários de Lula estariam tão fragilizados? Que a imprensa estaria tão emparedada?

A despeito da tentação incontornável de dizer ‘ninguém’, sinto-me obrigado a dizer: esta coluna previu. Está tudo lavrado e registrado desde dezembro de 2017.

A rigor, era mesmo delicado defender esse prognóstico em meados de 2017. O ceticismo foi amplo, geral e irrestrito. Mas, advirto que era apenas uma questão de análise técnica, não de aposta passional: as curvas estatísticas de opinião naquele momento já apontavam para este cenário.

A fiança, no entanto, para este quadro tão favorável à esquerda vinha, no meu caso, da leitura discursiva, da codificação da linguagem e dos tons dessa linguagem que iam se precipitando por sobre a mesa da democracia.

O vazio semântico de um Alckmin, a contumaz cifra oportunista de Marina Silva, a truculência verbal de Ciro Gomes, a destituição generalizada de carisma de Henrique Meirelles, a covardia estampada na face prepotente de Joaquim Barbosa, o subletramento de Luciano Huck e a coleção de besteiras grotescas alinhavadas na dicção de Bolsonaro me davam a certeza: todos cairiam nos seus devidos tempos.

O último a resistir é Bolsonaro. Pois lhes digo do alto da minha paciência perdida: ele vai cair. Como eu sei? Ele próprio confessou essa queda quando se negou ir a debates, para em seguida voltar atrás – sintoma claro de pressões internas. Não só: Bolsonaro percebeu que seu patamar de intenção de voto é completamente artificial. Não tem voto consolidado ali. É só anti-petismo.

Destaque-se que ele também tentou proibir judicialmente o jornal Folha de S. Paulo de veicular notícias sobre sua ex-funcionária fantasma. A rigor, Bolsonaro sente a pressão, porque ele é o último bastião do golpe que ainda não ruiu por completo. Só falta ele.

Esse cenário tão positivo à esquerda, embora fosse previsível com alguma metodologia técnica e de posse de alguma leitura minimamente consistente dos eventos subsequentes ao golpe, não foi sequer aventado pelo próprio Lula, o mais entusiasmado dos agentes políticos do país.

Aliás, o próprio PT manifestava muita resistência em acreditar que o quadro eleitoral lhe seria tão favorável neste momento presente da campanha. Havia muita apreensão no ar.

De sorte que há de se fazer agora uma nova rodada de leituras com base nesta anterior vitoriosa que se impôs à revelia dos ceticismos e apreensões de praxe.

Devo dizer que estamos na iminência de assistir uma movimentação pró-esquerda muito maior e mais intensa ainda do que estas que já são favas contadas. O processo vai se intensificar.

O que significa isso? Teremos, em breve, apenas uma candidatura no cenário das eleições à presidência. As outras estarão no seu lugar real de origem e destino que é o lugar no dígito simples.

Essas candidaturas não se impuseram desta vez como manifestação da diversidade democrática, até porque não estamos vivendo propriamente um momento democrático – senão pelo fato de termos eleições justamente para corrigir esse disfuncionalidade estrutural – e golpista – da nossa soberania.

O que institutos de pesquisa e analistas não entenderam ainda, com todo o respeito, é que essa não é uma eleição qualquer. Tanto o comportamento do eleitor como o comportamento dos candidatos não pode ser comparado de maneira ‘tranquila’ com comportamentos do passado recente.

Ambos sofreram um considerável deslocamento no próprio conceito e isso é suficiente para que se mude todos os parâmetros de análise e de prognóstico.

Há uma clara ambivalência, portanto, nesta eleição que toma ares de ‘restauradora’: é civilização versus barbárie, mas é também politização versus despolitização.

Negações de realidade à parte, temos nessas eleições também a negação da política (que é Bolsonaro, brancos e nulos) versus a afirmação da política (que é Lula).

Esse é um quadro técnico que não está sendo considerado pelos institutos de pesquisa, à exceção do Vox Populi, que tem uma metodologia muito mais consistente que os demais, justamente porque tenta fazer a leitura das ‘camadas’ de comportamento que vão se acumulando sobre as ‘camadas’ clássicas, dos períodos democráticos consolidados na literatura técnica do campo.

De sorte que é importante estarmos preparados para mais um salto neste avanço inédito da esquerda sobre os segmentos conservadores da sociedade brasileira.

Há, no horizonte, um congresso progressista e um conjunto de governadores igualmente democrático e de viés restaurador. O eleitor brasileiro pode ser dócil, civilizado e carinhoso com seus algozes de sempre, mas ele não é tolo.

A cena presente é de um indiscutível 3 a 0 para a democracia contra o golpe. Mas esse só é o primeiro tempo. Resta saber como se comportar no segundo tempo, com a torcida toda a favor: se vamos recuar para garantir o resultado ou se vamos partir para uma goleada histórica.

Eu sou daqueles que acha que a postura deve ser completamente destituída de piedade. Jogo é jogo. O negócio é ir para cima e fazer 6 a 0 – isso, inclusive, é ‘respeitar’ o adversário.

Destaque-se mais um dado: muitos candidatos do golpe que estão liderando em seus estados podem estar prestes a se autoconsumirem. Por quê? Porque eles representam o golpe – o que é uma leitura quase lógica.

Tome-se o exemplo de Anastasia em Minas Gerais. Ele lidera com 29% (Pimentel tem 20%). Alguém acha que um nome tão ligado a Aécio tem viabilidade eleitoral? Tão logo comece a campanha, ele derrete, com todo respeito aos céticos de plantão.

Mais: o PT é bom de campanha e vai desconstruir a imagem de Anastasia em uma semana de rádio e TV, na influência transversal que esta plataforma ainda pode produzir.

Concluo, fazendo mais uma advertência final: não há otimismo algum nesta breve reflexão. Há sentido de responsabilidade. Porque uma vez vencida esta etapa (da eleição da democracia que se traduz em Lula), o desafio só estará começando.

Reconstruir o país ‘tijolo por tijolo um desenho mágico’ não será apenas responsabilidade de um novo governo Lula, empossando em catarse democrática em janeiro de 2019.

A responsabilidade será de todos nós.

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