Nós queremos reduzir o número de acidentes de trânsito. O que a gente pode fazer? Uma decisão ousada. Eu conversei com o ministro Tarcísio, da Infraestrutura, estava na mesa dele, por coincidência, pedidos para oito mil e poucos novos pardais, novas lombadas eletrônicas, e eu falei pra ele ‘Ô Tarcísio, engaveta esse trem aí’. (…) Não tem novos pardais em estradas federais. Teve uma pressão depois de alguns pequenos grupos: ‘Ai, em local de risco…’ Não, não tem local de risco. Ninguém é otário, tem uma curva na frente, uma ribanceira e o cara entrar a 80, 90, 100 por hora. Não é otário, não faz isso aí. Não precisa ter um pardal pra multar o cara lá.
Poderia ser um personagem do Choque de Cultura, o genial programa de humor em que quatro motoristas de van falam sobre cinema, mas é o presidente da República.
Bolsonaro foi modesto ao definir sua decisão como ousada. “Inacreditavelmente inconsequente” cairia melhor.
Mas sejamos justos. Bolsonaro choca pela tosquice – em vez de estudos técnicos, um surreal “ninguém é otário” dá a diretriz da política pública para a segurança no trânsito -, mas difere de, por exemplo, um João Doria apenas no grau de sutileza.
Doria foi eleito para comandar a prefeitura de São Paulo, em 2016, surfando na onda da promessa de aumentar os limites de velocidade nas marginais. Não deu uma de tio do churrasco como o presidente, mas também não apresentou estudo nenhum que sustentasse sua proposta.
Há outro político com quem Bolsonaro vem se assemelhando nos atos e diferindo apenas nas sutilezas. Fernando Collor, acossado pelo impeachment em 1992, chamou a população para defendê-lo usando verde e amarelo em um domingo, 16 de agosto. A população resolveu usar preto e o resto da história você conhece.
Reparem neste interessante trecho do chamamento de Collor: “Estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria. Na minha gente, no meu povo, nos pés descalços, nos descamisados, naqueles por quem fui eleito e para quem estarei governando”.
Hoje em dia, Collor seria provavelmente taxado de comunista com um discurso desses. A direita desnudou-se e agora dispensa a hipocrisia. Bolsonaro disse, alguns dias atrás, que tem pena dos desempregados brasileiros.
Pois o impeachment do ex-capitão nem bem começou a ser ventilado pela direita “limpinha” e já foram convocadas manifestações em defesa do presidente, para amanhã, 26 de maio. Mais um domingo decisivo em nossa errática história política.
Bolsonaro divulgou um texto que incita os manifestantes, mas após a saraivada de críticas decidiu não comparecer aos atos. O poder retórico de Collor é incomparavelmente maior do que o de Bolsonaro – o que não é nenhum grande feito -, mas o atual presidente parece agir de forma um pouco mais estratégica frente ao cerco que se arma contra o governo. Mas só um pouco.
As manifestações deste domingo tendem a ser esmagadoramente menores do que as do último 15 de maio, quando as ruas foram tomadas por manifestantes contrários ao governo. Como está bem estabelecida a ideia de que os atos serão um retrato do tamanho da base de apoio real de Bolsonaro – com o desfalque considerável do seu exército de robôs -, é provável uma nova rodada de fustigamentos da imprensa tradicional após os atos. A comparação com as manifestações em defesa da educação será cruel para o governo.
Ou seja, os atos de apoio a Bolsonaro devem ajudar os que se movimentam para derrubá-lo. Estão mais uma vez de parabéns os fãs do “mito”.
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