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Membro do movimento Favela Não Se Cala e ex-presidente da Associação dos Moradores da Babilônia, André Constantine falou ao programa Luta e Verdade, na TV 247, sobre o cotidiano nas comunidades do Rio de Janeiro, uma “cidade dividida”, como definiu, e defendeu ser necessário desconstruir a imagem romântica das favelas. Ele também criticou o pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e classificou o governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, como “fascista”.

Para o líder comunitário, parte dos intelectuais da academia e da esquerda política romantiza a vida nas favelas. “Tem uma parte intelectual da academia e umas partes também intelectuais no campo da esquerda que romantizam e glamourizam muito a favela. Eu não romantizo morar aqui, eu sei porque eu estou aqui, eu sei como meus ancestrais foram lançados aqui. Nós fizemos um debate aqui, ‘das senzalas para as favelas’, eu sei porque a favela é um território negro, isso tem um conteúdo histórico que tem que ser falado”.

“Aqui na Babilônia tem três cemitérios clandestinos com mais de 400 corpos enterrados, como eu vou romantizar morar em um território em que minha filha não tenha a oportunidade de se desenvolver intelectualmente por causa dos confrontos? Ela perde, praticamente, o ano letivo por causa dessa política de guerra às drogas baseada nesses confrontos. Uma coisa que é importante desconstruir é essa romantização que existe por parte dos intelectuais e dos acadêmicos aqui no Brasil. Favela não é um bom lugar para morar, isso aqui é um campo de extermínio do povo negro, e aqui o Estado exerce dois tipo de violência: a violência através da ponta do fuzil do capitão do mato, que antes vinha a cavalo e hoje vem de camburão, e a violência simbólica que é a falta de saneamento básico, de moradia digna, creche, escola. Queria reiterar a importância dessa minha fala para que nós possamos parar de romantizar e glamourizar morar nesse território, eu sei muito bem porque eu estou preso aqui e eu sei muito bem como meus ancestrais chegaram até aqui, eles não chegaram aqui de forma opcional, eles foram lançados aqui”, complementou.

Constantine também lembrou o surgimento das favelas e a origem da destinação do povo negro para essas comunidades. “Em 13 de dezembro de 1850 foi criada a lei de terras que mesmo o negro tendo o poder aquisitivo de adquirir uma terra ele não podia adquirir, e quando eu falo de terra eu falo de poder, por isso que a disputa no campo é tão ferrenha e tão violenta. Sei muito bem nas mãos de quem estão as terras no Brasil, sei muito bem, o negro não tem terra, isso perdura até hoje, estou falando de uma lei criada pelo Estado brasileiro em 1850, por que perdura até hoje? Porque todos os moradores de favelas são amparados pela lei de usucapião que protege a benfeitoria, nós não temos terra, nós não temos a titularização de terra. É importante entender como nossos ancestrais foram lançados nesses territórios denominados e classificados como favela”.

O Rio de Janeiro, disse ele, está dividido e é necessário acabar com certas narrativas que fortalecem tal divisão. “Uma luta principal nossa é discutir: favela é cidade? Vamos pensar em pontos que nós possamos dialogar com as áreas formais da cidade, eu sempre dialogo com a classe média que vive aqui no bairro do Leme, principalmente desconstruindo certas narrativas que fomentam essa cidade partida, temos que derrubar esse muro invisível que divide essa cidade. Entre esses discursos e narrativas tem uma que é primordial que é favela e asfalto: ‘André, eu moro na favela da Babilônia’, não, você mora na parte alta do bairro do Leme”.

Ele ainda complementou dizendo que o Estado trabalha para fomentar este modelo de cidade partida. “Desconstruir algumas narrativas é importante, e algumas políticas públicas que foram fomentadas que o cidadão pobre aqui do Rio de Janeiro que mora nas áreas de subúrbio não entendeu, vou dar um exemplo: os piscinões. O piscinão foi uma forma de segregação. não sou contra o piscinão desde que você disponibilize transporte público, principalmente aos finais de semana, nos quais esses transportes são cortados em mais da metade para impossibilitar que o povo suburbano chegue às praias da zona sul. Nós temos que entender como o Estado pensa e como ele trabalha para fomentar essa cidade partida”.

Para André Constantine, o pacote anticrime de Moro dá carta branca para a polícia matar e isso acelerará as mortes nas favelas. “É perigosíssimo porque ele vai corroborar e acelerar as mortes dentro dos territórios de favela, não tenham dúvidas disso. Nós já temos uma lei que são os autos de resistência, aí você vai pegar todas as mortes que foram consideradas pela instituição Polícia Militar como autos de resistência e os tiros são na nuca e nas costas, não sei que resistência é essa. Na verdade os autos de resistência é dar uma carta branca para a Polícia Militar matar, mas matar em determinados territórios da cidade e do Estado do Rio de Janeiro. Outra coisa que a gente tem que acabar é com esse discurso que a polícia é despreparada, ela não é despreparada coisa nenhuma porque se ela for despreparada o despreparo dela é seletivo. Eu não vejo a instituição Polícia Militar confundindo um guarda-chuva com fuzil, como foi confundido aqui no Chapéu Mangueira, em outras áreas nobres e formais da cidade, não vejo ela confundir uma furadeira com uma pistola, como ela confundiu na Favela dos Prazeres, em outras áreas formais e nobres da cidade. É tudo uma questão de cor e de CEP, essa é a realidade. É criminoso esse pacote que o juiz Sérgio Moro, esse fascista, está querendo implementar no Brasil”.

O membro do movimento Favela Não Se Cala ainda disse que não se surpreendeu com a eleição do governador Witzel em 2018, apesar de o então candidato nem figurar nos primeiros lugares nas pesquisas de intenção de voto, e fez uma crítica à esquerda. “O pacote anticrime do Moro só vai corroborar com as ideias loucas desse governador fascista que foi eleito por dois campos que são muito fortes, o campo das igrejas neopentecostais e o campo das milícias. Não me surpreendeu em nada a eleição do Witzel, foram esses dois campos que elegeram esse fascista. Aí eu faço uma crítica à nossa esquerda, aos nossos partidos: nós precisamos voltar para as bases, para esses territórios, a esquerda deixou esse território vago e quando você deixa um espaço vago ele é preenchido e já foi preenchido, principalmente, pelas igrejas neopentecostais”.

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