O que pode ter em comum um barão escocês nascido no Brasil,
judeu, que já foi detentor de passaporte moçambicano, com uma
extensa ficha criminal na África, negócios em Israel, processos de
vários tipos em três continentes, e o Presidente da República
Federativa do Brasil?
Barão Camilo Agasim-Pereira de Fulwood e Dirleton. Com este
nome se apresenta o tio de Filipe G. Martins, assessor especial da
Presidência da República para Assuntos Internacionais. O
soi-disant Barão – que tem circulado com muita destreza pelos
corredores do Palácio do Planalto, cujas portas lhe foram abertas
por seu sobrinho – tem uma biografia própria, muito digna de série
da Netflix.
Nascido Camilo Pereira, filho de Elio Martins Pereira e Maria Vieira
Pereira, na cidade de Goiânia, tem origens muito distantes de sua
“baronia” em Dumfries, Escócia. De origem obviamente cristã, não
tem, em qualquer lugar de sua árvore genealógica, uma ancestral
judia materna e imediata – mãe, avó materna, etc. – o que lhe
desqualificaria a proclamar-se judeu. Isso não lhe impediu, é claro,
de adotar a fé judaica, proclamando-se sefardita (judeu de origem
portuguesa ou espanhola) de inteira origem. Como não se poderia
proclamar judeu sem que rabinos atestassem sua conversão à
religião, Camilo providenciou um julgamento por uma corte rabínica
inexistente – uma tal Beit Abravanel. Pesquisando mais a fundo
sobre o dono do domínio dessa corte rabínica fraudulenta, formada
por rabinos imaginários, com alguma dificuldade descobre-se que
esta está registrada em nome do TOV Group Inc, uma empresa de
mídia inativa sediada em Hallandale, Milton, Flórida. O telefone do
Beit Abravanel, a corte rabínica, também está registrado em nome
do mesmo TOV Group Inc., Corporation. E quem seriam os donos
dessa empresa? De acordo com os registros, os donos dessa
companhia são os autoproclamados Barão e Baronesa de
Fulwood, e sua filha Sarah seria uma das agentes.
Deste modo, com uma sentença inventada por uma corte de
mentirinha em uma página de internet, Camilo tornou-se judeu de
uma hora para outra.
Curioso, aliás, é que Filipe G. Martins também se proclame como
membro da diáspora judaica. Em não menos de uma ocasião
proclamou-se, em sua conta do Twitter, como judeu (embora
cristão, também), ou de origem judaica, sobretudo para
defender-se de acusações de antissemitismo. É curioso, sobretudo,
porque o judaísmo de sua família – noves-fora o sobrenome
“Pereira”, como muitos outros com nomes de árvores, ser um nome
historicamente reconhecido como cristão-novo – é fantasioso. Terá
sido o mesmo método de conversão?
Dado a processar jornalistas que investigaram sua vida, Camilo
Pereira – melhor chamá-lo por seu nome de batismo – deixou, em
sede de tribunal, luzes valiosas sobre sua penumbrosa biografia.
No processo Baron Camilo Agasim-Pereira of Fulwood v. Jonnic
Media Investiments Ltd. and Others , do qual foi parte autora contra
o jornal Sunday Times, da África do Sul, e seu editor Michael
Schmidt, encontram-se alguns dados reais da sua biografia,
concedidos como verdade por ele mesmo, por meio de seus
advogados, contra exceção da verdade interposta pela parte ré. A
matéria do Sunday Times apresentava Camilo Pereira como
alguém que adotou tardiamente a fé judaica – uma das razões da
ação por difamação. Camilo e seus advogados concederam
inteiramente como verdade o fato de que não havia nascido este
como judeu, mesmo.
Não sobram muitos traços da reportagem do Sunday Times na
internet, para além de um julgado da Corte Superior da África do
Sul. A sentença do juiz Chetty, com menções às intervenções dos
advogados de Camilo Pereira, revela um pouco da sua vida
pregressa. Antes conhecido meramente pelo seu sobrenome –
Pereira, e não Pereira-Agassim – o tio de Filipe G. Martins passou
a apresentar-se, e exigir ser chamado, por Barão de Fulwood, título
falso de nobreza, do qual trataremos mais adiante. Excêntrico,
apresentava-se sempre nas sinagogas ortodoxas da África do Sul
vestido em um kilt, para horror da comunidade judaica local –
sempre orgulhosamente demonstrando as origens escocesas que
não tinha.
Nesse meio tempo, adquiriu – não se sabe como ao certo – uma
acreditação como cônsul honorário de Moçambique em Miami.
Deste modo, adquiriu um passaporte diplomático da lusófona
república africana, de que fez uso durante sua fuga da África do
Sul.
Em certo momento, Camilo Pereira foi acusado por fraude e furto
de equipamentos no valor de 94.000 rands (cerca de R$ 25.000,00)
pela empresa de tecnologia Cyberhost, para quem trabalhava
como executivo. Suas duas contas bancárias foram congeladas. E
a avalanche de acusações (verdadeiras, como anuídas por seus
advogados diante da justiça sul-africana) continuou: foi acusado de
tráfico internacional de armas, injúria, e de distribuir – pasme! –
falsas imagens pornográficas e explícitas, montadas mesmo, de
seu rival de negócios fazendo sexo com suas filhas. Durante sua
fuga espetacular da África do Sul para Moçambique, com a ajuda
de um guarda-costas senegalês (que foi preso), hospedou-se em
três hotéis de luxo diferentes durante três dias, até que foi
capturado pela Interpol no Hotel Polana. Dali, foi deportado de volta
para a África do Sul e preso na cidade de Port Elizabeth.
Quando deportado de Moçambique, conforme atesta o jornal
Moçambique On-line em sua reportagem “Barão burlão e cônsul
honorário de Moçambique…”, Camilo foi declarado persona non
grata pelo governo e perdeu suas credenciais consulares.
A firma que o defendeu em seu processo criminal o processou,
posteriormente, por não pagar os honorários. Camilo Pereira fugiu,
mais uma vez, da África do Sul, deixando seus advogados em
prejuízo. Para não comparecer ao julgamento pelas suas dívidas
em honorários naquele país, apresentou em juízo um atestado
médico onde alegava sofrer de depressão e ansiedade. O atestado
foi assinado por um ginecologista, Dioni José Correa, conforme
ficou mais uma vez atestado em juízo. Depois, arranjou um
atestado em que alegava sofrer de aneurisma, assinado por outro
médico, mas que foi desmentido como insuficiente pelos juízes do
caso.
Esse processo não foi o único. Camilo Pereira foi processado na
corte de Dumfries, na Escócia, por não pagar impostos municipais.
Na cidade, que seria a sede de sua baronia feudal, estabeleceu um
fundo – o Barony of Fulwood Trust – que construiria um museu
com obras de Rembrandt e um centro equestre com capacidade de
cinco mil pessoas. Nem o centro equestre, nem tampouco o
museu, saíram do papel. O fundo, certamente, foi usado para
outros fins.
Vários pedidos de falência de seus negócios malfadados foram
protocolados em tribunais ao redor do mundo. Na Flórida e na
Escócia somam-se pedidos registrados em nome de Camilo
Agasim-Pereira, Baron Camilo of Fulwood, ou Camilo
Agasim-Pereira of Fulwood and Dirleton. Ali mesmo, nos Estados
Unidos, foi acusado e processado por cometer um esquema de
fraude, conforme a United States Securities and Exchange
Comission, órgão federal americano equivalente à Comissão de
Valores Mobiliários, no Brasil. Em sua real terra natal, também, não
poderia ser diferente: é réu e litigado em diversos processos
trabalhistas e cíveis, sobretudo por dívidas, e também deixou um
rastro de negócios falidos – sobretudo na região Centro-Oeste,
onde aparentemente reside.
Apesar de todas as acusações por crimes diversos, falências e
dívidas deixadas para trás, cometeu (ou, melhor dizendo, publicou)
um livro chamado Success – The Baron’s Guide to Success (em
tradução livre, “Sucesso: o guia d’O Barão para o Sucesso”).
Sucesso em quê, exatamente, não fica entendido. Talvez, o único
sucesso que Camilo Pereira tenha tido, até agora, seja o de
evadir-se sem pagar contas ou em acumular processos cíveis e
criminais ao redor do mundo.
Repentinamente transformado em lobista político, desde a
ascensão de seu sobrinho à posição de eminência parda do
Presidente da República, apresenta-se como um empresário de
lastro internacional com negócios em segurança, tecnologia e
armas. Para isso, transformou a sua empresa Artem Produções e
Arte Ltda., com sede em Brasília, na mais pomposa Aleph Beth
Empresa Brasileira de Defesa em Segurança Ltda., com nome
fantasia de Aleph Beth Security and Deffense Office. Seus últimos
negócios, todavia, não foram nesse ramo: criou, na Flórida, a
Pereira Shavery, uma empresa de produtos para barbear. Vários
vídeos anunciando seus produtos de barbear foram postos em sua
conta do YouTube. Essa conta em seu nome – Baron Camilo
Agasim-Pereira of Fulwood, que parece ser seu nome legal no
Brasil, conforme os processos em que consta como réu – foi
utilizada, por último, para postar vídeos relativos à Safra Brasil,
outro de seus negócios.
Foi anunciando a Safra Brasil e a Boi Brasil que Camilo Pereira
conseguiu apresentar-se no Pavilhão Brasil da feira agropecuária
israelense Israfood. Sua presença no Pavilhão Brasil foi
credenciada pelo Ministério da Agricultura em missão comercial
internacional. Uma chancela estranha, aliás, para um empresário
do ramo de produtos para barbear – que, talvez, tenha mais a ver
com seu sobrinho do que com o porte dos negócios de seu tio.
Neste ponto é que começam a aparecer os vínculos, também, com
o Presidente da República. Camilo Pereira criou a CINE-Brasil –
Câmara das Inovações e Negócios Estrangeiros – em evento
marcado pela presença de Jair Bolsonaro, figura com quem
apareceu em mais de uma ocasião. Nesse evento, apresentou ao
Presidente da República algumas empresas de tecnologia –
algumas delas, bastante incipientes, como a Weel, empresa de
inteligência artificial cujo executivo-chefe é seu filho, Elio Pereira.
Desde então, como denunciou O Antagonista, veículo de imprensa
um tanto próximo do Palácio do Planalto, Camilo Pereira passou a
frequentar os gabinetes dos Ministros de Estado com relativa
tranquilidade. Ofereceu, em mais de uma oportunidade, negócios a
instituições públicas federais, sempre relacionados à sua nova área
de atuação comercial. Desta vez, diferentemente do que fez em
Portugal – onde o fato de se dizer judeu sem o ser valeu
oportunidades de negócio referentes à memória da diáspora
judaica em Portugal junto a governos municipais – tem se valido de
laços reais de sangue para transitar junto à administração pública.
Se Camilo não é um empresário de sucesso, não é judeu, ao
menos lhe restaria a nobreza, correto? Não, não é bem por aí.
Existe, em sites de venda de títulos falsos, à farta, a prática de
anunciar baronias feudais escocesas e lordships of the manor
inglesas. Esses títulos não são e nunca foram considerados como
parte da nobreza britânica (ou, antes, inglesa e escocesa).
Meramente, atestam, conforme o arcaísmo da lei feudal ainda
vigente, que o dono de um pedaço de terra é o senhor do lugar:
seria como se João das Couves amanhã se proclamasse Senhor
do Sítio das Couves. Não confere ao sujeito o direito de chamar-se
por “lorde”, nem a qualquer outra prerrogativa. Nessa toada,
pedaços de terra completamente inúteis para a agricultura ou
habitação – às vezes, centímetros cúbicos de terra – eram
vendidos a preços altíssimos, junto com o título feudal de barão,
que não é de nobreza. (Os nobres escoceses cujos títulos estão
abaixo do de visconde são chamados por Lordes do Parlamento,
ou simplesmente por Lordes).
Ainda assim, como propriedades inerentes ao direito à terra na
Escócia, esses títulos podiam ser livremente vendidos e
registrados, sem que conferisse qualquer nobreza ao seu detentor.
Assim, Camilo Pereira comprou, em seu benefício, a baronia
escocesa feudal de Fulwood – que não lhe transforma, em hipótese
nenhuma, em nobre britânico – junto com um pedaço de rocha, no
estreito de Forth, que posteriormente vendeu ao paranormal
israelense Uri Geller, famoso por entortar garfos em programas de
televisão da década de 1980. Para seu filho Elio, ainda, comprou
uma lordship of the manor – título que não confere ao sujeito a
prerrogativa de “lorde”, conforme atestado pelas leis inglesas, mas
tão somente a propriedade de um pedaço de terra – e deu-lhe de
presente. Elio, aliás, foi promovido como um nobre nobre britânico
em reportagem escrita por um brasileiro, Sérgio Carmona (Camilo
Pereira, ao afirmar-se como nobre britânico, ou aos seus filhos
como membros da nobreza britânica, poderia ser processado pela
representação daquele país no Brasil – o que provavelmente ainda
não ocorreu por conta da relativa irrelevância do cidadão até aqui.
Pretendendo conferir a si uma aura de nobilitação, fez registrar
junto ao Escritório Público de Heráldica da África do Sul – uma
república! – seu brasão de armas e de sua família, como se isso
realmente lhe conferisse uma nobreza especial. Por fim, mudou
seu nome na África do Sul, de forma que passasse a se chamar
legalmente Baron Camilo Agasim-Pereira of Fulwood – coisa que
não condiz realmente com a nobreza britânica, que preserva seus
nomes civis, adicionando apenas seu título de nobreza ao fim do
nome (como no caso de Nigel Kim Darroch, Barão Darroch de Kew,
ex-embaixador britânico nos Estados Unidos, cujo nome consta
nos documentos legais ora como Nigel Kim Darroch, Baron
Darroch of Kew, ou só Lord Darroch of Kew).
Essa busca constante por autocongratulação, também, revela-se
em muitos eventos divulgados por Camilo Pereira em suas redes
sociais. Associou-se ao senhor Galdino Cocchiaro (ou melhor
dizendo, Comendador Dom Galdino Cocchiaro), que se apresenta
como Presidente da Sociedade Brasileira de Heráldica e
Medalhística Ecológica, Humanística Cultural, Beneficiente e
Educacional, para distribuir medalhas sem lastro. Cocchiaro, que
lançou diversas ordens e comendas não-oficiais, anunciando em
seu site sempre alguns figurões – como Marcos Pontes, Ministro da
Ciência e Tecnologia, ministros de Tribunais, oficiais-generais das
Forças Armadas, socialites, etc. – como membro de suas
confrarias de ostentadores de medalhas, transformou Camilo
Pereira em chanceler de uma dessas ordens de mentirinha: a
“Ordem” do Mérito Cívico e Cultural. Camilo, na sequência, para
promover os seus negócios, condecorou o embaixador israelense
no Brasil, Yossi Avraham Shelley, com a comenda falsa. Seria
estranho que um embaixador tenha sido enganado, acreditando se
tratar de uma ordem oficial, verdadeira, com chancela da
República. Contudo, quem estava presente o evento e participou
do momento de imposição da falsa condecoração foi o próprio
Presidente da República, Jair Bolsonaro, o que conferiu cariz de
oficialidade a um negócio privado.
Um falso nobre, falso judeu, processado por múltiplas fraudes,
acusações de tráfico internacional de armas, divulgação de
pornografia falsa, praticando lobby na Esplanada dos Ministérios,
tendo as portas abertas por seu sobrinho, parece uma história
surreal até mesmo para o Brasil. Mas, foi exatamente neste ponto a
que chegamos. Embora pareça uma história saída das páginas de
Lima Barreto – muito similar a “O homem que sabia javanês”, onde
um cidadão finge que sabe a língua de Java para conseguir
sobreviver, e transforma-se inesperadamente em coqueluche da
corte e até chega à diplomacia brasileira – é a mais pura verdade.
Com, é claro, um tempero a mais de rastros de crimes deixados
nos quatro cantos do mundo.
Com agradecimentos a @_dani_erra, Márcio Wilhelm e Bruno C.
Campestrini pelas informações levantadas.
Lucas Baqueiro
Bacharelando em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia.
Licenciando em Ciências Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul.
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