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Nesse domingo, 24-01, Brasil registrou 213.180 óbitos e 8.655.512 casos de Covid-19, segundo o consórcio de veículos de imprensa.

No futuro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seu ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, terão de responder por crime contra a humanidade.

Mas não são os únicos que aparecerão com o filme queimado na história do País.

Observados pelas lentes do passar dos anos, muitos sairão, no mínimo, chamuscados pelo que fizeram (ou o que não fizeram) para combater o novo coronavírus desde o início da pandemia, em 2020.

26 de fevereiro. Confirmado no Brasil o primeiro caso de Covid-19. Ocorreu em São Paulo.

23 de abril. O Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza o uso de cloroquina e hidroxicloroquina na Covid-19, apesar de já na época as evidências científicas mostrarem que não traziam benefício no tratamento e na prevenção da Covid-19.

20 de maio. O Ministério da Saúde divulga protocolo para “tratamento medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da covid-19” com cloroquina e hidroxicloroquina no Sistema Único de Saúde (SUS), “considerando que recentemente o Conselho Federal de Medicina autorizou”.

25 de maio. O Ministério da Saúde amplia o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina a pacientes com sintomas leves e no ambiente domiciliar. Até então, eram prescritos apenas para doentes graves, monitorados em hospitais.

Na ocasião, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde da pasta, a médica Mayra Pinheiro, enfatiza:

Estamos muito tranquilos e serenos em relação à nossa orientação.

Ela segue orientação feita pelo Conselho Federal de Medicina que dá autonomia para que os médicos possam prescrever essa medicação para os pacientes que assim desejarem.

Atualmente, a lista dos remédios recomendados pelo Ministério da Saúde para “tratamento precoce”, o “Kit Covid-19”, vai além da hidroxicloroquina e da cloroquina.

Fazem parte também a ivermectina, a azitromicina, a dexametasona, a doxiciclina e o sulfato de zinco, todos medicamentos sem eficácia científica comprovada contra o novo coronavírus.

O resultado da combinação da autorização do CFM (hidroxicloroquina e cloroquina) e recomendação do Ministério da Saúde (kit Covid-19 completo) é catastrófico.


Paralela à pandemia pelo novo coronavírus, temos uma epidemia de desinformação.

Defensores desses remédios ineficazes propagam febrilmente nas redes sociais o uso deles contra o novo coronavírus.

Assim como espalham mentiras contra medidas de controle reconhecidas cientificamente, como o distanciamento social, o uso de máscara, álcool gel e lavagem de mãos e, mais recentemente, a vacina.

Ou seja, fake news criminosas.

Por desconhecimento, razões ideológicas ou má-fé, elas não são exclusividade da população leiga em medicina.

Há médicos fazendo isso descaradamente por todo o Brasil.

Paradoxalmente, os conselhos regionais de Medicina (CRMs) e o Federal de Medicina (CFM) estão mudos, contribuindo para o alastramento de informações falsas, distorcidas, sobre a Covid-19.

Tanto que, na terça-feira da semana passada, 12-01, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) foi apanhado de surpresa por uma carta aberta de todos os ex-presidentes vivos da entidade.

Nela, 14 signatários conclamam o Cremesp a se manifestar, pública e enfaticamente, a favor da ciência médica e da vacinação.

Num trecho da carta (na íntegra, ao final), eles afirmam (os negritos são nossos):

É obrigação dos Conselhos Regionais de Medicina, prevista em lei federal, defender a saúde da população e o exercício ético da profissão.

Entretanto, não vemos qualquer pronunciamento do CREMESP sobre medidas legais e administrativas, respeitado o rito processual, a serem tomadas em relação à disseminação de notícias falsas por médicos durante a pandemia.

CREMESP sequer se posicionou a favor das evidências científicas, como preconiza o Código de Ética Médica.

Desde então, a iniciativa inusitada tem gerado desdobramentos

Em 14 de janeiro, cinco ex-presidentes do CFM e 14 ex-conselheiros federais divulgaram uma carta aberta (na íntegra, ao final) ao órgão máximo da categoria.

Ela é contundente. O início, duríssimo (os negritos são nossos):

Mas onde está o Conselho Federal de Medicina (CFM)?

Onde está a entidade máxima da categoria médica no Brasil?

Até agora sabemos o endereço, mas não sabemos a sua posição frente a essa tragédia sanitária e humana que assola o Mundo e em especial o nosso País.

Nós médicos e médicas olhamos em sua direção e não vemos nada.

Só o silêncio. Parece que tudo está em paz.

Paz essa que sequer existe hoje nos cemitérios nacionais, onde reina absoluto o choro distante de mais de 200.000 famílias enlutadas.

Em 15 de janeiro, todos os ex-presidentes do Conselho Regional de Medicina do Rio Janeiro (Cremerj) dos últimos 30 anos se manifestaram também em carta aberta ao órgão (na íntegra, ao final)

Na mesma data, médicos mineiros engrossaram o coro com nota pública ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) e ao CFM (na íntegra, ao final).

Uma iniciativa do Núcleo Minas da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD).

Em 19 de janeiro, Médicos e Médicas pela Democracia da Bahia fizeram o mesmo em relação ao Cremeb.

Neste domingo, 24-01, foi a vez da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD) e da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP) publicarem carta aberta ao Conselho Federal de Medicina.

Título: Sobre a conivência do CFM em relação ao “tratamento precoce” contra a Covid-19 (na íntegra, ao final)

“Diante da eloquente omissão do CFM e dos conselhos regionais, nós médicos, com nossa responsabilidade social, queremos que os nossos órgãos representativos tenham posição clara em relação às medidas de saúde pública nessa pandemia”, afirma Gabriel Oselka em entrevista exclusiva ao Blog da Saúde.

Médico pediatra, com doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias, Oselka é um dos subscritores das cartas ao Cremesp e ao CFM. Ele presidiu-os, respectivamente, de 1979 a 1984 e de 1984 a 1987.

“Até as vacinas fazerem efeito, vai demorar. E as coisas estão se agravando rapidamente. Tudo indica vamos ter um grande aumento no número de casos por um bom tempo”, argumenta.

“Pedir aos conselhos que comecem a tomar uma posição baseada nas evidências científicas, a se manifestar à sociedade de forma mais ativa, é o mínimo a gente poderia fazer”, justifica.

Oselka é professor aposentado do Departamento de Pediatria da Faculdade da USP.

Durante quase 30 anos, foi assessor do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde.

Atualmente é  membro da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e presidente da Comissão de Ética da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Também integra a Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas de São Paulo, da qual foi o primeiro presidente.

Segue a íntegra da nossa entrevista.

Blog da Saúde – Há razões ideológicas para essa postura dos conselhos regionais e do CFM?

Gabriel Oselka – Eu prefiro não entrar no terreno das suposições, passíveis de interpretação. Prefiro me ater à discussão do cumprimento do Código de Ética Médica e do papel dos conselhos de medicina em relação aos médicos e à sociedade.

E, aí, o que posso dizer é o seguinte: os trabalhos científicos consistentes publicados em revistas de credibilidade apontam para algumas medidas básicas para enfrentamento da Covid-19: distanciamento social, uso de máscara e medidas de higiene pessoal (álcool gel e lavar as mãos, frequentemente)

Essas condutas, vale dizer, são recomendadas pelos organismos internacionais responsáveis pela saúde de países da Europa Estados Unidos.

Com base neles e no que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já disse, ressalto ainda: o “tratamento precoce” com base em um montão de drogas, como temos visto por aqui, não tem qualquer tipo de comprovação científica e algumas delas podem produzir efeitos colaterais importantes.

Nos causa espanto os conselhos não terem uma posição pública, clara, sobre essas medidas e condutas, especialmente em se tratando de uma pandemia.

É o que cobramos. Afinal, o Conselho Federal de Medicina e os conselhos regionais são órgãos de defesa não apenas dos médicos, mas da sociedade em geral.

Blog da Saúde – Pelo Código de Ética Médica, é vedado divulgar tratamento não reconhecido cientificamente por órgão competente. Porém, desde o início da pandemia, há médicos divulgando informações falsas sobre remédios, o uso de máscaras, distanciamento social e, agora, as vacinas. Tudo nas redes sociais, na cara, dos conselhos de medicina. O que significa isso?

Gabriel Oselka – Pois essa é uma das razões das nossas cartas.

Aos conselhos, federal e regionais, cabe fiscalizar as condutas dos médicos e eventualmente puni-los por infração ao Código de Ética.

É um papel que todos os conselhos, pela legislação brasileira, têm o dever de cumprir.

Mas, o que temos visto é uma postura, no mínimo, muito tímida diante da catástrofe desta pandemia.

Blog da Saúde – Eu perguntei ao Cremesp e ao CFM o que tinham a dizer a respeito da carta aberta dos senhores. Na resposta (na íntegra, ao final), ambos se defendem, dizendo que fizeram várias ações no combate à pandemia.

Gabriel Oselka – Cadê o Conselho Federal de Medicina se manifestando em defesa das medidas aceitas por todo o mundo, como isolamento social, máscara, lavar as mãos e álcool gel?

Cadê a posição do CFM e dos conselhos regionais se colocando claramente contra os médicos que têm tido posições prejudiciais à sociedade, falam contra essas medidas?

Cadê o CFM e os conselhos regionais se manifestando contra os remédios que não têm  tem eficácia comprovada no tratamento e na prevenção da Covid-19?

Cadê o Cremesp falando a favor das evidências científicas, como preconiza o Código de Ética Médica?

Esse é um dos silêncios que não aceitamos e cobramos.

A única vez que eu vi o CFM se manifestar a respeito desses remédios foi no início da pandemia, no sentido de valorizá-los.

Blog da Saúde – Em 23 de abril de 2020, o CFM autorizou a cloroquina e a hidroxicloroquina na covid-19. Na ocasião, o presidente do CFM disse que não se tratava de uma recomendação da entidade, mas de uma autorização. Como é possível esta mágica?

Gabriel Oselka – É melhor você perguntar a ele, talvez ele te dê alguma explicação.

Mas indo ao cerne da questão. Aquela medida do CFM me pareceu inadequada. Era o começo da pandemia e ainda havia alguma controvérsia em relação a esses medicamentos.

O pior foi depois. À medida que foi ficando mais e mais claro que esses remédios não tinham qualquer valor no tratamento da Covid-19, não houve nenhuma manifestação do Conselho Federal de Medicina em relação a isso.

Blog da Saúde – Até hoje o CFM não reviu a posição.

Gabriel Oselka – Omissão flagrante. Falta aos conselhos Federal e regionais dizerem claramente aos médicos e à sociedade em geral o que funciona e o que não funciona à luz das evidências científicas.

Blog da Saúde — A propósito, é atribuição do CFM autorizar o uso de uma droga?

Gabriel Oseka — Não. Autorização de uso de uma nova droga é prerrogativa da Anvisa.

Blog da Saúde – O que os senhores querem dizer com as cartas?

Gabriel Oselka – Apenas o seguinte: Nós médicos, com a nossa responsabilidade social, queremos que nossos órgãos representativos tenham uma posição clara em relação às medidas de saúde pública nessa pandemia.

Pedir aos conselhos que tomem uma posição clara, pública, é o mínimo que a gente poderia fazer.

As coisas estão se agravando rapidamente. Até as vacinas fazerem efeito, vai demorar. Tudo indica que vamos ter um grande aumento no número de casos por um bom tempo.

É vital, portanto, que os conselhos comecem a se manifestar mais ativamente.

Blog da Saúde – Foi difícil construir essas cartas?

Gabriel Oselka – Não.

Blog da Saúde – Como foi o processo?

Gabriel Oselka – A iniciativa foi de um dos nossos ex-presidentes.

Em horas, consultamos os que estão vivos e todos concordaram em assinar sem nenhuma hesitação.  Foi a coisa mais notável desse processo.

Assim que saiu a carta do Conselho Regional de São Paulo, nós achamos importante encaminhá-la a outros médicos, entre os quais alguns ex-companheiros de CFM.

Foram eles que tomaram a iniciativa de fazer a carta ao CFM.

Blog da Saúde – A iniciativa da carta ao CFM foi tua?

Gabriel Oselka – Pode parecer, mas não foi minha, não.

O meu nome aparece em primeiro lugar apenas porque o grupo decidiu que o critério de apresentação seria a antiguidade.

A iniciativa foi de outros ex-presidentes do Conselho Federal de Medicina, que rapidamente se mobilizaram. No dia seguinte, estava pronta.

Na realidade, era necessidade que estava no ar. Tanto que entre a proposta e as cartas saírem foi tudo muito rápido. Talvez tenha sido até tarde…

 Blog da Saúde – Por que não agiram antes?

Gabriel Oselka — Eu nem sei te responder isso direito.

Só sei que a gente sentiu que era nossa responsabilidade tomar esse tipo de iniciativa.

Mal sabíamos que no dia seguinte à carta ao Cremesp iria explodir a calamitosa e criminosa crise da falta de oxigênio nos hospitais de Manaus.

Com as cartas, o nosso objetivo é falar com os médicos. Mas nós queremos também que a mensagem delas chegue à sociedade.

Blog da Saúde – Na carta a Cremesp, é dito que “a autonomia do médico não é ilimitada”. Porém, autonomia plena foi o argumento do presidente do CFM para autorizar cloroquina e da hidroxicloroquina. É também o que alegam os defensores desses remédios para o coronavírus. Os médicos têm autonomia absoluta para as prescrições?

Gabriel Oselka — Autonomia de prescrição do médico não é absoluta. Ela vai até um limite. Eventualmente, eu posso prescrever um remédio para uma dada situação que não é exatamente uma que consta na bula. É o que chamamos de  off label. A própria Anvisa autoriza. Mas, para isso, tem que haver alguma consistência científica.

O próprio Código de Ética Médica subordina a autonomia profissional a procedimentos cientificamente reconhecidos.

Blog da Saúde – Até onde vai a autonomia do médico?

Gabriel Oselka — A autonomia termina onde existe uma justificativa científica para o médico não adotar determinado medicamento.

Se a autonomia do médico fosse absoluta, não existiria a má prática. Ele poderia errar à vontade e dizer “eu fiz, pronto”.

No caso em questão, o Conselho Federal de Medicina omite que o conhecimento científico aponta no sentido oposto ao que autorizou: não existe indicação para uso da cloroquina e hidroxicloroquina na Covid-19 e esses remédios podem ser prejudiciais.

Blog da Saúde – A intenção é que os conselhos punam esses médicos?

Gabriel Oselka – Não se trata disso. O que esperamos é que os conselhos digam francamente para a sociedade que o peso da evidência científica é no sentido de não usar esses remédios para Covid-19. Os conselhos têm que agir.

Blog da Saúde – Mas há médicos dizendo, por exemplo, que as vacinas contra Covid-19 entram no código genético da pessoa, mudando o seu DNA. O presidente da República chegou a dizer que elas teriam um chip e poderia transformar as pessoas em jacaré…

Gabriel Oselka – Primeiro, é mentira. Segundo, é uma forma de desencorajar as pessoas a adotarem medidas adequadas, podendo causar mais doenças àquela pessoa e para as demais.

Essa é uma das fake news criminosas que circulam nas redes sociais.

Outra: dizer que o distanciamento social é uma grande bobagem, exagero das autoridades.

A meu ver, o médico que divulga isso deveria ser alvo de processo pelo Conselho Federal de Medicina, claro com todos os direitos de defesa garantidos.

Blog da Saúde – Por quê?

Gabriel Oselka –A divulgação de informações falsas é um crime contra a saúde pública, pois leva cidadãos a se infectar, adoecer e transmitir o vírus.

Ou seja, coloca em risco parte dos que as leem, ouvem ou assistem.

Por isso, os conselhos deveriam vir a público e condenar essas fake news criminosas.

A sociedade precisa ter clareza de que uma medida foi tomada contra esta ou aquela informação falsa.

A autonomia plena do médico, portanto, não me parece adequada. Ela tem que ser limitada em defesa dos pacientes e da sociedade.

Pela legislação brasileira, quem deve colocar esse limite são os conselhos de medicina. Mas isso, me parece, os conselhos não estão fazendo.

Blog da Saúde – Ao divulgar informações falsas, esses médicos estão contribuindo para o agravamento da pandemia?

 Gabriel Oselka – Decididamente, sim. Não sei em maior ou menor proporção. Vai depender do poder de penetração de cada um.

Blog da Saúde – Na carta, os senhores pedem ao CFM: enfatizar a adoção contínua de distanciamento social, medidas de higiene pessoal e uso de máscaras; orientar os médicos brasileiros a evitar o uso de condutas terapêuticas sem respaldo científico e a disseminação de informações falsas sobre Covid-19.

Ao serem omissos, o CFM e o conselhos regionais estão deixando de cumprir o Código de Ética Médica nessa pandemia?

Gabriel Osleka – – É obrigação do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Medicina, prevista em lei federal, defender a saúde da população e o exercício ético da profissão.

O que nós queremos – e vale tanto para o Federal quanto para os regionais – é que médicos respeitem as condutas preconizadas, tudo de acordo tudo de acordo com o que o Código de Ética Médica exige.

O momento é crucial: sem a total adesão dos médicos, da população e das autoridades dificilmente iremos conter a pandemia.

Blog da Saúde – Mas o senhor não respondeu. Ao serem omissos, o CFM e o conselhos regionais estão deixando de cumprir o Código de Ética Médica nessa pandemia?

Gabriel Oselka – Deixo para você mesma responder. Seguramente, tem condições plenas de fazê-lo.

Blog da Saúde — Responderei então, diretamente, aos leitores do Viomundo (Veja PS).

PS de Conceição Lemes: Infelizmente, a resposta é sim. Em mais de 30 anos fazendo jornalismo na área de Saúde/Medicina nunca imaginei testemunhar essa tamanha omissão dos conselhos de medicina em nível nacional.

Parece que se esqueceram que têm por obrigação legal defender a saúde da população e o exercício ético da profissão.

POSIÇÃO DO CREMESP E DO CFM

Perguntamos ao Cremesp e ao CFM, via assessoria de imprensa, o que tinham a dizer sobre a carta aberta dos seus ex-presidentes.

Abaixo, a íntegra da nota pelo Cremesp. Em seguida, a do CFM, também na íntegra

CARTAS AOS CONSELHOS DE MEDICINA

Abaixo, as cartas e notas aos conselhos regionais e Federal de Medicina.  Estão em ordem cronológica de envio.

Médicos Mineiros à Sociedade, ao CRMMG e ao CFM by Conceição Lemes on Scribd

 CARTA ABERTA AOS MÉDICOS E MÉDICAS BAIANOS SOBRE A PANDEMIA DO CORONAVIRUS E O POSICIONAMENTO DO CREMEB

Médicos e Médicas pela Democracia da Bahia

Em 10 de março de 2016, nós do movimento Médicos e Médicas pela Democracia, denunciamos, em Carta Aberta assinada por 270 profissionais, manifestamos nosso sentimento de estranheza diante do fato de a diretoria do Conselho Regional de Medicina da Bahia estar convocando participação de seus membros em manifestações políticas que visavam o impeachment da Presidente eleita.

Desde então, deteriorou-se sensivelmente a situação política, econômica e sanitária do país. O impeachment (na verdade, um golpe jurídico-político-midiático) foi consumado e a Presidente Dilma foi substituída pelo vice, Michel Temer. Ainda no governo de Michel Temer, foi aprovada a PEC dos Gastos, que impôs forte restrição aos investimentos e ao custeio da saúde, desde então.

Com a eleição de Jair Bolsonaro, a situação agravou-se ainda mais, devido ao descompromisso do novo governo com as diretrizes do Estado Social estabelecidos na Constituição Cidadã de 1988.

A pandemia do coronavírus apenas aprofundou a crise, e o Brasil foi acumulando dados negativos, tornando-se, diante de todo o mundo, o país que a enfrentou da maneira mais inconsequente, destacando-se em número de casos e de mortes.

O presidente Bolsonaro, desde o início da pandemia, tratou com menosprezo a gravidade da situação e desdenhou de todas as medidas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde. Por inépcia e por deliberado descompromisso com a saúde, trabalhou contra o distanciamento social e o uso de máscara e higiene das mãos como estratégias de mitigação dos riscos da pandemia.

Pari passu, estabeleceu a falsa dicotomia entre “isolamento social X manutenção da atividade econômica” e “vacina X tratamento precoce”, mesmo sabendo-se que, mundialmente, as drogas indicadas para o referido “tratamento precoce” estavam descartadas com base em inúmeros estudos científicos.

Dentre as drogas que fazem parte do que convencionou-se chamar de “kit tratamento precoce” estão a cloroquina e hidroxicloroquina, adotadas sistematicamente em pronunciamentos do presidente da República. As drogas citadas, além de não apresentarem nenhuma ação no tratamento da COVID-19, apresentam inúmeros efeitos colaterais, sendo recomendada cautela em seu uso para tratamento das doenças em que são indicadas.

Ao invés de estimular a população a cumprir as medidas preconizadas pela OMS e trabalhar interna e externamente na busca pela vacina, o presidente agiu de forma irresponsável, criando um clima de insegurança e de caos, fazendo com que o Brasil totalize 10% das mortes do mundo, sendo que temos apenas 2% da população mundial.

Ficamos no final da fila da vacina, que somente foi aprovada recentemente, pela força do SUS, representado nesse episódio pela atuação do Instituto Butantan, da Fundação Oswaldo Cruz e da ANVISA, que agiu respeitando a ciência e se blindando contra interferências políticas indevidas.

Em que pese ter havido posicionamentos firmes das Sociedades de Especialidades, notadamente a Sociedade Brasileira de Infectologia (reforçados hoje por nota conjunta da Associação Médica Brasileira – AMB – e da Sociedade Brasileira de Infectologia – SBI) diante da insistência do governo em falsos tratamentos, os Conselhos Federal e Estaduais de Medicina omitiram-se até a presente data e continuam omitindo-se em se posicionar diante de condutas reprováveis de médicos e médicas pelo Brasil.

Passados quase seis anos, e sem obter nenhuma resposta do CREMEB, somos surpreendidos com a entrevista de Julio Braga, vice-presidente do CREMEB e Conselheiro Federal do CFM pelo Estado da Bahia ao site Bahia Noticias, em que ele fala sobre o não posicionamento do Conselho sobre a prescrição da cloroquina e outras drogas para tratamento da COVID-19 e “denuncia” a politização da discussão sobre o tema.

O primeiro equívoco é o que busca reduzir o papel do Conselho a punir ou não punir médico. A principal função dos Conselhos de Medicina é o de proteger a sociedade de práticas danosas à saúde da população. Punição ou não é consequência.

No debate sobre “tratamento precoce”, os Conselhos teriam a obrigação de agir preventivamente, alertando a sociedade de que as drogas que fazem parte do “kit tratamento precoce” não trazem nenhum benefício ao paciente e podem colocar sua saúde em risco.

Aos médicos, os Conselhos deveriam dizer que são condenáveis os atos médicos que estiverem em desacordo com a ciência e que comprometam a segurança do paciente.

Comparar o uso de medicamentos sabidamente nocivos ao uso de chás é, no mínimo, tergiversar sobre esse grave problema.

O segundo equívoco é colocar a autonomia do médico acima do que já está definido pela ciência e que, via de regra, deve nortear a boa pratica médica. A prescrição de medicamentos e outras terapêuticas não pode ficar subordinada a achismos e sua mera discussão entre o profissional e o paciente, devendo ser baseada em evidências cientificas disponíveis.

Tratando-se da cloroquina, o próprio médico francês Didier Raoult, mundialmente conhecido pela defesa da hidroxicloroquina para tratar a Covid-19, foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (SPILF), por promoção indevida do medicamento. Recentemente, assumiu que o medicamento não reduz o agravamento nem a mortalidade pela doença.

Equivoca-se também o Conselheiro quando diz que ainda existe no mundo a discussão sobre o uso das drogas do “kit tratamento precoce”.

Não há mais essa discussão em parte alguma do mundo. A própria ANVISA, agência governamental responsável pela área, enterrou essa discussão no Brasil, sendo esse um dos motivos para autorizar o uso emergencial das vacinas Coronavac e Oxford/AstraZeneca, no domingo próximo passado.

Por fim, o referido conselheiro afirma que o CREMEB não irá intervir se não ocorrerem “casos em que o profissional recomenda medicamentos visando lucro e enriquecimento pessoal, quando há interesse político, e quando prejudique a população, além dos casos de prescrição em massa.

Nesse aspecto, o CREMEB é, certamente, conhecedor de diversos casos de uso midiático da defesa do “kit tratamento precoce”, alguns compartilhados pelo presidente da República, de pacotes de medicamentos embalados em sacos plásticos, sob o falso discurso de “precisamos salvar vidas”. É pública e notória a utilização do tema com interesse politico, tendo sido fartamente noticiada pela imprensa.

Diante do exposto, nós, Médicos e Médicas pela Democracia, denunciamos que, mais uma vez, o nosso Conselho profissional abre mão do seu papel fiscalizador e orientador da categoria médica e se alinha ao negacionismo que compromete a boa prática médica e põe em risco a saúde da população.

Reafirmamos que o único caminho para vencermos a pandemia e retornarmos à normalidade é o do distanciamento social, o uso de máscaras e a higiene das mãos, aliados à vacinação em massa da nossa população.

Salvador, 19 de janeiro de 2021

Carta aberta ao CFM da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD)

Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP)

Sobre a conivência do CFM em relação ao “tratamento precoce” contra a Covid-19

Vivemos uma das maiores crises sanitárias da História, contabilizando milhões de mortes de Covid-19 em todo o mundo.

No Brasil, mais de 200 mil óbitos ocorreram desde março de 2020, observando-se recente crescimento da curva de mortalidade, reflexo do aumento do número de casos em consequência da falta de um adequado plano de enfrentamento à pandemia por parte do Governo Federal, havendo afrouxamento de medidas de distanciamento social e prevenção entre a população.

Desde o início da pandemia, diversas medicações vêm sendo testadas para prevenção da infecção pelo SARS-COV-2 e da evolução para formas graves. Vários estudos demonstraram de forma inequívoca que o tratamento precoce nos primeiros dias de sintomas não interfere no curso da Covid-19. Medicações como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, nitazoxanida, zinco, vitaminas, dióxido de cloro, ozônio são comprovadamente ineficazes, assim como corticóides e anticoagulantes, fármacos indicados apenas em fases avançadas da doença.

Apesar de todas as evidências contrárias, o Ministério da Saúde insiste em propagandear o “tratamento precoce”, tendo recentemente creditado a situação de caos do sistema de saúde do município de Manaus à não adesão a esta conduta. Ademais, é necessário trazer à responsabilidade da gestão dos serviços públicos de saúde brasileiros nos limites da lei. Ou seja, o fato de quem está conduzindo as políticas de saúde pública no Brasil ser um general da ativa sem quaisquer habilidades no mister do Ministério que ocupa.

Alguns médicos de todo o Brasil continuam defendendo e receitando diversos desses medicamentos, assim como Secretarias Municipais de Saúde e unidades hospitalares vem determinando a seus médicos e até a funcionários que “prescrevam” e distribuam o chamado “kit- Covid”. No entanto, destacam-se as posições das sociedades de especialidades médicas como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) que têm reiteradamente se posicionado contra a existência de tratamento precoce e medicação preventiva para Covid-19.

É também de se elogiar o semelhante posicionamento da nova gestão da Associação Médica Brasileira (AMB), a qual congrega as entidades de especialidades médicas no Brasil.

Nesse cenário, é inadmissível que o Conselho Federal de Medicina (CFM) credite aos médicos a escolha por usar, ou não, terapêutica claramente ineficaz ou até mesmo prejudicial em alguns casos. Esperar-se-ia da entidade, cuja função precípua é fiscalizar e normatizar a atuação médica e defender a sociedade, alinhamento com a Ciência e defesa da boa prática profissional, assim como com os princípios éticos fundamentais à categoria profissional:

“Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade” (CEM, Capitulo 1, Art. V)

“É vedado ao Médico praticar ou indicar atos médicos desnecessários […]” (CEM, Capitulo III, Art. 14o)

“É vedado ao Médico divulgar[…]processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente” (CEM, Capítulo XIII, Art 113o)

A direção do CFM, entretanto, optou por um discurso em defesa da autonomia médica, eximindo-se de responsabilidade. Um silêncio conivente que favorece a desinformação e compactua com aqueles que disseminam inverdades, colaborando para o afrouxamento das medidas de proteção, forma mais efetiva de controle da transmissão viral, com claros prejuízos individuais e coletivos.

“O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional” (CEM, Capítulo I, Art II)

“É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência” (CEM, Capítulo III, Art 1o)

Ademais, médicas e médicos que zelam pela boa prática profissional, baseando sua atuação nas evidências científicas e na orientação de organismos internacionais de saúde, sofrem pressões diárias por parte da população atendida que busca prescrição dos medicamentos propagandeados como tratamento precoce, assim como por parte de empregadores públicos e privados, aumentando a carga de tensão do, já extenuante, trabalho nas linhas de frente de atendimento dos sintomáticos respiratórios. É atribuição dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina zelar para que o exercício profissional ocorra livre de pressões de qualquer ordem e pela garantia da escolha, por médicas e médicos, dos meios cientificamente reconhecidos.

“Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para estabelecer o diagnóstico e executar o tratamento, salvo quando em benefício do paciente” (CEM. Capitulo 1, Art XVI)

“É vedado ao médico permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade” (CEM Capitulo III, Art. 20o)

“É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente” (CEM Capitulo III, Art. 32o)

Externamos através desta carta pública nossa indignação e perplexidade frente à posição do Conselho Federal de Medicina e Conselhos Regionais, dissonante de sociedades científicas e órgãos de saúde de todo o mundo.  Este chamamento vai no mesmo sentido de carta-manifesto anteriormente divulgada e entregue ao CFM por estas entidades em agosto de 2020, em “defesa de uma Medicina ética, responsável e baseada em evidências”, a qual recolheu mais de 2.000 assinaturas.

Não nos consideramos representados por um conselho profissional de discursos vagos e atitudes imprecisas, incapaz de se manifestar de forma imperativa contra a anticiência e o obscurantismo, omitindo-se do embate técnico e da cobrança política que a gravidade do momento exige. A sociedade espera daqueles que juraram cuidar de sua saúde ações imperativas na defesa da Ciência, da saúde pública e da vida.

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