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Embaixadores aposentados e professores advertem: estreitamento excessivo com EUA não trará resultados positivos automaticamente ao Brasil. Conexão Brasília-Washington ameaça isolar o país, sendo preterido até por tradicionais parceiros comerciais

A política de alinhamento do Palácio do Planalto com as posições do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem trazido preocupações a representantes da diplomacia e a especialistas. Eles alertam que o interesse nacional deve estar acima de questões ideológicas ou geopolíticas, nas discussões importantes para o desenvolvimento do país. Segundo essa visão, a disputa comercial entre os EUA e a China exerce uma forte pressão sobre decisões do Brasil em temas como a tecnologia 5G, a relação com as nações vizinhas, a aquisição de vacinas contra a covid-19 e outras questões.

Traço marcante do governo do presidente Jair Bolsonaro, o alinhamento com Washington tem levado o Brasil a corresponder aos interesses norte-americanos em diferentes arenas, seja nos organismos globais ou nas relações comerciais. Por outro lado, essa postura tem empurrado o país para uma situação de crescente isolamento internacional, de distanciamento de outras potências importantes, sobretudo europeias. Também tem provocado incômodos nas relações bilaterais com a China, principal destino das exportações brasileiras.

Em um dos casos mais evidentes, o Ministério das Comunicações, atendendo a pedido de Bolsonaro, segue na indefinição sobre a data da realização do aguardado leilão da tecnologia 5G, dominada pelos chineses. Da mesma forma que o Brasil, outros países sul-americanos também têm sido pressionados pelos EUA nesse sentido, já que o governo americano teme o avanço dos interesses de Pequim na região.

Disputa do 5G

Crítico da “ideologização da diplomacia” durante os governos do PT, Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Londres e em Washington, considera que esse viés persiste na administração Bolsonaro, porém na direção contrária. Na sua visão, o Brasil não deveria tomar partido da China nem dos EUA, mas abrir a licitação da 5G para todos os interessados em concorrer e buscar o resultado mais favorável. Ao defender “menos ideologia e geopolítica e mais interesse nacional”, ele afirma que essa tecnologia poderia ajudar o Brasil a sair da crise por meio da modernização da economia e das indústrias.

“Há muitos outros interesses envolvidos, não é só o do governo. É o interesse da sociedade, porque afeta a vida dos consumidores; afeta os custos do produto que vai ser adquirido pelas empresas brasileiras. Dessa forma, precisam ser ouvidos o Congresso e as empresas para saber quais são os interesses do conjunto”, afirmou Barbosa, hoje diretor-presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), em São Paulo.

Para o embaixador aposentado, o Brasil é um país muito grande para se submeter a interesses externos. “Todos os países têm interesses e o Brasil tem que examinar qualquer pedido feito por um outro país, qualquer que seja esse país, segundo o interesse nacional, acima de ideologias e acima de questões geopolíticas. O Brasil é uma das maiores economias do mundo, o relacionamento tem que estar subordinado ao interesse nacional. O Brasil seria uma exceção se não fizer”, cobrou.

Em uma outra questão envolvendo as ambições de Washington na região, o governo tem sido acusado, e não só por opositores, de estar a serviço dos interesses dos americanos na Venezuela, entre os quais uma possível invasão militar. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, divulgou nota, em 18 de setembro, condenando a visita do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, a Roraima, que faz fronteira com a Venezuela, às vésperas das eleições presidenciais americanas. Considerou que a visita “afronta as tradições de autonomia e altivez” das políticas externa e de defesa do Brasil.

Um grupo de ex-chanceleres brasileiros divulgou nota em apoio ao presidente da Câmara. Um dos signatários é Celso Amorim, à frente do Itamaraty de 2003 a 2010. “É um absurdo o que está acontecendo com a nossa política externa há muito tempo. É um contrassenso. A única característica coerente dela é a submissão total não aos Estados Unidos, mas ao governo Trump. Isso é política de submissão, é a internalização da política externa de um outro país”, criticou.

Vacina e etanol

Amorim também atacou o acordo, firmado em setembro, no qual o governo brasileiro aprovou uma cota de isenção tarifária –– de 20% para todos os países que não integram o Mercosul –– para a importação de 187,5 milhões de litros de etanol dos EUA, país que responde por cerca de 90% do que chega desse combustível aos portos brasileiros a cada ano.

“Não dá para entender essa questão da tarifa do etanol. Não tem paralelo na história. É um momento de uma absoluta submissão aos Estados Unidos. É a única explicação”, indignou-se Amorim.

Ele também criticou o veto de Bolsonaro à compra da vacina chinesa CoronaVac, destinada ao combate ao novo coronavírus. “O ministro da Saúde, que é um general, anuncia que vai comprar a vacina chinesa e, horas depois, o presidente decide o contrário. O Brasil ataca o principal parceiro comercial, um país com o qual nós temos um superavit de 70%. É uma coisa anormal”, disse Amorim, irritado.

Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), lembrou que Bolsonaro nomeou como chanceler um embaixador inexperiente que, segundo ele, deu um giro de 180 graus na experiência centenária de apoio às organizações internacionais e a uma política externa autônoma e soberana. Segundo o docente, o Brasil filiou-se, em vários sentidos, a uma visão de mundo a partir da qual não há ganhos.

“Nosso interesse significa proteger o produto nacional de concorrências desleais do sistema internacional. Não é isso que a gente vem fazendo; ao contrário, a gente vem protegendo o produto americano. O interesse nacional brasileiro é aumentar o nosso mercado, não o mercado dos EUA, como o Brasil tem feito na questão do 5G”, lamentou Cortinhas.

Para Günther Richter Mros, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o alinhamento do governo atual com a administração Trump reflete uma aposta alta feita por Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, por investimentos diretos com dinheiro dos EUA. Segundo ele, desde 2018 Washington vem trabalhando para tornar realidade um plano envolvendo até US$ 60 bilhões para a oferta de crédito a projetos de interesse da Casa Branca. Günther afirma que essa é uma das respostas americanas aos avanços da China em investimentos diretos em vários países de desenvolvimento baixo ou médio.

“Caso Trump seja reeleito, em novembro, poderá ocorrer avanços nas linhas de crédito americanas, mas em troca do afastamento do Brasil dos investimentos chineses. Mas, caso Joe Biden vença, a tendência é de que as sonhadas linhas de crédito não saiam tão facilmente. É verdade, ainda, que com Trump, tampouco, há certeza de cumprimento das promessas”, frisou o Günther.

Procurado pela reportagem para comentar as críticas à política externa, o Ministério das Relações Exteriores não respondeu até o fechamento desta edição. 

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