Jornalista Marcelo Auler escreve sobre a expectativa em torno do decano do STF, que retornou aos trabalhos na Suprema Corte nesta sexta-feira (25). “A prevalecer a coerência jurídica de Mello, algo que sempre cultivou ao longo dos 31 anos em que frequenta o plenário da corte, a tendência é de que se manifeste pela parcialidade de Moro”
Ao retornar à sua cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (25), iniciando seus últimos dias como ministro da corte, Celso de Mello despertará entre juristas e políticos a expectativa em torno do julgamento do habeas corpus 164.493.
Nele, a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva questiona a parcialidade e a motivação política do ex-juiz Sérgio Moro nos processos em que o ex-presidente foi condenado e, com isso, teve direitos políticos cassados.
Entre os políticos há o entendimento de que este julgamento desenhará o pleito de 2022 no qual, além da escolha do novo presidente da República, estará em jogo a própria democracia no país., hoje ameaçada pelo bolsonarismo.
A partir dos últimos julgamentos na 2ª Turma do STF, onde tramita o HC, as apostas no mundo jurídico são de que o decano definirá uma votação que se mostra empatada. Ou seja, ele poderá decidir o futuro político do ex-presidente.
A prevalecer a coerência jurídica de Mello, algo que sempre cultivou ao longo dos 31 anos em que frequenta o plenário da corte, a tendência é de que se manifeste pela parcialidade de Moro.
Repetiria um voto divergente e solitário, de maio de 2013, um ano antes da Operação Lava Jato, quando o juiz despontou nacionalmente. Voto dado ao apreciar no HC 95.518/PR o comportamento do então juiz Moro, em um processo do caso Banestado/CC5. Na ocasião, ao reprimir seu comportamento, classificou-o como “magistrado travestido de verdadeiro investigador”. Ainda assim, seu posicionamento com relação ao HC de Lula permanece sendo uma incógnita.
Curiosamente, na votação de 2013 os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski reconheceram que Moro atuou no processo do doleiro Rubens Catenacci com parcialidade, a favor da acusação. Mas não viram motivos para anular a sentença, como defendeu Mello. Hoje, os dois já se posicionam pela parcialidade do ex-juiz curitibano. Ninguém, porém, arrisca cravar a tendência do decano da corte.
No HC 95.518/PR, julgado em 2013, o juiz foi acusado de perseguição ao réu, cuja prisão preventiva decretou cinco vezes, quatro delas sequenciadas, desrespeitando liminares concedidas pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Moro ainda mandou a Polícia Federal monitorar o réu e seus advogados, Cézar Bittencourt e André Zenkner Schmidt, através de levantamento dos registros de voos, nacionais ou internacionais, para executar a prisão que determinara. Não bastasse, autorizou o monitoramento telefônico de Catenacci e de outros dois advogados da relação dele.
No caso concreto do HC 164.493, a defesa de Lula relacionou “ilegalidades e arbitrariedades” contra Lula, determinadas por Moro “com o objetivo de afetar sua imagem e sua reputação naquele período, como a sua condução coercitiva (já declarada inconstitucional por esta Suprema Corte), buscas e apreensões, interceptações telefônicas e divulgação de parte do conteúdo das conversas interceptadas, dentre outras coisas” (grifos do original).
Ou seja, o habeas corpus, além de outras ilegalidades narradas, tem como motivação o monitoramento da defesa, através de interceptações de conversas telefônicas dos advogados – crime reconhecido internacionalmente. Foi feito, inclusive, por meio de um grampo oficial, apesar dos alertas da concessionária de que se tratava “do ramal tronco de um dos escritórios de advocacia”. Na realidade, 25 advogados foram atingidos pela medida. Algo até mais extenso – embora da mesma gravidade – do que ocorreu no processo de Catenacci que provocou o HC 95.518/PR, no qual Mello reconheceu a parcialidade de Moro.
Ao admitir, em maio de 2013, a parcialidade de Moro no processo de Catenacci que o então juiz presidiu, entre 2004/2005, o decano do STF previu que aquele comportamento tenderia a se repetir: “infelizmente são comportamentos que às vezes tendem a se tornar recorrentes”. E se tornaram.
Curiosamente, nem todas as críticas de Mello ao juiz curitibano foram transcritas no Acórdão do HC 95.518/PR. Oficialmente elas não constam dos registros do julgamento. Foram resgatadas pelo Blog através do vídeo da sessão, encontrado no site da revista jurídica Conjur que reproduzimos abaixo.
A partir dele, verifica-se que o ministro, em seu voto vencido, discordando da posição de Mendes que não aceitou anular a sentença, expôs bem mais do que o Acórdão transcreve. às páginas 28 e 29 do documento, consta como tendo sido dito pelo decano da corte:
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: “Parece-me, em face dos documentos que instruem esta impetração e da sequência dos fatos relatados neste processo, notadamente do gravíssimo episódio do monitoramento dos Advogados do ora paciente, que teria ocorrido, na espécie, séria ofensa ao dever de imparcialidade judicial, o que se revelaria apto a caracterizar transgressão à garantia constitucional do “due process of law”.
Através do vídeo, porém, se constata que a manifestação dele foi bem maior e mais dura. Ela expôs:
“O voto do ministro Gilmar Mendes me parece bastante elucidativo. Agora, suscita… alguns fatos extremamente preocupantes, o monitoramento dos advogados e do paciente, inclusive o monitoramento do voo, monitoramento dos voos dos advogados e dos pacientes, o retardamento… o retardamento da execução de uma ordem emanada do egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região…
É, é, é… consta que o magistrado em questão teria retardado, em algumas horas, o atendimento a uma determinada ordem do TRF da 4ª Região, porque, segundo se sustenta, estaria – aspas – “construindo uma nova prisão preventiva”, fato que foi destacado pelo próprio Ministério Público Federal, no parecer que exarou nos autos do HC nº tal…
São produzidos documentos que aparentemente comprovam a gravidade destas alegações. O ministro Gilmar agora destaca esses aspectos. Em um momento oportuno, nenhuma ação disciplinar foi tomada contra o magistrado.
Mas eu não sei até que ponto a sucessão dessas diversas condutas não poderia gerar a própria inabilitação do magistrado para atuar naquela causa, não é? Com nulidade dos atos por ele praticados. Essa é uma questão importante que acaba de ser destacada no voto do ministro Gilmar Mendes, mas sua excelência acompanha o relator, ministro Eros…”
Já a conclusão do seu voto, quando pediu vênia e discordou dos demais ministros, no Acórdão está transcrita em 10 linhas com 119 palavras. Pelo documento não se toma conhecimento, por exemplo. que Mello no julgamento tratou Moro como “magistrado travestido de investigador”. Isso está justamente no trecho final de seu voto, com críticas pesadas ao ex-juiz de Curitiba. Pelo vídeo percebemos que ele declarou:
“Senhora presidente, com todo o respeito eu vou pedir vênia para dissentir por entender que a ideia de imparcialidade compõe a noção mesma do devido processo e é um conceito que deve ser observado desde o início de qualquer procedimento judicial.
Achando-se o vício da nulidade, quer dizer, no próprio comportamento, independentemente da demonstração do prejuízo configurar uma situação caracterizadora da nulidade absoluta, uma vez que desatendida a obrigação ético-jurídica que se impõe a qualquer magistrado, em qualquer grau de jurisdição, de dever de isenção, de neutralidade, de distância e de equidistância em relação aos sujeitos da relação processual.
Notadamente em situações anômalas em que o magistrado surge travestido de verdadeiro investigador, assumindo até mesmo, em desobediência ao modelo acusatório que deve pautar a atuação do Estado em matéria de persecução penal, é é é… travestido até mesmo, não só de investigador, mas desempenhando até mesmo funções inerentes ao próprio órgão da acusação, o Ministério Público.
Esta ideia de imparcialidade impõe a observância do dever de neutralidade. De neutralidade em relação ao tratamento a ser dispensado aos sujeitos de um dado procedimento, especialmente quando fatos objetivos evidenciam condutas anômalas infringentes a essas obrigações fundamentais que se mostram inerentes a qualquer magistrado.
Vale dizer, o respeito ao dever de imparcialidade de um lado, em ordem a ensejar a qualquer pessoa aquele direito ao “fair trial”, vale dizer, ao julgamento justo. E se esse vício se mostra presente desde o início, a partir da atuação de um magistrado de primeiro grau, a mim me parece que isso contamina de maneira absoluta e irremediável todo o procedimento judicial.
Por isso, senhora presidente, com essas breves considerações eu peço vênia para deferir o pedido e, em consequência, invalidar o procedimento penal, mas compor no sentido de determinar o envio de peças ao Conselho Nacional de Justiça. A mim me parece que o Tribunal Regional da 4ª Região não teria adotado, no âmbito disciplinar, providencia alguma.
Lula e Celso de Mello (Foto: Brasil 247 | STF | ABR)
Veja o vídeo da sessão com as manifestações de Mello:
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