Estados do Nordeste, como Piauí e Ceará, têm recebido investimentos bilionários, contando com o apoio de instituições públicas de fomento
Por Leonardo Attuch, editor do Brasil 247 – No coração do Piauí, na cidade de Brasileira, um marco na transição energética do Brasil foi alcançado em junho deste ano com a inauguração do Complexo Solar Marangatu. Este empreendimento, que possui uma capacidade instalada de 446 megawatts (MW) de potência, é o maior dos dois projetos solares desenvolvidos pela SPIC Brasil, subsidiária da State Power Investment Corporation of China (SPIC), e pela Recurrent Energy, empresa controlada pela Canadian Solar. Juntas, as empresas investiram mais de R$ 2 bilhões na criação de usinas solares que, quando em plena operação, terão a capacidade de gerar eletricidade suficiente para abastecer mais de 900 mil residências anualmente.
A SPIC Global, uma das cinco maiores geradoras de energia do mundo, trouxe para o Brasil sua experiência na implementação de projetos solares, unindo forças com a Canadian Solar, uma das maiores empresas de tecnologia solar e energia renovável do planeta. “Somar a experiência em implementação de projetos solares do grupo SPIC, com o pioneirismo da Canadian Solar, vai nos trazer muito mais que crescimento. Vai beneficiar nossas comunidades, o país e o planeta”, disse Adriana Waltrick, CEO da SPIC Brasil, durante a inauguração da planta.
Aproximadamente 75% da energia gerada pelo Complexo Marangatu já está comprometida através de contratos de longo prazo (PPA), e o restante será vendido no mercado livre, demonstrando a competitividade do projeto. Além disso, a construção dos parques solares gerou milhares de postos de trabalho diretos e indiretos, contribuindo significativamente para o desenvolvimento econômico da região. Veja alguns trechos do vídeo sobre a inauguração do Complexto Marangatu:
Transição Energética e o Apoio Estatal
O avanço de projetos como o Marangatu não seria possível sem o papel crucial desempenhado pelo sistema público de fomento no Brasil. Instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) têm sido essenciais para viabilizar investimentos em energia renovável no país.
O BNDES, por exemplo, tem sido um dos principais financiadores de infraestrutura energética, com projetos em todo o território nacional. Recentemente, o banco aprovou um financiamento de R$ 418,5 milhões para o complexo solar Irecê 1, na Bahia, que atenderá à demanda da Refinaria de Mataripe, a segunda maior do Brasil. Além disso, a Finep, em parceria com o BNDES, lançou uma chamada pública para a seleção de planos de negócios voltados ao desenvolvimento de tecnologias e implantação de biorrefinarias, disponibilizando R$ 6 bilhões para a produção de combustíveis sustentáveis.
Ao participar de um fórum sobre a transição energética, o presidente da Finep, Celso Pansera, afirmou que o esforço brasileiro deve ser na direção de transpor a produção científica em torno da transição energética para o mundo real, para a economia e o bem-estar das pessoas. Ele lembrou que, só em 2023, a Finep apoiou mais de 100 projetos no setor, em temas como a hibridização de veículos, a transmissão de energia com baixa perda técnica e a produção de novas tecnologias.
“A Finep está há muito tempo investindo nesse tema e dentro do Nova Indústria Brasil já aplicamos R$ 11 bilhões de recursos, dos quais R$ 9,4 bilhões vieram da Finep e outros R$ 1,6 bilhão da iniciativa privada. Isso mostra que existe funding e vontade do governo para investir, porque existem bons projetos para isso”, diz Celso Pansera.
O Piauí no Centro da Transição Energética
O Piauí, que no passado era associado, de forma equivocada, ao subdesenvolvimento, está se consolidando como um líder na transição energética no Brasil. A inauguração do Complexo Solar Marangatu é um símbolo desse progresso, mas o estado já vinha se destacando como um dos maiores produtores de energia eólica e fotovoltaica do país. Segundo o governador Rafael Fonteles, que tem colocado a transição energética e a transformação digital como prioridades em seu governo, o Piauí está pronto para liderar esse movimento no Brasil, como ele destacou num evento empresarial recente. Confira:
Em outro evento, durante a Conferência Internacional de Tecnologia das Energias Renováveis (Citer), realizada em Teresina, Fonteles destacou que o estado está comprometido com o desenvolvimento sustentável e a inovação tecnológica. “Sabemos que a energia solar é uma fonte fundamental para a transição energética visando a economia de baixo carbono”, afirmou a CEO da SPIC Brasil, Adriana Waltrick, ressaltando que o Brasil tem um grande potencial solar e eólico, que está sendo cada vez mais explorado.
O projeto contou com o apoio decisivo do Banco do Nordeste (BNB) e seu presidente tem destacado o papel da região no processo de transição energética. “O Nordeste ocupa papel de liderança no Brasil em geração eólica e solar e pretende usar esse potencial para atrair empresas que fazem uso intensivo de energia limpa”, diz o presidente do BNB, Paulo Câmara, que é também ex-governador de Pernambuco.
Desafios e Perspectivas
Apesar dos avanços, a transição energética no Brasil ainda enfrenta desafios significativos, como a necessidade de um marco regulatório robusto para o hidrogênio verde, que está em tramitação no Congresso Nacional.
O hidrogênio verde é um tipo de hidrogênio produzido por meio de fontes de energia renováveis, como a energia solar, eólica ou hidrelétrica. Diferente do hidrogênio produzido a partir de combustíveis fósseis (como o hidrogênio cinza ou azul), o hidrogênio verde é considerado uma forma de energia limpa e sustentável, pois sua produção não emite gases de efeito estufa.
O interesse pelo hidrogênio verde tem crescido significativamente nos últimos anos, principalmente devido ao seu potencial de contribuir para a descarbonização de setores industriais e de transporte, ajudando a mitigar as mudanças climáticas. Um dos estados mais competitivos para a produção deste combusível é o Ceará, governado por Elmano de Freitas, que também aposta alto na transição energética.
“O Ceará um Hub de Hidrogênio Verde. Nós devemos, daqui a pouco, ter produção em larga escala de hidrogênio verde no Estado do Ceará e temos um desafio muito grande diante da necessidade da geração de emprego de qualidade, de renda e de oportunidade para o nosso povo”, diz Elmano de Freitas.
Governadores como Elmano de Freitas e Rafael Fonteles têm defendido a aprovação urgente dessa legislação para que o Brasil possa competir em igualdade com outros países que já estabeleceram suas leis específicas.
Ao mesmo tempo, o Brasil precisa dobrar seus investimentos em infraestrutura energética para se consolidar como líder global na transição energética. Luciana Costa, diretora de Infraestrutura e Mudança Climática do BNDES, destacou que o Brasil deve investir cerca de R$ 400 bilhões por ano em infraestrutura energética, considerando tanto o setor público quanto o privado. A transição energética é também a grande aposta do presidente da instituição, Aloizio Mercadante, que defende a transição para a economia de baixo carbono.
Entenda o que é a transição energética e por que ela é tão importante
A transição energética refere-se ao processo de mudança da matriz energética global, que tradicionalmente depende de fontes de energia fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, para fontes de energia renováveis e sustentáveis, como a solar, eólica, hídrica e biomassa. Este movimento é impulsionado pela necessidade urgente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas.
Entenda, em alguns pontos, por que a transição energética é tão importante:
- Combate às mudanças climáticas: A queima de combustíveis fósseis é a principal fonte de emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa. A transição para fontes renováveis é essencial para limitar o aumento da temperatura global e evitar as consequências mais severas das mudanças climáticas, como eventos climáticos extremos, elevação do nível do mar e perda de biodiversidade.
- Segurança energética: A dependência de combustíveis fósseis torna os países vulneráveis a flutuações de preços e a crises de abastecimento, muitas vezes decorrentes de instabilidades geopolíticas. Ao diversificar a matriz energética com fontes renováveis, os países podem garantir um suprimento de energia mais seguro e estável.
- Desenvolvimento econômico sustentável: A transição energética oferece novas oportunidades de desenvolvimento econômico, criando empregos em setores emergentes, como a fabricação e instalação de equipamentos de energia renovável, além de incentivar a inovação tecnológica. A longo prazo, uma economia baseada em energias limpas é mais resiliente e menos suscetível às oscilações dos mercados globais de petróleo e gás.
- Redução da poluição: A produção e o uso de combustíveis fósseis não só contribuem para as mudanças climáticas, mas também são responsáveis por grande parte da poluição do ar, que causa milhões de mortes prematuras todos os anos. Fontes de energia limpa, como a solar e a eólica, produzem pouca ou nenhuma poluição, melhorando a qualidade do ar e, consequentemente, a saúde pública.
- Cumprimento de metas globais: Acordos internacionais, como o Acordo de Paris, estabelecem metas claras para a redução das emissões de gases de efeito estufa e o aumento da participação de fontes renováveis na matriz energética global. A transição energética é essencial para que os países cumpram essas metas e contribuam para a mitigação das mudanças climáticas em escala global.
Desafios da transição energética
Embora a transição energética seja crucial, ela enfrenta vários desafios. A infraestrutura energética existente ainda está fortemente baseada em combustíveis fósseis, e a mudança para fontes renováveis exige grandes investimentos em novas tecnologias e redes de distribuição. Além disso, a intermitência de algumas fontes renováveis, como a solar e a eólica, requer soluções de armazenamento de energia e uma gestão eficiente da rede elétrica.
Outro desafio é garantir que a transição seja justa e inclusiva, proporcionando oportunidades para todas as regiões e comunidades, especialmente aquelas que dependem economicamente dos combustíveis fósseis.
O papel do Brasil na transição energética
O Brasil está em uma posição privilegiada para liderar a transição energética global, graças à sua matriz energética já amplamente renovável, com destaque para a energia hidrelétrica, eólica e solar. Projetos como o Complexo Solar Marangatu, no Piauí, exemplificam o potencial do país em expandir sua participação em energias limpas, consolidando sua posição como um dos líderes globais nessa área.
A transição energética não é apenas uma necessidade ambiental, mas também uma oportunidade de construir um futuro mais seguro, saudável e próspero para todos.
A inauguração do Complexo Solar Marangatu no Piauí é um exemplo claro de como o Brasil está avançando na transição energética, impulsionado por parcerias estratégicas entre empresas globais e o apoio decisivo do sistema público de fomento. Com projetos como este, o país não apenas se posiciona como um líder na geração de energia renovável, mas também demonstra seu compromisso com o desenvolvimento sustentável e a luta contra as mudanças climáticas.
A transição energética e os combustíveis fósseis
Este processo, no entanto, não significa que o Brasil esteja abrindo mão de suas vantagens competitivas no setor de combustíveis fósseis. O ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, tem defendido a necessidade de uma transição energética sem “extremismos ambientais ou ideológicos”. Durante um discurso em evento recente promovido pela revista Carta Capital, Silveira destacou que o futuro está na economia verde, mas defendeu a exploração de petróleo na região da Margem Equatorial.
“Não podemos deixar de conhecer as nossas potencialidades da Margem Equatorial, respeitando, dentro da mais rigorosa determinação da nossa legislação ambiental, mas sem extremismo ambiental ou ideológico, com bom senso, sentando na mesa, discutindo caminhos”, afirma Alexandre Silveira.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também defende a exploração do petróleo da Margem Equatorial, afirma que, a despeito dos investimentos nos combustíveis fósseis, o Brasil vai liderar a transição energética global. Foi o que ele garantiu em dezembro do ano passado, durante discurso de abertura da COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
“O Brasil está disposto a liderar pelo exemplo. Ajustamos nossas metas climáticas, que são hoje mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos. Reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia e vamos zerá-lo até 2030. O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis. É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa”, afirmou o presidente Lula.
A trajetória do Piauí e do Ceará, em particular, é uma prova de que, com os investimentos certos e políticas públicas eficazes, assim como com a participação do sistema público de fomento, estados nordestinos podem se tornar protagonistas na construção de um futuro energético mais limpo e justo.
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