ANS abre consulta pública sobre a possibilidade de elevar para os 50 anos a idade do rastreamento bienal de câncer, seguindo a norma que é adotada pelo SUS. Entidades médicas e pacientes protestam e consideram a eventual alteração um retrocesso
A possibilidade de a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) elevar para os 50 anos a idade do rastreamento bienal de câncer de mama por meio da mamografia, tal como é feito no Sistema Único de Saúde (SUS), provocou protestos de entidades médicas e gerou polêmica nas rede sociais, com críticas de mulheres que tiveram a doença — entre elas, a apresentadora de tevê Ana Furtado. Por isso, ANS abriu consulta pública, que encerrou-se na quinta-feira, para ouvir os setores da sociedade a respeito do tema. Além disso, a Procuradoria-Geral da República cobrou esclarecimentos.
Em nota ao Correio, a agência salienta que a proposta não proíbe a mamografia para mulheres na faixa dos 40 anos. A ideia, segundo a autarquia, é incentivar os planos de saúde a procurarem as beneficiárias com mais de 50 anos para que façam o rastreamento anual. Segundo a ANS, a regra vigente hoje está mantida.
“Nada muda em termos de cobertura assistencial. Nem se trata de uma recomendação para que apenas mulheres com idade a partir de 50 anos façam mamografias. A prevenção é fundamental e o médico assistente é que vai indicar o momento de fazer os exames, que têm cobertura garantida no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS”, observa a autarquia.
A alteração da periodicidade do exame é uma recomendação do Instituto Nacional do Câncer (Inca). A medida, segundo a ANS, faz parte do Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica (OncoRede).
“Para ter o certificado de qualidade, as operadoras que participarem do programa de certificação — a adesão é voluntária —, deverão cumprir requisitos relacionados a diversos tipos de câncer. Um desses requisitos é o rastreamento populacional em mulheres com idades entre 50 e 69 anos. Ou seja, para ser pontuada no programa, a operadora terá que entrar em contato — busca ativa — com todas as mulheres com idades entre 50 e 69 anos — para alertar sobre a importância da realização de mamografia. Trata-se de uma ação junto a essa população-alvo específica. E esse rastreamento populacional é um dos critérios para pontuação no programa de certificação”, observa a ANS.
Recomendação
Apesar dos esclarecimentos da agência, entidades médicas continuam a defender a recomendação da mamografia a partir de 40 anos. De acordo com a gerente de advocacy do Oncoguia, Helena Esteves, o OncoRede tem várias normas para o bom tratamento oncológico e, caso a operadora cumpra esses requisitos, lhe serão atribuídos certificados de boas práticas.
“Entre esses requisitos, está a recomendação de mamografia a partir dos 50. Isso não significa que uma mulher abaixo de 50 anos, ou até 40 anos, não poderá fazer o exame pelo plano de saúde. Mas é claro que esse programa abre espaço para a operadora dar uma negativa de mamografia para uma mulher mais jovem”, adverte.
De acordo com a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), 40% dos diagnósticos de câncer de mama em mulheres são realizados abaixo dos 50 anos e 22% das mortes acontecem neste grupo. A maior parte das operadoras segue a recomendação das entidades médicas, viabilizando o rastreio mamográfico anual a partir dos 40 anos.
“Considerando que a diferença na taxa de sobrevida para mulheres entre 40-50 anos, que tiveram seu diagnóstico pelo rastreamento mamográfico, é de 25% a mais em 10 anos, o único benefício da alteração da diretriz proposta com a certificação é a redução de custos com exames para as operadoras. Vale ressaltar, ainda, que os custos com diagnósticos avançados a longo prazo não estão sendo considerados”, alerta a nota da federação.
Presidente da Femama, a mastologista Maira Caleffi questiona a possibilidade de a ANS adotar as diretrizes do Inca, apesar do Rol de Procedimentos — que recomenda a mamografia aos 40 anos. “Questionamos essa mudança na idade, que não está de acordo com os entendimentos mais recentes”, argumenta.
Segundo Maira, “a discussão sobre idade e periodicidade de exames de mamografia não é nova no Brasil, e não existe consenso científico sobre a questão. Mas a legislação prevê, de forma clara, que o exame mamográfico é assegurado a todas as mulheres com idade superior a 40 anos no SUS, anualmente”. Ela frisa que, além do câncer, a mamografia pode detectar outras anomalias.
“A mamografia é um exame de imagem das mamas feito por radiografia. É capaz de gerar imagens detalhadas, e de alta resolução, da estrutura e tecidos internos da mama. É o melhor exame para o rastreio do câncer, mas, também, serve para detectar outras anormalidades — como lesões, assimetrias, nódulos e linfomas, por exemplo”, esclarece.
De acordo com Janice Lamas, médica e pesquisadora de câncer de mama, a detecção precoce em mulheres entre 40 e 50 anos possibilita intervenções menos agressivas e, em muitos casos, evita-se a quimioterapia. “Isso reduz não apenas os custos associados a tratamentos mais invasivos, mas, também, o impacto psicológico e físico na vida das pacientes. Essa mudança, ao recomendar rastreamento bienal, pode levar ao diagnóstico tardio de tumores maiores e mais avançados, especialmente em mulheres economicamente ativas e com alta contribuição à sociedade”, explica.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu nota na qual se posiciona contrariamente à iniciativa. “Decisões que afetam a saúde das mulheres devem ser baseadas em evidências robustas e amplamente debatidas, visando assegurar um cuidado mais eficaz e equitativo em todo o território nacional”, salienta a entidade.
Apresentadora faz campanha
Nas redes sociais, mulheres se manifestam contra a possibilidade aventada pela ANS. A apresentadora de tevê Ana Furtado, que enfrentou a doença, pediu para que as mulheres votassem contra a proposta na consulta pública aberta pela autarquia.
“Tive câncer de mama aos 44 anos de idade. Só estou aqui fazendo esse alerta para vocês porque fiz mamografia de rastreio desde os 40 anos de idade e descobri um tumor inicial e me curei”, alertou Ana, em vídeo publicado no Instagram pessoal.
Rosilene da Silva Cardoso, 69 anos, é mais uma que venceu o câncer de mama. “Sou sobrevivente”, orgulha-se. Desde os 40 anos, ela tinha um nódulo no seio que era detectado, todos os anos, pela mamografia. Mas, antes de completar 50 anos, o nódulo cresceu. Foi assim que descobriu o câncer em duas áreas do seio.
“Quando o exame detectou câncer e a médica me deu a notícia de que perderia a mama, não tive nenhuma surpresa. Recebi o diagnóstico com muita conversa e muita resiliência. A doença estava ali e sempre quis viver. Então, disse assim: ‘Vou botar essa doença debaixo do meu braço, porque é minha e tenho que dar conta”, relata.
Adriana Félix tinha 34 anos quando foi diagnosticada com câncer na mama esquerda. Em 2017, conta que percebeu um nódulo no seio e logo procurou ajuda médica. Como não tinha histórico familiar de câncer, ela jamais fizera mamografia.
“Descobri em 2017, no susto, quando sem querer percebi um nódulo no meu seio esquerdo. Nunca imaginei que fosse câncer, pois era jovem, com 34 anos de idade, fora das estatísticas e sem nenhum caso na família. Após vários exames, veio a notícia de câncer de mama agressivo — e em estágio avançado. Foi um choque no começo, mas, também, o início de uma grande mudança na minha vida”, conta Adriana, que tornou-se ativista pela prevenção ao câncer de mama nas redes sociais e faz rigorosos exames complementares anualmente.
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