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A recuperação expressiva de uma economia, especialmente em condições como as atuais, requer a iniciativa e a coordenação do Estado. É exatamente o que nos falta de forma gritante.

Volto a falar da nossa conturbada conjuntura política e econômica. O político prevalece sobre o econômico, como de costume. Mais do que de costume. A razão é que o Brasil tem um governo excepcionalmente inepto, que funciona como entrave para a economia em todas ou quase todas as áreas relevantes. O Brasil é o último dos países do G20 (o grupo que reúne as 19 principais economias do mundo e a União Europei) ainda governado por um trumpista. No mundo inteiro, inclusive e notadamente nos Estados Unidos, a onda de extrema-direita dos últimos anos começou a refluir.

No Brasil, já temos os primeiros sinais disso, mas ainda são tênues, incipientes e até discutíveis. Há quem negue que o processo já tenha começado por aqui. Argumenta-se que Bolsonaro continua forte e tem apresentado notável resiliência a notícias desfavoráveis.PUBLICIDADE

A economia se recupera?

Um dos fatores que terão influência sobre o apoio ao governo será, como sempre, o desempenho da economia. É até possível que haja alguma recuperação econômica em 2021, apesar do governo federal, refletindo por exemplo uma provável melhora do quadro mundial com a chegada das vacinas. A chegada de vacinas ao Brasil, ainda que tardia, tumultuada e incompleta, também deve ajudar. Mas não está no nosso horizonte uma recuperação substancial da atividade e do emprego.

Abro aqui um pequeno parêntese para lembrar que a taxa anual de crescimento do PIB (ano-calendário de 2021 sobre ano-calendário 2020) será enganosamente alta. É que existe expressiva herança (carry-over) na estatística do PIB deste ano, em razão da recuperação observada no segundo semestre de 2020. Esse carry-over é estimado entre 3% a 4%, dependendo do PIB no último trimestre de 2020. Isso significa que a taxa anual de expansão neste ano ficará na faixa de 3% a 4%, se o PIB permanecer estacionado no nível do final de 2020. O crescimento na margem (medido pelo quarto trimestre de 2021 sobre igual período de 2020) tende a ser pequeno, na melhor das hipóteses, certamente nada que possa compensar as recessões de 2015, 2016 e 2020.

A recuperação expressiva de uma economia, especialmente em condições como as atuais, requer a iniciativa e a coordenação do Estado. É exatamente o que nos falta de forma gritante. O Estado não existe em abstrato e se manifesta, em larga medida, no governo federal do momento. Os governos estaduais e municipais podem compensar, em parte, a incompetência federal. Congresso e Judiciário podem, em tese, impor limites à tendência destrutiva oriunda do Executivo. As duas coisas vêm ocorrendo. Mas, primeiramente, nenhuma dessas instâncias do poder público tem condições de se substituir ao Executivo federal. E, em segundo lugar, nenhuma delas está isenta de mazelas, o que limita a sua capacidade de atuar em favor do interesse nacional.

As mazelas dessas outras instâncias, ainda que muito significativas, não se comparam ao desastre quase total que emana do governo Bolsonaro. Temos um governo que confessa, de peito aberto, que veio para destruir. E pior: não tem a mais vaga e remota ideia do que colocar no lugar de tudo que está destruindo. Correndo o risco de chover um pouco no molhado, faço ao leitor uma pergunta: enfática: aponte, por favor, uma, apenas uma área do governo que esteja atuando bem, realizando algo de construtivo. Pergunta sincera. Gostaria de saber. Eu mesmo procuro, procuro e não encontro um mísero exemplo que seja. Não creio que seja por má vontade.

Impeachment e pesquisas de opinião

Com Bolsonaro, a crise brasileira alcançou novo patamar de gravidade. Os neoliberais que ficaram pelo caminho, os líderes do golpe parlamentar de 2016, não teriam coragem nem capacidade de produzir os estragos que temos visto desde 2019 e que continuaremos a ver até que o atual presidente seja apeado do poder, por impeachment, interdição, renúncia ou derrota eleitoral.

Mais dois anos de destruição parecem insuportáveis. Assim, é natural que, diante de alguns acontecimentos recentes, tenha ressurgido com força a ideia do impeachment.

O leitor haverá de concordar que sobram motivos jurídicos para apear Bolsonaro do poder. São muitos os crimes de responsabilidade cometidos. Arrisco dizer que nunca um Presidente da República deu tantas razões para o impeachment e até mesmo para o impedimento por incapacidade mental para exercício do cargo.

É preciso, porém, reconhecer a triste realidade. Se Bolsonaro pode ser considerado incapaz, e há fortes indícios disso, a sua doença é indubitavelmente parte de uma doença maior da sociedade brasileira. O bolsonarismo antecede Bolsonaro e continuará depois dele.

Alguma dúvida? O estranho personagem foi eleito, afinal. E pior: conta ainda, depois de tudo, tudo que aconteceu, com apoio considerável da população, a julgar pelas pesquisas de opinião produzidas por diferentes institutos. As pesquisas realizadas até o começo de janeiro mostraram que algo como 1/3 da população considerava o governo “bom” ou “ótimo”. Com as costumeiras oscilações, as pesquisas sugeriam que o eleitorado estava dividido em três partes aproximadamente iguais: 1) os que apoiam o governo (considerando-o “bom” ou “ótimo”); 2) os que o rejeitam (“ruim” ou “péssimo”); e 3) os que ficam neutros (seja porque o consideram regular, seja por dizerem que não apoiam nem rejeitam, seja porque se declaram desinformados ou desinteressados). Esse era, em termos muito resumidos, o quadro que se depreendia das pesquisas de meados de 2019 até o início deste ano.

Em janeiro, o quadro mudou. As pesquisas mais recentes da XP/Ipespe e da Exame/Ideia sugerem uma piora significativa da avaliação do governo. A primeira aponta aumento do bloco “ruim/péssimo” de 35% para 40% e queda do “bom/ótimo” de 38% para 32%. A segunda indica subida do “ruim/péssimo” de 34% para 45% e queda do “bom/ótimo” de 38% para 27%. Mas é cedo, claro, para dizer se elas apontam uma tendência.

Como se sabe, as pesquisas têm importância crucial, talvez decisiva. Dificilmente o impeachment irá prosperar se Bolsonaro contar com apoio firme de cerca de 30% da população.

Arrisco entrar no terreno das conjecturas. O apoio a ele deve cair a partir de agora, talvez de forma expressiva, na linha do que indicam as duas últimas pesquisas. A previsão, precária como toda previsão política, se ancora em dois argumentos principais.

O primeiro é a interrupção do auxílio emergencial em janeiro – sem ter sido substituído por nada até agora. O auxílio, tudo indica, trouxe em 2020 grande apoio ao governo federal na população mais pobre. Nos planos de Paulo Guedes, o auxílio será substituído por uma recuperação acentuada dos níveis de atividade e de emprego. A equipe econômica não poupa previsões róseas. Chegam a prever recuperação em V e a declarar que a economia brasileira irá surpreender o mundo, entre outras fantasias. A abordagem da equipe econômica, sendo tão irrealista, pode até não prevalecer. A queda nas pesquisas talvez impulsione o governo a buscar algum substituto, mesmo parcial, para o finado auxílio.

Como mencionei, a recuperação da atividade econômica será modesta – e ainda mais modesta a recuperação do nível de emprego. Não vejo por que se romperá o padrão habitual em que o emprego responde com defasagem à recomposição das vendas e da produção. Se o desemprego continuar elevado e se os empregos gerados forem sobretudo de caráter precário, o auxílio emergencial fará muita falta. E o ônus político ficará sobretudo com o governo federal.

O segundo motivo para prever queda do apoio a Bolsonaro é o agravamento da crise da Covid-19. São crescentes, para não dizer escancaradas, as evidências de que o governo federal atuou de maneira incompetente, para não dizer criminosa, no enfrentamento da pandemia. O caos em Manaus, com a morte de doentes por falta de oxigênio, foi mais uma clara indicação dos erros e da irresponsabilidade do presidente da República e do ministério da Saúde. Há sócios evidentes nesse descalabro, notadamente o governo do Estado do Amazonas e a prefeitura de Manaus, mas o governo federal não escapará de sofrer desgaste junto à opinião pública nacional. A isso, se acrescentam o fracasso na questão das vacinas e a vitória importante neste tema de um adversário político e crítico aberto de Bolsonaro, o governador de São Paulo.

Isolado no plano internacional, sujeito a críticas crescentes no plano nacional, será espantoso se Bolsonaro sustentar, ao longo de 2021, um nível de apoio semelhante ao que tinha no final de 2020. E se forem expressivas a queda do apoio e o aumento da rejeição, estarão dadas as condições políticas para o seu afastamento.

Amém.

Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital” em 22 de janeiro de 2021.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata.

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Por Paulo Nogueira Batista Jr.

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