No próximo domingo, 28 de outubro, o país se encontra diante da mais grave encruzilhada em 129 anos de República. Nossos direitos e conquistas nunca enfrentaram uma ameaça tão direta e tão grave como numa eventual vitória de Jair Bolsonaro.
Construída sobre os escombros já visíveis da Constituição de 1988, sabotada cotidianamente por inimigos das garantias individuais e do bem estar social, a campanha de Bolsonaro não guarda nenhum traço democrático, nenhum compromisso de instituições criadas há 30 anos na esperança sempre nobre de impedir o retorno do Brasil a uma ditadura.
Seu projeto político é instituir um governo pelo terror, instrumento de poder das piores ditaduras, regimes nos quais a legislação é um enfeite esmagado pelo medo, os direitos e garantias são princípios sabotados pela violência, os adultos são humilhados a toda hora e as famílias não sabem se filhos e filhas voltarão vivos e sem escoriações para casa.
Quem ainda não compreendeu a originalidade nefasta do processo em curso no país através de sua candidatura só precisa prestar atenção ao colunista da Folha Celso de Rocha Barros: “Jair Bolsonaro não representa o regime de 64. Representa sua dissidência extremista, que revoltou-se contra a abertura de Geisel. O ídolo de Bolsonaro não é o moderado Castelo Branco, que provavelmente gostaria mesmo de ter restaurado a democracia. Não é o Geisel, que matou gente, mas deu início à restauração. Não é nem, vejam só, Médici. O ídolo de Bolsonaro, a entidade a quem consagrou o impeachment, é o torturador Brilhante Ustra”. (Folha, 21/10/2018).
LOBO EM PELE DE LOBO
Viabilizado através da degola à sangue frio da candidatura Luiz Inácio Lula da Silva, comprovadamente imbatível nas urnas, o candidato de extrema-direita militar chega à reta final com apoio dos oportunistas sem escrupulos e dos covardes sem disfarces. Fez uma campanha na qual evitou comprometer-se com qualquer ideia, mesmo aquelas inspiradas pelo Pinochet econômico formulado por assessor, o guru Paulo Guedes. Sem uma única proposta clara para tirar o país da pior crise econômica em 100 anos Bolsonaro porta-se como uma máquina política alimentada exclusivamente pela força dos próprios preconceitos, base de um comportamento que a Constituição enquadra como criminoso mas jamais foi punido porque sempre houve quem percebesse que sua retórica poderia ter utilidade política — uma dia. Como hoje.
Se a experiência eleitoral ensina que a maioria dos candidatos são lobos em pele cordeiro, a campanha de Bolsonaro é uma monstruosidade escancarada — do lobo que se apresenta como lobo, mostra as garras e exibe uma ferocidade insuspeita para estraçalhar quem tem outra história de vida, outras ideias, outra compreensão dos problemas do problemas do país. É assim que ele definiu o papel de um eventual governo sob seu comando como “uma faxina” e ameaça perseguir a Folha de S. Paulo, que publicou a reportagem sobre o caixa 2 de empresários que alimentou a máquina de fake news no primeiro turno. Já deixou claro que enxerga o Judiciário, a começar pelo STF, como uma instituição que deve ficar a seus pés, sem um fiapo da autonomia e da separação entre poderes que a civilização instituiu em fins do século XVIII. Nos moldes típicos como se fosse um tirano do absolutismo, mas atualizados pela linahgem dos retrocessos totalitários do século XX, uma semana antes da corrida às urnas Bolsonaro colocou-se na posição de perseguir e punir adversários políticos, a quem considera como inimigos que devem ser eliminados da vida política:
— Seu Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente pra assinar o decreto de indulto, eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia. Brevemente você terá Lindbergh Faria pra jogar dominó no xadrez. Aguarde. O Haddad vai chegar aí também. Mas não será pra visitá-lo, não. Será pra ficar alguns anos ao teu lado. Já que vocês se amam tanto, vocês vão apodrecer na cadeia.
Sempre referindo-se de forma odiosa a Lula, Bolsonaro emprega linguagem das oligarquias que instituiram o Brasil da República Velha, reconstruindo o regime escravocrata ao tratar a questão social como caso de polícia, para dirigir-se a movimentos sociais de valor histórico e reconhecimento dentro e fora do país: “Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Vocês não levarão mais o terror ao campo ou a cidade. Ou vocês se enquadram e se submetem às leis ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba”.
LÍDER QUE NÃO LIDERA
A brutalidade na linguagem é uma marca nos discursos de Bolsonaro, e não há dúvida que ela inspira o inaceitável pronunciamento de seu filho Eduardo, sugerindo o fechar o STF com o emprego de um soldado e um cabo. Num movimento previsível de passagem da teoria à prática, crescimento nas pesquisas foi acompanhado de uma violência inédita na história recente de nossas campanhas eleitorais. Já se produziu uma morte simbólica, o líder comunitário baiano Moa do Katendê, apenas o caso mais conhecido de tantos que não foram esclarecidos, sem falar em dezenas de feridos, que podem anunciar uma escalada de violência fora de controle.
“Bolsonaro é um líder que não lidera”, define a socióloga Ângela Alonso, presidente do Cebrap, em entrevista ao Valor Econômico (17/10/2018). “Ele libera. Não tem conexão orgânica com esses grupos. Não tem um partido estruturado. O apoio é de natureza mais difusa. É isso o que torna esse fenômeno muito mais perigoso do que a ala liberal que o apoia imagina. Mesmo que adote um discurso moderado, ele não vai controlar isso. Ele permitiu que viesse para o espaço público uma forma de ação direta que não é por meio das instituições.”
Em síntese: o candidato que se apresenta como campeão da ordem, inclusive com emprego de métodos ilegais de perseguição política, é aquele que estimula a violência descontrolada, num comportamento que, com todas as distâncias devidas pelo tempo e lugar, tem antecedentes sombrios na história de movimentos totalitários.
Por exemplo: milícias armadas no período em que o nazismo consolidava-se no poder, a violência bruta e descontrolada das tropas de assalto conhecidas como SA forçou o próprio Hitler a determinar que fossem dissolvidas.
Hoje, quando faltam quatro dias para a corrida as urnas, o caráter temerário da candidatura Bolsonaro já foi identificado inclusive por setores que apoiam seu programa econômico, como o Valor Econômico, das Organizações Globo.
“Sinais ruins para a democracia continuam sendo emitidos pelo staff de campanha de Jair Bolsonaro (PSL), ” escreve o Valor em seu editorial. “Bolsonaro tem pouco apreço pela democracia, como demonstrou em seguidos discursos públicos a favor da ditadura e da tortura”.
Num país que caminha para escolher o presidente em urna, ritual democrático que deve ser preservado mais do que nunca, o Valor alerta para uma equação política preocupante para os próximos dias. Lembra que Bolsonaro, ” segue pondo em suspeição as urnas eletrônicas”. Sublinha que mantém a postura ” coerente com sua pregação anterior mesmo aos embates eleitorais, de que seria o vencedor e de que não aceitaria outro resultado. Esse destino, para ele, só seria frustrado por meio de fraudes”, acrescenta o jornal. Fica para o leitor, desde já, sobre o tipo de reação a se aguardar na noite de domingo, caso o resultado das urnas não seja do agrado de Bolsonaro.
É um dado importante, quando se recorda que, conforme o último levantamento do Ibope, a rejeição de Haddad caiu e a de Bolsonaro, subiu. A distância entre os dois candidatos diminuiu quatro pontos e, nos atos de massa do Partido dos Trabalhadores, têm surgido insuspeitos sinais de ânimo.
A revelação do caráter abertamente impopular das propostas de Bolsonaro, inclusive ensino à distância, em famílias da periferia que mal conseguem encher a geladeira e vão precisar de computador e cuidadeira para as crianças, tem ajudado a lembrar que o lobo veste pele de lobo.
Quando se comparam os votos consolidados, aquele de eleitores que nunca irão mudar de opinião, funcionando como a ancora de cada candidato, a diferença é 37 pointos a 31.
Alguma dúvida?
PAULO MOREIRA LEITE
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
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