Subprocuradora Elizeta de Paiva Ramos assume compulsoriamente e interinamente a Procuradoria Geral da República sem passar por crivo algum, adverte Costa Pinto
Interinidade de Elizeta na PGR dará fortes dores de cabeça ao governo e ao presidente ·
Têm sido muitos os conselheiros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre um delicado e espinhoso tema cuja missão de resolver as querelas do passado sem abrir novas frentes de batalha é prerrogativa exclusiva de quem ocupa o posto dele: a indicação do procurador-geral da República, submetendo o nome escolhido ao escrutínio do Senado Federal. Houve quem pedisse por A, de Aras (Augusto Aras, atual PGR que tem intenção e disposição para ficar no posto) ; por B de Bigonha (Antonio Carlos Bigonha, nome construído e apadrinhado pela esquerda do PT e de outras legendas governistas); por G de Gonet (Paulo Gonet Branco, nome sustentado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes). Há quem, agora, visto que Lula se revelou insatisfeito pelas limitações conjunturais de cada um dos oponentes a Augusto Aras, dobrasse a aposta criando nova alternativa A. No caso, Aurélio Veiga Rios, subprocurador ligado à defesa de teses afeitas à área de Direitos Humanos, descriminalização do uso medicinal e recreativo da maconha e próximo do núcleo de procuradores que há tempos tenta desdemonizar o chá de ayahuasca. Ele foi adotado pelo grupo autodenominado “tuiuius” depois da constatação da pouca empatia presidencial à candidatura original de Bigonha – muito em razão da forte oposição imposta por Gilmar Mendes, justamente pela proximidade de Antonio Carlos Bigonha ao grupo “tuiuius” (responsáveis por indicar e chancelar os nomes pretéritos de Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel (falsa denúncia do “mensalão”) e Rodrigo Janot (patriarca da Lava Jato e do lava-jatismo). No curso dessa disputa por quem deveria ser indicado, esqueceram-se os conselheiros presidenciais de alertar o chefe do Executivo Federal para os riscos do atraso. O presidente Lula descobrirá, a duras penas, o tamanho e o custo desse desatino político a partir da próxima 4ª feira, 27 de setembro, quando a subprocuradora Maria Elizeta de Paiva Ramos sentar na cadeira de Procuradora Geral da República e empunhar a poderosa caneta que a espera no amplo gabinete da sede do Ministério Público Federal.
Mesmo que interina, Maria Elizeta terá chegado ao posto pelo qual se digladiam tantos homens (e seus respectivos padrinhos) sem ter pedido nada a ninguém: exclusivamente por força da Lei Orgânica que rege a carreira de Estado dos procuradores e a Constituição de 1988. Ela é a mais antiga integrante do Conselho Superior do Ministério Público, por isso tem a precedência a ocupar a PGR durante a vacância do cargo. No curso de um período que não tem prazo para acabar – porque o nome indicado pelo presidente Lula só sentará praça no comando do MPF depois de ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça e ser aprovado tanto na CCJ quanto no plenário do Senado – a PGR interina terá legitimidade para exercer o poder de sua caneta sem ter sobre os ombros sequer o peso de um pedido de “abertura de interlocução institucional” tão comum em Brasília (muitas vezes dá-se a isso o apelido jocoso de “embargos auriculares”). Dentre as prerrogativas exclusivas dos procuradores-gerais, mesmo que os interinos, posto que serão sempre legítimos quando suas ascensões ao posto não ferirem a lei e a norma, está a denúncia dos chefes dos Três Poderes da República. Alguém sabe o que Maria Elizeta pensa disso? E do Governo? E do retorno glorioso de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência depois das perseguições que sofreu com o concurso dos jagunços abrigados dentro do Ministério Público nos tempos da Lava Jato?
A interina da PGR já indicou para a sublevada e ansiosa categoria dos procuradores da República que fará da colega Ana Borges a sua vice-procuradora-geral (também interina). Ana Borges, amazonense, esposa do subprocurador Carlos Frederico dos Santos, o homem que está dedicado a apurar e denunciar as responsabilidades dos golpistas e terroristas do 8 de janeiro de 2023, assumirá inclusive as ações penais perante o STF. Maria Elizeta também deixou vazar para a categoria que Adonis Callou, nome que ficou em 3º lugar na lista do pretendentes à PGR submetida a um escrutínio pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), será o subprocurador-geral eleitoral interino junto ao TSE. A interinidade de Callou coincidirá com a instrução de novos processos contra o ex-presidente golpista Jair Bolsonaro e o julgamento de recursos dele a ações que já o deixaram inelegível. Callou, que já revelou simpatias pela Lava Jato, provavelmente estará no TSE, como subprocurador-geral eleitoral, quando chegar ao Tribunal Superior Eleitoral a ação de cassação do senador Sérgio Moro (ora em curso na Justiça Eleitoral paranaense). Assim como a interina da PGR, Borges e Callou são interrogações postas na cena da Alta Política brasiliense e brasileira. Seguramente, os conselheiros dativos ou investidos na função a pedido do presidente não o advertiram dessas esquinas da interinidade.
Não há risco de errar quando se diz que Lula, tão genial e brilhante no exercício da macropolítica, um dos dois estadistas contemporâneos do mundo (o outro, digo sempre, é o Papa Francisco), comete pecados veniais na condução da micropolítica. Perder o timing da nomeação do novo PGR, ou da recondução de augusto Aras, se esta fosse a sua determinação, foi um erro. A interinidade de Maria Elizeta de Paiva Ramos, que carrega consigo a legitimidade para cometer quaisquer atos na função e não deverá a ninguém nem mesmo o giro de um única e escassa maçaneta na Praça dos Três Poderes, trará dores de cabeça ao Governo e ao comando do Executivo Federal.