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Era uma tarde ensolarada de quarta-feira (14/7) quando o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, surgiu todo rijo, passo firme e quase em ritmo marcial caminhando pela Base Aérea de Brasília. Ajudante de ordens a tiracolo, embarca no avião oficial rumo a Angola.

Com o titular da República internado por não conseguir fazer cocô e sem parar de soluçar, o general de quatro estrelas que ocupa o segundo posto na hierarquia nacional era o emissário brasileiro que participaria da reunião de chefes de Estado da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), convocada para Luanda, capital da nação africana. Por lá também seria abordado um assunto importante: o recente acordo que facilitará a circulação de cidadãos desses países entre si.

Mas a pauta do oficial linha-dura era outra. Quem vê sua carcaça de general fitness, que faz flexões todo suado na frente da imprensa, sempre com cara de mau e encarnando o típico milico brabo, bicho solto, guardião dos vícios autoritários das Forças Armadas mais golpistas da América Latina, não imaginava que a missão era defender os interesses financeiros de uma não tão insuspeita igreja neopentecostal que foi enxotada de Angola.

Que se lasque o mundo da lusofonia e os acordos entre as ex-colônias e a ex-metrópole. A prioridade era o dízimo de terceiros.

Há poucos meses, a Procuradoria-Geral da República angolana e o Serviço de Investigação Criminal (SIC) identificaram com provas a existência de um sofisticado e robusto esquema, dentro da Igreja Universal do Reino de Deus, de “branqueamento de capitais”, como chamam as autoridades locais o crime batizado por aqui lavagem de dinheiro.

De saco cheio dos desmandos promovidos pela seita extremista em seu território, o governo do presidente João Lourenço botou a caterva para correr da ex-colônia portuguesa e deu o controle da igreja para membros locais da entidade, banindo várias lideranças brasileiras da IURD que viviam lá.

Dito isso, vem a revelação mais perturbadora sobre a ida de Mourão ao país africano: ele viajou a Luanda, junto de uma comitiva de deputados ligados à Igreja Universal, liderados por Marcos Pereira (Republicanos-SP), “bispo” da multinacional da fé, para fazer papel de menino de recado da instituição de Edir Macedo, disposto a colocar o prestígio que tem como inquilino do Palácio Jaburu, de segundo homem na hierarquia da

República, a serviço dos interesses de uma organização privada, acusada de inúmeras ilegalidades aqui e lá, esperançoso de poder reverter o pé na bunda tomado pelo grupo empresarial religioso brasileiro.

Deu com a cara na porta.

Não conseguiu tratar do assunto com autoridades angolanas e viu a comitiva ser repelida pelo governo africano, que se recusou a receber os parlamentares brasileiros ligados aos interesses de Edir Macedo.

A que ponto chegamos. Já não fazem mais generais (ainda que golpistas) como antigamente. Vemos agora o vice-presidente da República, um general de Exército de quatro estrelas, epítome do milico suadão de boné atochado na cabeça e de Ray-Ban espelhado, que curte fazer barras pela manhã, com sua correntinha e plaquinha de identificação penduradas no pescoço, cruzando o Atlântico, sem medir esforços, para salvar grupo religioso acusado de lavagem de dinheiro no exterior.

O Brasil tá é bom de acabar. Nem as ervas mais daninhas conseguimos produzir com “qualidade”.

Henrique Rodrigues
Jornalista e professor de Literatura Brasileira.

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