General Eduardo Pazuello e coronel Elcio Franco, respetivamente ex-ministro e secretário-executivo do Ministério da Saúde do governo Bolsonaro na pandemia
José do Vale: Bolsonaro e militares desqualificados no Ministério da Saúde são os responsáveis pela tragédia da covid no Brasil
A geração atual associou-se ao destravamento neoliberal das reformas. E radicalizou as posições neoliberais do estado mínimo.
Agora, ela integra o governo ultradireitista e ultra neoliberal de Bolsonaro.
A geração Geisel entendia a importância do Estado e da burocracia técnica.
Já o general Eduardo Pazuello anulou ideologicamente as posições técnicas.
Aí, restou-lhe enfrentar os negócios do Centrão, gerando briga de quadrilhas, segundo a CPI da Pandemia.
As diferenças são gritantes.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Conferência Nacional de Saúde foram criados na Constituição de 1934.
Todos os governos militares pós-golpe de 1964 tiveram que recorrer à saúde pública, mesmo com as perseguições a Manguinhos e a tentativa de privatizar a assistência médica feita por Leonel Miranda, ministro da Saúde no governo Medici.
O golpe de 1964 inaugurou um período de perdas incalculáveis para a ciência nacional.
A ditadura militar brasileira passou a perseguir politicamente muitos cientistas.
As perseguições a Manguinhos referem-se às ocorridas no então Instituto Oswaldo Cruz (IOC), hoje Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Dez cientistas do IOC/Fiocruz foram cassados em 1º de abril de 1970 com base no Ato Institucional n.º 5 (AI-5).
A cassação foi ordenada por Francisco de Paula da Rocha Lagoa, ministro da Saúde do governo Medici. O caso ficou conhecido como Massacre de Manguinhos.
Em1986, os cientistas cassados de Manguinhos foram reintegrados: da esquerda para a direita, Augusto Perissé, Tito Cavalcanti, Haity Moussatché, Fernando Ubatuba, Moacyr Vaz de Andrade, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Herman Lent, Sebastião José de Oliveira e Domingos Arthur Machado. Foto: Daniel Elian/ Acervo da Casa de Oswaldo Cruz.
Leonel Miranda, como disse há pouco, tentou privatizar a assistência médica, especialmente o Inamps.
O modelo foi tão desastrado que multiplicaria por dezenas os custos médicos e quebraria a Previdência Social. Acabou não vingando, é claro.
Voltando ao Brasil atual.
Bolsonaro começou com Luiz Henrique Mandetta (1º de janeiro de 2019 a 16 de abril de 2020) à frente do Ministério da Saúde.
Além de ter apoiado o golpe contra Dilma, Mandetta, que é do DEM, carrega no seu DNA o gene da ideologia da privatização do Sistema Único de Saúde (SUS).
Àquela altura, o Ministério da Saúde já havia sofrido o impacto da ânsia negocial com recursos públicos de Ricardo Barros, ministro do governo Temer.
Em 2020, a pandemia se instalou no Brasil.
Bolsonaro, assustado com o impacto econômico dela, manobrou para contrariar todas as medidas sanitárias necessárias para enfrentar a covid-19.
Mas, aí, encontrou a resistência do SUS. Desde o Ministério da Saúde às capitais e municípios dos estados, passando pelas secretarias estaduais de Saúde.
Em 16 de abril de 2020, Mandetta saiu.
Nelson Teich assumiu, ficou menos de um mês como ministro da Saúde.
Pazuello, que era secretário-executivo do Ministério da Saúde, assumiu interinamente.
Em junho de 2020, foi nomeado Ministro da Saúde interino.
Em 14 de setembro de 2020, Bolsonaro anunciou Pazuello no cargo de ministro da Saúde.
Bolsonaro, ao nomear o general Pazuello, não apenas fez uma mudança no comando do Ministério da Saúde.
Passou a agir ideologicamente, passando a perseguir os quadros técnicos de controle de doenças, vigilância epidemiológica, normas técnicas de conduta e de padronização dos insumos necessários (equipamentos, vacinas, medicamentos, oxigênio), compras e distribuição dos meios para prevenir a transmissão do vírus e recuperar os doentes.
Radicalizou ideologicamente ao colocar um general e um grupo de militares a ocupar os principais cargos do Ministério da Saúde.
Além de não entenderem NADA do SUS, não entendiam NADA de controle de doenças, mais especificamente de epidemias.
Excluiu a inteligência e colocou no lugar “especialistas” em suprimento e logística.
Ao retirar a mediação da burocracia especializada em saúde, restou ao desqualificado grupo de militares o confronto com o afrouxamento ético e dos controles das compras públicas, uma herança da gestão de Michel Temer.
A CPI da Covid, no Senado Federal, está convicta de que em plena pandemia restou uma briga desgraçada de quadrilhas em torno do tesouro nacional, especialmente na compra de vacinas.
Ao mesmo tempo, o vazio de normas técnicas fundamentadas gerou um “gabinete sombra”, ou “paralelo”, cujo principal conteúdo foi a compra de toneladas de cloroquina e a captura de grupos médicos, propagandeando um suposto tratamento precoce.
Ineficaz, o “tratamento precoce” gerou enormes lucros para laboratórios.
Resultado: já estamos no segundo semestre de 2021, e o Brasil é um dos países com maior atraso na cobertura de vacina contra a covid-19 no mundo.
Tem a segunda maior taxa de pessoas infectadas por um milhão no mundo e a primeira taxa de mortes por milhão entres os países com 50 milhões ou mais de habitantes.
Os efeitos demográficos já começam a ser sentidos.
Segundo José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo aposentado do IBGE,
Estima-se uma redução de 300 mil nascimentos em 2020 com efeito igual em 2021.
Até 19 de junho de 2021, a epidemia já provocou a morte de 542.877 pessoas.
Os efeitos demográficos já reduziram a expectativa de vida do brasileiro ao nascer em quase dois anos. Em 2020, caiu de 76,7 anos para 74,8. Em 2021, deverá ser pior.
Considerem-se ainda os efeitos sociais e econômicos, com os impactos culturais e familiares com perdas substantivas de pessoas na faixa de idade acima dos 60 anos, apagamentos de memórias coletivas, desalento por exclusão de afetos, além do desarranjo político em razão de um Estado ineficiente e de um governo envolvido em escândalos e corrupções.
A ideologia de extrema direita do governo Bolsonaro marca o futuro do país num momento crítico de sua virada demográfica e de nova conjuntura do poder mundial.
*José do Vale Pinheiro Feitosa é médico sanitarista.
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