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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), responsável pela defesa de direitos humanos divulgou uma nota, defendendo que o combate à corrupção deve ser com respeito ao devido processo legal e à liberdade de imprensa.

O órgão destaca que o texto foi motivado pelas revelações na imprensa de diálogos “mantidos entre agentes públicos do sistema de Justiça no contexto da Operação Lava Jato”. Desde o dia 9 de junho, o site The Intercept Brasil vem publicando uma série de reportagens mostrando que o então juiz Sérgio Moro mantinha contato direto com os procuradores da força tarefa da Lava Jato, inclusive orientando o órgão de acusação e, até mesmo, adiantando suas decisões – ações incompatíveis com o dever de juiz, conforme a legislação nacional e internacional.

Neste domingo (14), em parceria com a Folha de S.Paulo, o Intercept revelou ainda que o coordenador da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol queria aproveitar a fama e contatos obtidos da Lava Jato para lucrar vendendo palestras. Por lei procuradores podem aceitar convites para ministrar cursos e palestras gratuitos ou remunerado.

Em nota, a Procuradoria aponta que a prevenção e o combate intransigente à corrupção são legítimos quando se articulam com o respeito ao direito dos investigados e acusados de responderem a um processo justo, bem como com a liberdade de manifestação jornalística e de garantia do direito coletivo de receber e buscar informação.

Ao analisar o quadro normativo que incide sobre esse cenário, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que a corrupção é um grave obstáculo para a afirmação do Estado Democrático de Direito. “Ela reduz a capacidade dos governos de prover serviços fundamentais, amplia desigualdades e injustiças e compromete a legitimidade de instituições e processos democráticos”.

O órgão do Ministério Público Federal ressalta que tanto países ricos quanto pobres sofrem com a corrupção e seus efeitos, nas esferas públicas e privadas, independentemente de seus sistemas políticos ou econômicos e do grau de desenvolvimento. Porém, são sempre as populações mais desfavorecidas e menos representadas nos espaços democráticos que suportam o maior ônus. “Em sociedades extremamente desiguais, como a brasileira, a corrupção contamina na raiz o cumprimento do objetivo fundamental, fixado na Constituição, de construir um país livre, justo e solidário”.

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A nota pública esclarece que o enfrentamento à corrupção, como a qualquer outra violação aos direitos humanos, deve respeitar integralmente todos os direitos fundamentais ou humanos fixados na Constituição e no direito internacional. Do contrário, suprimir-se-ia a legitimidade do próprio esforço de combatê-la. “É inadmissível que o Estado, para reprimir um crime, por mais grave que seja, se transforme, ele mesmo, em um agente violador de direitos fundamentais”, ressalta a PFDC.

Para a Procuradoria, a investigação, acusação e punição de crimes em situação alguma podem se confundir com uma cruzada moral ou se transformar num instrumento de perseguição de qualquer natureza. Nessa perspectiva, um dos elementos essenciais do devido processo legal reside no direito a um julgamento perante juízes competentes, independentes e imparciais, no qual o réu e seus advogados são tratados com igualdade de armas em relação ao acusador. “É, portanto, vedado ao magistrado participar da definição de estratégias da acusação, aconselhar o acusador ou interferir para dificultar ou criar animosidade com a defesa”.

Em igual sentido se orientam o direito internacional dos direitos humanos e o direito penal internacional, os quais determinam que, em qualquer sistema jurídico-penal, seja acusatório ou inquisitorial, os acusados têm direito a um julgamento justo. “No caso brasileiro, tomando em consideração que a Constituição de 1988 adotou o sistema acusatório como estrutural do sistema penal, um julgamento justo somente ocorrerá quando estritamente observada a separação do papel do Estado-acusador (Ministério Público) em relação ao Estado-julgador (juiz ou tribunal). Portanto, o réu tem direito a ser processado e julgado por juízes neutros e equidistantes das partes. O processo no qual juízes, mesmo sem dolo, ajam, direta ou indiretamente, na promoção do interesse de uma das partes em detrimento da outra estará comprometido”.

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Sobre o devido processo legal, a PFDC aponta que a dinâmica de processos complexos muitas vezes culmina em conversas, fora dos autos, entre o juiz, os advogados das partes e os membros do Ministério Público. “Embora seja aconselhável que esses diálogos ocorram com a presença da parte adversa, não se pode rotular de ilícita essa espécie de contato. A prática está arraigada no Judiciário brasileiro e, inclusive, foi definida como um direito da parte no Estatuto dos Advogados. Seu propósito é permitir que os representantes das partes possam expor suas teses aos magistrados. O magistrado deve escutar o advogado ou membro do Ministério Público, podendo fazer indagações”.

A PFDC ressalta que não é permitido ao magistrado, porém, emitir juízos prévios sobre a situação concreta e, muito menos, aconselhar as partes, recomendar-lhes iniciativas ou transmitir-lhes informações privilegiadas. De acordo com o órgão, não bastasse a Constituição e os tratados internacionais, o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civildefinem essas condutas como suspeitas, dando ensejo ao afastamento do juiz do caso e à nulidade dos atos por ele praticados.

“Essas regras do devido processo legal e do julgamento justo são de observância obrigatória. Não se pode cogitar que o combate à corrupção, ou a qualquer outro crime grave, justifique a tolerância com a quebra desses princípios, a um só tempo de ordem constitucional e internacional. Os custos de uma argumentação em favor de resultados, apesar dos meios utilizados, são demasiado altos para o Estado Democrático de Direito”, destaca a PFDC.

Por fim, o órgão chama atenção o direito da imprensa, apontando que a liberdade de expressão e o direito de acessar, buscar e receber informação são alicerces da democracia – dada a sua importância para a concretização da liberdade de opinião e de manifestação do pensamento, a transparência pública e a organização social.Para a PFDC, esses direitos se fortalecem com a liberdade de informação jornalística ou liberdade de imprensa, ferramenta indispensável para a projeção coletiva e difusa da informação e da manifestação.

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O documento relembra que o Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a Constituição brasileira na matéria, decidiu que a liberdade de imprensa não pode ser constrangida por censura em nenhuma hipótese e, apenas por via reparatória, posteriormente à publicação, a responsabilidade do meio de imprensa poderá ser sancionada.. Assim, não é possível censura prévia a qualquer publicação jornalística, ainda que ela incorra em ilegalidades ou abusos, inclusive no que diz respeito ao direito de privacidade.

O órgão do MPF aponta que a ilegalidade na obtenção das mensagens também não obstrui o direito de publicação. “Eventual responsabilidade pela invasão indevida de privacidade deve ser investigada de modo autônomo e, se comprovada, sancionada, sem, contudo, interferir na liberdade de publicação dos conteúdos”. De acordo com a PFDC, a vedação constitucional à censura e o regime de proteção à liberdade de informação tornam ilícita qualquer tentativa de represália aos meios de comunicação que participam das publicações. Nesse sentido, iniciativas desse tipo podem, inclusive, ser consideradas crime de responsabilidade e improbidade administrativa.

A nota ressalta, ainda, que o Estado deve informar se pende alguma investigação em face de jornalistas ou meios de comunicação que estejam envolvidos com a publicação de informações jornalísticas de potencial desagrado de autoridades – de modo a assegurar a garantia da transparência e da liberdade de imprensa.