A manifestação ocorrida no último domingo (23) em São Paulo contra o PL 1904, que prevê uma pena para a mulher (ou adolescente) que pratica o aborto superior àquela imposta a quem comete estupro, provou que a reprovação à proposta em curso não se restringe à seletos segmentos da sociedade.
A mobilização, justamente, ilustrou que a rejeição popular ao projeto não se limita à uma “retórica feminista, malabarismo retórico”, conforme nomeado pela deputada federal pelo PL-RJ, Chris Tonietto, em debate realizado na imprensa há dez dias. Pelo contrário.
O ato teve como um de seus objetivos, além de reforçar a pressão para o arquivamento da PL, seguir os efeitos da manifestação anterior, do dia 14/06, que levou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) a prorrogar a votação para o próximo semestre. A deputada federal Samia Bonfim (PSOL-SP), uma das lideranças contra o projeto e por trás do próprio ato, frisou a importância da continuidade das manifestações: “Essa mobilização, pelo menos a repercussão que teve no Brasil e o fato deles terem recuado, ao menos por hora, no projeto, aponta um caminho tão complexo quanto possível”. De acordo com a parlamentar, “se a gente acertar no discurso e soubermos construir maioria”.
O DCM acompanhou do início ao fim a manifestação do último domingo. A união de diferentes movimentos políticos sociais – de variadas bases partidárias – foi visível desde a concentração, no vão do Masp, na avenida Paulista, que recebeu milhares de pessoas de gêneros, idades e ideologias.
“A bandeira contrária ao PL do Estupro uniu diversos “feminismos”, e isso fica visível nessa manifestação”, disse a militante Malu, do Coletivo Juntas. “Em geral, aqui em São Paulo, temos coordenado todas essas mobilizações em forma de uma frente chamada Frente Estadual pela Legalização do Aborto, composta por diversos coletivos, com diferenças políticas, opiniões. Vejo como uma expressão dessa pluralidade”, completou.
Já a militante Rana, do mesmo coletivo, destacou que a mobilização popular teve o condão de espalhar a discussão pela sociedade como um todo: “Nós tivemos uma movimentação muito grande, milhares de pessoas em todo o país, e o nosso desafio agora é justamente saber como levar esse movimento. Porque o Lira sentiu forte o nosso baque, o Congresso sentiu, inclusive os deputados conservadores.”
As militantes explicaram ainda que a unificação não se deu apenas em São Paulo, mas no Brasil todo, com a convocação de atos por todo o país na próxima quinta feira, 27 de junho.
No último domingo, o que se viu na Paulista, além do encontro de movimentos sociais e políticos de diversos partidos de esquerda, contou com presença significativa de mulheres de todas as gerações (idosas, mulheres, adolescentes), em grupo ou sozinhas, acompanhadas de esposos ou esposas. O ato também contou com homens, isolados ou acompanhados, integrando movimentos políticos ou observando distantes, jovens ou já na terceira idade, com adesivos marcando o apoio às mulheres em suas camisetas.
A energia de adesão que marcou o começo foi sustentada no curso do ato, que mesmo saindo 16h45 para a caminhada permaneceu articulado na simultaneidade dos diversos movimentos e manifestantes. Essa participação ativa foi verificada também no tamanho da manifestação, que chegou a tomar quatro quarteirõesna Paulista.
A coesão que caracterizou o ato se evidenciou nos jograis, cantados do início ao fim. As palavras de ordem “O que a gente quer? Reabre Cachu!” (em referência ao serviço de aborto legal no Hospital Cachoeirinha, na capital paulista) soaram nítidas e fortes.
A aposentada Francisca Garcia, 61 anos, explicou, quando perguntada a respeito do motivo de identificação com a marcha, por que o tema furou a bolha feminista e da esquerda: “É pelo estupro de uma criança, que eu não concordo que essa criança tenha um filho. Uma criança não pode ser mãe, de maneira alguma. Eu fico pensando nos meus netos, nas crianças tendo um filho… eu sou contra o aborto, mas tem alguns casos que é impossível. Crianças certamente estão mais expostas, a gente sabe que dentro da casa é onde mais acontece o estupro, e é justamente nesses lugares onde a criança não tem proteção nenhuma”.
O ato contra o PL 1904 teve a dispersão ocorrida na praça Roosevelt, próximo às 18h30, de forma organizada e pacífica. Foi plural porque a luta Criança Não é Mãe é plural. É sobre meninas, meninos, adolescentes, seus familiares, todos, todas e todes.
Com informações do Diário do Centro do Mundo
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