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o Brasil, é costume o reitor das universidades federais ser escolhido por eleição direta.

Apenas professores com o título de doutor, no mínimo, podem se candidatar.

Docentes, estudantes, servidores e funcionários votam.

A partir do resultado, o Conselho Universitário da instituição elabora a lista com os três mais sufragados e a encaminha ao Ministério da Educação (MEC) e à Presidência da República, a quem cabe a nomeação.

Os governos Lula e Dilma (PT) nomearam — sempre — o primeiro colocado na votação da comunidade acadêmica.

O presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), não.

Dos 50 reitores que designou, 19 não eram os primeiros da lista.

Cândido Albuquerque, da Universidade Federal do Ceará (UFC), é um deles.

Obteve apenas 4,61% dos votos. Um escândalo.

Tornou-se o reitor-interventor lanterninha do País.

Em fevereiro deste ano, ele próprio bancou no Conselho Universitário a concessão do título de doutor honoris causa ao empresário Beto Studart.

Outro escândalo, até porque Beto Studart, que se diz “Bolsonaro doente”, postou 12 dias depois na internet um vídeo, manuseando um punhal que tem grafadas a efígie de Bolsonaro e a palavra Mito. Veja abaixo.

“Empobrece a UFC em vez engrandecê-la”, lamentou.

Não é o único.

Viomundo perguntou a três professores da própria UFC o que achavam do caso.

O desconforto é geral, como mostram os depoimentos dos docentes Ângelo Brayner (Ciência da Computação), Newton Albuquerque (Direito) e Bruno Rocha (Bioquímica e Biologia Molecular), que preside a ADUFC — Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará.

Confira-os.

Da esquerda pra direita, professores Ângelo Brayner, Newton Albuquerque e Bruno Rocha

ANGELO BRAYNER*: INTERVENTOR E PREMIADO, DUPLO ABSURDO

“A concessão do título doutor honoris da UFC ao empresário Beto Studart é realmente um duplo absurdo.

Primeiro, pela falta de representatividade do interventor, que foi quem solicitou a concessão do título.

O interventor não tem representatividade alguma na comunidade acadêmica da UFC, vide a votação que obteve na eleição de 2019.

Nunca teve vivência acadêmica dentro da própria Universidade.

Sempre esteve muito mais preocupado com seu escritório de advocacia do que com a UFC.

Tanto que nem pesquisador é. Afora, o título de doutorado que conseguiu, apenas deu aulas.

É uma pessoa que tenta burlar as regras da própria Universidade.

Por exemplo, tinha o título de livre-docente pela Universidade Vale do Acaraú [UVA, com sede em Sobral, é uma das três universidades estaduais do Ceará].

Mas, para galgar cargos na Universidade Federal do Ceará, pleiteou que o título da UVA fosse reconhecido pela UFC como doutorado.

Obviamente, a UFC não aceitou.

Segundo absurdo, pelo recebedor do título.

O empresário Beto Studart é um reconhecido negacionista.

Faz questão de se manifestar publicamente contra a pública e gratuita, e, com isso, bate de frente com o que pensa a comunidade acadêmica da UFC.

Também não tem mérito algum para receber o título, pois nunca investiu na universidade nem em pesquisa científica.

É o típico capitalista que gosta do capitalismo selvagem, que só visa aos lucros. Ou seja, tudo aquilo que a comunidade acadêmica da UFC mais abomina.

Para culminar, o vídeo no qual ele induz abertamente a população a usar armas.

Ganhando a eleição presidencial um candidato mais à esquerda, será necessário inicialmente retirar os interventores das universidades, para colocar no cargo quem realmente merece estar.

No caso da Reitoria da UFC, seria o professor Custódio [Custódio de Almeida, professor de Filosofia, que obteve 64,8% dos votos na eleição interna de 2019].

Na sequência, revogar o título de doutor honoris causa de Beto Studart. A Universidade, do mesmo modo que tem autonomia para conceder o título, tem para retirá-lo.

Eu vou puxar um movimento nesse sentido.

Tenho certeza de que a ADUFC [ADUFC Sindicato – Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará] também fará o mesmo.

A concessão desse título não vai ficar barata para o empresário Beto Studart”.

*Angelo Roncalli Brayner, professor doutor adjunto do Curso de Ciência da Computação da UFC.

NEWTON ALBUQUERQUE*: TÍTULO A STUDART DESTOA DOS CRITÉRIOS DO HONORIS

“A concessão do título honoris causa pela UFC deveria se pautar pelo mérito da contribuição trazida pelo agraciado ao interesse público, notadamente à cultura, à ciência, à cidadania, ao meio ambiente, etc.

A concessão a Beto Studart destoa radicalmente desses critérios.

Sua ação sempre foi voltada ao interesse dele próprio e do empresariado, sem maiores preocupações com nossa realidade.

Com o agravante: suas declarações frequentemente atacam a democracia, o estado democrático de direito, estimulam a violência, menosprezam as agruras sofridas pelo povo brasileiro e cearense, que deveriam ser reprovadas pela UFC, seus órgãos e direção.

A concessão do título a Beto Studart avilta o ethos universitário, frustra sua responsabilidade institucional maior, qual seja, a do exercício empático do saber científico com fundamentos éticos, dialógicos junto à comunidade”.

*Newton de Menezes Albuquerque, professor da Faculdade de Direito da UFC.

BRUNO ROCHA*: DESRESPEITOU REGRAS; TÍTULO BANALIZADO PARA FINS PRIVADOS

“O título doutor honoris causa é uma deferência a personalidades por uma relação importante com a academia, nas artes, na ciência.

Nos impressionou muito a forma como foi concedido a Beto Studart.

Foi tudo muito apressado.

O processo não obedeceu às regras do Conselho Universitário (Consuni), que sequer foi consultado antes.

O título foi incluído repentinamente na pauta do Consuni.

Os conselheiros não tiveram tempo para analisar com antecedência o perfil do indicado, cujo nome partiu da própria reitoria.

E, no meio da reunião, já havia relatório pronto, feito por um dos membros do Conselho…

O que nos preocupa bastante.

Primeiro, porque o próprio homenageado exibiu recentemente posicionamentos pouco condizentes com o título que lhe foi conferido.

Segundo, porque está banalizando o título de doutor honoris causa da UFC para fins privados.

Até porque a UFC está sob a intervenção de Cândido Albuquerque, que – todos sabemos – mantém relações empresariais como a com Beto Studart e tem tentado trazê-las para dentro da Universidade, divulgando como uma coisa boa.

Só que sem avaliação efetiva da comunidade universitária e dos interesses públicos relacionados a isso.

Definitivamente, o título não pode estar vinculado ao fato de alguém ser empresário bem sucedido”.

*Bruno Rocha, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC e presidente da ADUFC – Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará.

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