DF sobre trilhos
A glória do passado e a incerteza do futuro
À espera do trem
“Toda cidade nasce à margem de um rio, do leito de uma estrada de ferro, de uma rodovia ou à beira do mar. Brasília foi diferente. Nasceu sozinha, no meio do Planalto. Para ter água, o homem fez um lago artificial. Para ter estrada, o asfalto é que veio em sua direção, e como o mar está a mil metros na vertical e a mil quilômetros na horizontal, a solução foi trazer também o trem.”
O texto publicado em caderno especial do Correio Braziliense em 24 de abril de 1968 resumia a importância da chegada do trem a Brasília. O meio de transporte era tratado como patrimônio da cidade e aguardado por pelo menos oito anos, quando surgiu a primeira promessa de sua chegada.
O fotógrafo Eduardo Roberto Stuckert registrou o momento para a publicação especial. Carregava suas rolleiflex, como de praxe, na pauta mais importante do dia. A cidade parou para ver e o trem não decepcionou: chegou sem atraso. Delírio, choro, palmas, risos e gritos marcaram o momento. “Vieram a euforia e a emoção”, resume Roberto Stuckert, hoje com 76 anos, que estava ao lado do pai no momento da chegada da locomotiva.
Na Brasília repleta de candangos, muitos deles vindos de Minas Gerais e de São Paulo, locais atendidos pela linha férrea, aquele instante representou a esperança. De estar mais perto de casa. De testemunhar o desenvolvimento da cidade que ajudaram a levantar do barro vermelho. Para Stuckert, o filho, o acontecimento foi tão importante quanto o dia da inauguração da nova capital. “O trem foi uma coisa bonita”, afirma.
Os moradores, no entanto, só puderam embarcar na locomotiva meses mais tarde. Há exatos 50 anos, em 16 de dezembro, às 12h15, o imponente Expresso de Prata, o mais moderno meio de transporte de passageiros da década de 1960, da então Companhia Mogiana, estacionou na Cidade Livre.
Pairava no ar um cheiro adocicado, mistura do aroma de laranja, pipoca e outras comidas vendidas no improviso de grandes eventos. Crianças, mais de 1 mil, corriam pela estação Bernardo Sayão, ao redor e dentro dos vagões, explorando cada centímetro do primeiro trem de passageiros de Brasília.
Assim como boa parte da população, Roosevelt Dias Beltrão, 68 anos, hoje comerciante, estava na estação quando o Expresso de Prata chegou. Era gente para todo lado. Mais de 3 mil, segundo os registros da época. “Embarquei no trem algumas vezes. Tinha uma fazenda entre Luziânia e Cristalina (cidades de Goiás próximas de Brasília). Ia de trem pelo prazer de andar de trem. Quando chegava à estação, descia, tomava umas pingas e ia a pé ou chamava alguém para me pegar na rodovia. Era bom demais”, conta.
A ligação dele com o Expresso de Prata começou porque o pai, Djalma da Fonseca Beltrão, foi condutor de trem. Era ele quem picotava os bilhetes, fiscalizava os vagões e dava a ordem para a partida. A convite do Correio, Roosevelt refez a viagem, de carro.
A primeira parada é a própria estação Bernardo Sayão. Afastados da via, a cobertura e a sequência de bancos de madeira de frente para os trilhos não deixam dúvidas do passado. “Era a chegada do progresso, a ligação de Brasília com São Paulo e com o Rio Grande do Sul. E representou um frete até 40% mais barato. Eu tinha uma adega de vinhos e queijos. As mercadorias demoravam até um mês e meio para chegar. Porém, valia a pena. Foi bom para os negócios de todo mundo.”
O progresso chegou
Aos 96 anos, Mário de Almeida já fez de tudo um pouco. O primeiro emprego foi na então Estrada de Ferro Central do Brasil. Começou como agente de estação, uma espécie de faz-tudo, e terminou como diretor comercial da Rede Ferroviária Federal, fundada em 1958. Na tarde de 16 de dezembro de 1968, ele estava entre as quase 3 mil pessoas à espera do trem.
Ele embarcou uma única vez no Expresso de Prata. De Brasília a Araguari, viajou no vagão leito, com camas. De Araguari para São Paulo, no compartimento com poltronas acolchoadas na cor vermelha. Havia ainda um terceiro vagão, onde as cadeiras eram de madeira. “Tinha restaurante, bebida, era uma viagem muito confortável e tranquila para quem não tinha pressa de chegar”, conta Mário
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