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Como se não bastassem as imensas  dificuldades enfrentadas pela resistência democrática para defender os direitos de Lula disputar a presidência,  apareceu uma conversa fora do lugar.

A tese é assim. Caso Lula seja impedido de candidatar-se, como boa parte dos analistas acreditam, não restará a seus herdeiros políticos, aliados e eleitores, alternativa melhor do que anular o voto como forma de protesto e denúncia.

Num momento em que todo cuidado é pouco, e nenhum passo em falso deixará de prejudicar os interesses e reivindicações da maioria dos brasileiros, é bom debater essa questão.

Reação  frequente em momentos de desencanto popular com a política, minha opinião é que o voto nulo é sempre uma decisão delicada. Mas pode justificar-se, ou não, conforme o momento político.

Sob a ditadura militar, quando a vida política era limitada a dois partidos criados pelo regime, que disputavam apenas cargos nas câmaras de vereadores e no Congresso, sem   nenhum poder real de ação política, havia uma base legítima para se defender a anulação dos votos. Era uma forma de denúncia numa situação sem horizonte  e sem esperança.

Ainda assim, sempre se poderá lembrar a campanha de 1974. Realizada numa virada para baixo do regime, a eleição daquele ano marcou uma derrota espetacular da ditadura e sem dúvida ajudou a abrir caminho para a democratização.

Um problema do voto nulo, em 2018, é que, apesar do provável veto a Lula, as eleições diretas para presidente não foram abolidas.

Apesar dos permanentes esforços da elite dirigente   em desmoralizar e criminalizar o voto popular, ele  continua sendo encarado pela grande maioria dos brasileiros como um instrumento importante de ação política.

Mais uma vez: em 1965, o regime cancelou as diretas para presidente, governador de Estado e prefeitos de capital e estancias minerais. Em 2018,  a população conseguiu preservar o direito de debater escolhas políticas para encaminhar as melhores soluções para seus problemas. Caso venha a se efetivar, o veto a Lula implicará na perda do direito de escolher livremente seus  candidatos. Mas não representa o fim do direito de voto — mesmo com restrições.

Neste ambiente, a  realização de eleições pode  fortalecer um possível candidato-substituto que vier a ser escolhido para representar Lula e o PT na eleição. Ele falará em nome de um projeto político vitorioso, com apoio do mais popular presidente que a República brasileira já produziu.

Protagonista maior de nossa história, a importância de Lula é única,  como liderança e como personalidade pública. Ele já se  mostrou insubstituível em várias ocasiões — confirmando essa condição também na prisão.

Cabe lembrar um ponto que ele sempre foi o primeiro a reconhecer, contudo. Apesar de sua liderança  individual gigantesca,  Lula é a expressão de um projeto coletivo,  que sintetiza de vontade de mudanças, partilhada por milhões de trabalhadores e pelo povo explorado.

As conexões entre ele e o Partido dos Trabalhadores são tão claras, coerentes, comunicando-se entre si. Tanto que Lula lidera as pesquisas presidenciais enquanto o PT possui  a maior aprovação entre os partidos políticos brasileiros.

Neste aspecto, uma segunda consequência nefasta da conversa de anular o voto implica em apagar todo papel efetivo que o PT possa vir a ter na campanha presidencial. Depois da cassação de Lula, promove-se a renuncia voluntária de seu partido a assumir qualquer papel relevante em 2018.

Estamos falando do maior partido operário de nossa história, aquele que anima a central sindical de maior influência e que, em 2014, elegeu a maior bancada de parlamentares. A quem interessa silenciar tudo isso?

Numa de suas mais felizes e conhecidas afirmações, Karl Marx disse que os homens não têm o direito de escolher as condições em que atuam politicamente — pois estão condenados a agir sob condições dadas objetivamente pela conjuntura.

Desse ponto de vista, é preciso levar a defesa de Lula a seu limite máximo. Nenhuma concessão ou recuo pode ser aceitável. Planos B só servem para dispersar, enfraquecer.

A irresponsabilidade histórica também não ajuda.

Enfrentando derrotas sucessivas desde a deposição de Dilma Rousseff seria absurdo deixar de utilizar uma oportunidade inegável para criar uma oportunidade política para barrar um novo retrocesso e até promover uma virada na situação. Quem sabe, com um pouco de sorte, pode até ser possível reconquistar a presidência, que parece quase garantida com a presença de Lula na campanha.

Sabemos que não existe espaço vazio nas lutas políticas. Num país onde o direito de voto persiste como o principal instrumento de participação política da maioria, os principais beneficiários de uma campanha pelo voto nulo  se encontram fora do PT,  até em forças que trabalham dia e noite contra o partido e contra Lula.

Com a conversa do voto nulo, os herdeiros políticos de Lula deixarão um imenso espaço aberto para a atuação de auto-nomeados substitutos e mesmo aventureiros com graus variados de escrúpulos.

Negativo por definição, o voto nulo é acima de tudo dispersivo. Seus maiores beneficiários habitam a nuvem de candidatos presidenciais com déficit de apoio popular, em busca desesperada de uma vitaminada em seus votos.

Basta procurar conhecer detidamente os humores e conexões do eleitorado, para reconhecer que até o fascismo de Bolsonaro pode se beneficiar com a decisão.

Alguma dúvida?

PAULO MOREIRA LEITE
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA

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