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Na data que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra – 20 de novembro – o Jornal TaguaCei recebeu em sua redação um dos mais importantes líder da luta pela promoção da igualdade racial em Ceilândia e no Distrito Federal. Veridiano Custódio de Brito falou sobre a luta do negro, em especial no DF, e disse que o racismo só será extinto da sociedade a partir do momento em que todos os cidadãos tiverem direito ao acesso igual à educação de qualidade.

Veja abaixo a entrevista completa.

Como o senhor vê o dia 20 de novembro, quando se celebra o Dia Nacional da Consciência Negra?

Veridiano Custódio – Nós vivemos quase 400 anos de escravização negra. Foi um processo muito doloroso para o povo negro e só depois de muita luta, em 1988, que nós conseguimos nossa liberdade de acabar com o processo de escravização no Brasil.

Só que esse processo deixou um resquício. Para termos uma ideia, temos pouco mais de 120 anos de abolição da escravatura – é um período histórico muito curto – e isso contribui para a demorada de tempo para que a sociedade possa assimilar [o negro enquanto cidadão].

Então hoje estamos vivendo o resquício desse processo [da escravidão] que a sociedade brasileira viveu. Os negros ainda estão na base da pirâmide social, tem os menores índices de escolaridade, ocupa os piores cargos, principalmente na iniciativa privada; os negros são os mais pobres;

 E durante o processo do presidente Lula, que elaborou e colocou em prática vários programas que deu oportunidade à população negra a ter ascensão social, mas hoje nós ainda estamos vivendo num processo com muito racismo, muita discriminação e injúria racial que acontece em nosso país.

” Os negros ainda estão na base da pirâmide social, tem os menores índices de escolaridade, ocupa os piores cargos, principalmente na iniciativa privada; os negros são os mais pobres.” – Arte:camarasantaluziadopara.pa.gov.br

J. T. – A lei que estabelece o Dia Nacional da Consciência Negra foi sancionada em 2011. O senhor vê diferença entre antes e depois da promulgação da lei?

V. C. – Muita diferença. Por antes o racismo era praticado abertamente. Por exemplo, eu mesmo sofri [discriminação] e sofro até hoje, então você não podia andar num ônibus, tinha várias piadas colocando a questão negra. Eu e minha esposa mesmo sofremos racismo, pelo fato dela ter a pele um pouco mais clara, ouvi várias pessoas falando que ela não deveria ter casado comigo porque eu sou um negro e ela poderia arrumar coisa melhor. Então, assim, era muito explícito a questão do racismo. Claro que hoje, com a lei (nº 12.519, de 10 de novembro de 2011), fica muito claro o que é crime de racismo e de injúria racial, que pode dar até três anos de cadeia. Então ainda existe racismo, só que de forma mais velada. É claro que com esse novo momento que nós estamos vivendo, que é um processo de retrocesso, pois a direita [Jair Bolsonaro] assumiu o poder, os racistas estão mais aflorados, eles estão se declarando mais, se confrontando mais, mas não resta dúvida que a lei melhorou muito a situação da população negra no Brasil.

J. T. – Como você vê a situação do povo negro em Ceilândia e Taguatinga, particularmente? Ainda há muito que se fazer?

V. C. – Claro que há. Porque se você para outras cidades, eu já estive em Fortaleza e outros lugares, nelas os bairros são misturados. Brasília não. A classe social aqui é dependendo do local de onde você mora. Então a população negra, ela está localizada nas cidades mais pobres do Distrito Federal. Aí você pega Estrutural, São Sebastião, Recanto das Emas, Ceilândia, onde praticamente 70% população é de população negra. E quanto você vai descendo para o centro de Brasília, Cruzeiro, Guará, o próprio Plano Piloto, Lago Norte, Sul, a população negra vai desaparecendo. Então existe um apartheid (separação) aqui em Brasília. E se a gente for ver as pesquisas, o maior número de pessoas desempregadas são os negros e as mulheres negras.

J. T. – Pesquisas mostram que os negros ocupam os piores postos de trabalho e ganham menos do que os brancos. O que poderíamos fazer para mudar essa realidade?

V. C. – Olha, eu acho que o governo do presidente Lula deu alguns passo para acabar com essa desigualdade. Primeiro, o governo assumiu que o Estado brasileiro é racista. Porque quando você assume que é racista você precisa elaborar políticas públicas para combater o racismo e incluir a sociedade na sociedade negra. Então programa como ProUni, Fies, Minha Casa Minhas Vida, o próprio Bolsa Família, deram uma melhorada nas condições da população negra.

Então acredito que nós precisamos avançar mais, com, por exemplo, já há uma lei que garante o percentual de 20% nas universidades públicas, isso fez com que houvesse um avanço, porque as universidades públicas brasileiras tinha 1% de negros, e hoje nós temos quase 16% da população negra nas universidades. Então quando você melhora a questão dos negros nos estudos, a população ter mais acesso à educação, à cultura, isso faz com que haja uma ascensão social onde os negros podem ocupar cargos, seja nas estruturas privada, fazer concurso público, ser advogado, ser juiz, e isso melhora as condições do nosso povo.

Eu sou daqueles que acredita que só o processo da educação, com investimento pesado, principalmente, na educação básica, no ensino fundamental, para que a população negra possa ter base para poder chegar às universidades e com isso nós possamos melhorar as condições dos negros e das negras no Brasil.

J. T. – Eu comecei a minha militância política na luta por moradia. Eu participei dos incansáveis, principalmente acompanhando a minha mãe, isso quando tinha 12 anos. Depois eu me casei, me casei muito novo, e comecei a perceber que “quem casa, quer casa”. Então eu comecei a participar do Movimento dos Inquilinos. Aí eu percebi que não era só uma luta por casa, mas era uma luta por melhoria da cidade, melhoria do DF, do país. Então para você influenciar nas decisões do país, você precisa ingressar num partido político. Aí eu ingressei no Partido dos Trabalhadores (PT). Participei também na comissão do negro dentro do PT, participei também de vários cargos. Fui presidente do PT de Ceilândia por dois mandatos.

Por isso, eu falo que o governo do presidente Lula me ajudou muito. Eu por exemplo, até 2002, 2003, eu ainda não tinha terminado o ensino fundamental. Aí depois eu comecei a estudar e fiz faculdade, fiz o curso de História. Aí no curso de História eu abri minha mente para essa luta de combate ao racismo. Porque o meu trabalho final, quando fiz uma pesquisa, eu quis fazer um relação entre a Constituição de 1891 com a Constituição de 1988. Foi aí que percebi que esse processo da escravidão no Brasil contribuiu muito para a Proclamação da República. Mas aí percebi que precisa melhorar. Então fui fazer uma pós-graduação na UnB, em História da África. Aí esse curso abriu ainda mais minha mentalidade.

Desde então eu venho participando de vários movimentos na luta contra o racismo e pela promoção da igualdade racial.

Reunião de coletivos do povo negro em encontro ocorrido em Ceilândia – Foto: Agência Brasília

J. T – Quando o Dia Nacional da Consciência Negra foi criado, estávamos sob o governo do PT. Hoje, estamos em um governo de direita, que é o governo de Jair Bolsonaro. Há diferença entre os dois governos naquilo que compete à luta pelos direitos da população negra?

V. C. – A diferença é um abismo. Porque é o seguinte: no governo dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, nós [população negra] viveu processo de ascensão, de reconhecimento e de elaboração de políticas públicas onde essas políticas promoviam a ascensão dos negros e o reconhecimento do racismo. Então vários programas beneficiaram a população negra. Então quando você adota as políticas públicas que melhoram a vida dos pobres, você está melhorando a vida dos negros.

Então diversos programas executados nos governo do PT, como por exemplo, a promulgação da lei nº 10.639/2003, que incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”; as políticas de cotas raciais nas universidades; ProUni; Fies; criou-se também uma secretaria, a de Igualdade Racial, que tinha status de ministério, isso fez com que vários estados brasileiros e os municípios criam-se também essas secretarias.

” No governo dos presidentes Lula e Dilma Rousseff, nós [população negra] viveu processo de ascensão, de reconhecimento e de elaboração de políticas públicas para os negros.”

Veja só a questão do cabelo. Antes a mulher negra tinha que fazer alisamento, hoje ela assume a negritude. Então [as políticas públicas] possibilitou o aumento da autoestima da população negra. Aqui mesmo no DF, foi criada a secretaria de Igualdade Racial, eu fui secretário dela por dois anos, e nós criamos o disk-racismo, criamos vários programas, como por exemplo, o que combatia racismo infantil. Então esse governo [Bolsonaro] que aí está, ao contrário dos governos do presidente Lula, está acabando com tudo que foi feito pelos negros e negras e está estimulando o racismo, a morte o assassinato do jovem negro. Por exemplo, no governo do presidente Lula, tinha um programa que era a Juventude Viva. Era um programa que combatia o extermínio dos negros. Eu não sei se você sabe, que infelizmente, no Brasil, morrem assassinadas 60 mil pessoas por ano, e dessas 60 mil, 70% são jovens negros. E se você for ver a declaração de alguns deputados, que são coronéis da Polícia Militar, dizem que tem que matar mesmo os negros, porque seriam eles que têm fuzis nas mãos. Hoje existe um estimulo do racismo, um estimulo ao genocídio da população negra. É como se fosse uma política de Estado para poder exterminar os negros brasileiros. Então a diferença de um governo para o outro é enorme.

Depois do processo de democratização, nós nunca vivemos um período tão ruim para a população negra como estamos vivendo agora.

J. T. E o governo de Ibaneis Rocha (MDB), como tem se portado, até o momento, com relação às políticas públicas para a população negra? Tem sido um governo atuante nesse sentido?

V. C. – Eu vejo o seguinte: ele [o governador Ibaneis Rocha] simplesmente não avança em nada. Ou seja, teve um recuo, ainda no governo de Rodrigo Rollemberg (PSB), quando ele acabou com a secretaria de Igualdade Racial, agora, por exemplo, o Ibaneis permanece inerte. Agora teve uma questão positiva que aconteceu, que foi de iniciativa da deputada Arlete Sampaio (PT) que foi a aprovação da lei que autoriza a política de cotas raciais para concursos públicos no DF. Porque como já tem uma lei federal, agora temos também um distrital, ou seja, valerá para os órgãos do DF. Inclusive, o nosso governo [do PT] não teve coragem de mandar um projeto desses para Câmara, mas o governo Ibaneis sancionou. Isso foi um avanço.

Porque quando você olha para os 200 mil desempregados dentro do DF, mais de 60% deles são negros. E quando eles conseguem empregos, eles recebem menos do que os nãos negros, e as mulheres negras ainda é pior. Então tem que haver políticas públicas para poder num período curto a gente diminuir essa diferença para chegarmos num patamar que a gente não precisa mais ter políticas de cotas, porque já existirá uma equidade entre os cidadãos. Por isso vejo que as políticas de cotas são transitórias, nós precisamos passar dessa fase. E o caminho para nós conquistarmos isso é através da educação. Não há outra saída para nós se não for através da educação.

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