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Baseado em previsões do mercado, documento volta a pressionar por altas dos juros: “Só há uma explicação para os juros e o dólar subirem no Brasil, em descompasso com outros países: a especulação descarada dos agentes do mercado”, diz Gleisi Hoffmann

O bolsonarista Roberto Campos, presidente do Banco Central, lidera o movimento de sabotagem contra o país

Os especuladores do mercado financeiro, com o apoio dos porta-vozes de sempre da mídia empresarial, intensificaram ainda mais o movimento de sabotagem contra investimentos públicos que fizeram avançar os indicadores da indústria, dos empregos, da renda das famílias e da redução das desigualdades sociais. O boletim Focus do Banco Central, baseado em projeções de 170 empresas e instituições, das quais apenas oito são desvinculadas do sistema financeiro, reflete o flagrante domínio dos bancos e dos luxuosos escritórios da Faria sobre os destinos do país.

O último boletim Focus foi divulgado na segunda-feira (21), reafirmando sua função nada republicana de pressionar o Bacen a elevar os juros, fazendo previsões alarmistas de que a inflação está prestes a sair do controle. 

Como justificativa, o documento alerta para riscos supostamente representados pelo robusto crescimento do PIB, de componentes como renda e consumo, e dos investimentos do governo Lula para fortalecer a economia e dar uma vida digna a uma população sacrificada por um dos maiores níveis de concentração de renda do mundo – o país foi o campeão do ranking em 2022, durante o desgoverno Bolsonaro.

O último boletim Focus elevou projeção do PIB (3,05%) para 2024 e a previsão da inflação para 4,5%. Na contramão do mundo inteiro, o Banco Central brasileiro interpreta o fortalecimento da economia como uma forte ameaça, ao invés de enxergá-lo como uma sinalização positiva para o país e sua população. Quanto à inflação, apesar de mantida sob controle e dentro da meta, as previsões de alta servem como desculpa para os bancos, que obtiveram lucro recorde no primeiro semestre, pressionarem por mais alta nos juros.

Como uma engrenagem

De forma orquestrada, o bolsonarista Roberto Campos Neto, presidente do Bacen, movimenta sua agenda de eventos para alardear publicamente que o caos está próximo e virá com uma explosão inflacionária e um gigantesco rombo fiscal. Com a maior desfaçatez, finge não saber que, na verdade, o que ameaça o controle das contas públicas são os juros estratosféricos definidos pelo órgão, que colocam o Brasil em segundo lugar do mundo nesse quesito, atrás apenas da Rússia. É essa política monetária que destrói as contas públicas.

Em 2023, por exemplo, o governo federal pagou R$ 718 bilhões em juros aos credores da dívida pública, para a festa dos especuladores do mercado. Em 12 meses até julho deste ano, o gasto foi ainda maior, de R$ 870 bilhões.

Em outra frente, baseados nos números do boletim Focus, analistas ligados ao mercado financeiro passam a fazer, em entrevistas e outras manifestações públicas, previsões que sinalizam para novas elevações da taxa básica de juros (Selic) – a retomada do ciclo de altas ocorreu em setembro, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Bacen elevou a Selic em 0,25 pontos percentuais, para 10,75% ao ano.

Em coro com os analistas, Campos Neto voltou a entrar em ação na segunda-feira, mesmo dia da divulgação do último Focus, durante evento com investidores. Mais uma vez, ameaçou elevar os juros com o argumento irreal de que há um descontrole das contas públicas, capaz de pressionar a inflação. Os dados oficiais, porém, mostram que o cenário doméstico é totalmente diferente. Em setembro, por exemplo, o IPCA-15, que mede a inflação oficial do país, voltou a desacelerar, para 0,13%.

“Especulação descarada”

A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), condenou mais essa manobra conjunta contra o desenvolvimento do país e a melhoria da qualidade de vida da população. 

“Só há uma explicação para os juros e o dólar subirem no Brasil, em descompasso com outros países: a especulação descarada dos agentes do mercado”, afirmou a parlamentar, pela rede social X, acrescentando: “Todos os fundamentos da economia real são positivos: PIB, controle da inflação, emprego, salário, consumo e renda. Lula colocou a casa em ordem, retomou o investimento e a credibilidade do país. A dívida cresce por conta dos juros estratosféricos. Só o mercado e a mídia não querem ver. E quem paga a conta da mentira é o país”.

Suspeitas

A “especulação descarada dos agentes públicos” não é observada apenas pela presidenta do PT, mas por muitos parlamentares e por instituições como o Tribunal de Contas da União (TCU), que abriu uma investigação, a pedido do subprocurador-geral Lucas Furtado, para apurar indícios de que o boletim Focus esteja sendo utilizado para pressionar pela alta dos juros e favorecer a multiplicação dos lucros da especulação financeira.

“Ademais, vejo que se pode estar diante de fatos que podem comprovar que a definição da taxa básica de juros do país em níveis estratosféricos não possui o efeito de controlar a inflação, conforme alega o Bacen, mas sim o de quebrar o país, enriquecendo alguns aplicadores do mercado”, afirma Furtado na petição ao TCU.

Denúncia

Além do subprocurador-geral, até mesmo quem ganhou muito dinheiro com a especulação financeira tem escancarado a utilização criminosa  do boletim Focus para pressionar pela alta dos juros. 

A deputada Gleisi Hoffmann considerou um “crime” o que foi revelado por Pedro Cerize, fundador da Skopos Investimentos. Em outubro, durante um evento, ele afirmou que gestores de fundos e economistas participantes do boletim do BC combinam os resultados previamente entre eles para influenciar as decisões da autarquia. Gleisi cobrou que o caso seja apurado pela Justiça.

Em um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo na segunda-feira (21), o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, alerta sobre essa ação orquestrada pelos especuladores do mercado financeiro, com o apoio fundamental do Banco Central.

“Outro ponto controverso é a narrativa que orienta a política monetária no país, inclinada a se basear na pesquisa FOCUS. A pesquisa é respondida por 170 empresas e instituições, mas chama a atenção que apenas 8 não são diretamente ligadas ao setor financeiro”, disse o presidente da CNI.

“Isso levanta uma questão importante: até que ponto as perspectivas da economia real, especialmente da indústria, comércio e serviços, são efetivamente consideradas na formulação das políticas econômicas?”, acrescentou.

Alban prossegue: “A crítica que emerge é clara: a política de juros no Brasil parece estar moldada em benefício do mercado especulativo, em detrimento da economia produtiva. O setor agropecuário e o sistema financeiro têm vozes fortes – e levadas em consideração – no debate econômico”.

Para o presidente da CNI, “se o Brasil quer mesmo evitar perder mais oportunidades de crescimento, precisa rever o papel dos juros na política econômica”. Segundo ele, “o país precisa de uma política industrial consistente e de uma visão de longo prazo, onde o incentivo ao investimento produtivo ocupe o lugar central”.

“Assim, construiremos um país que privilegie o desenvolvimento e o bem-estar social, ao invés de manter o foco no lucro especulativo de curto prazo”, criticou Alban.

Geraldo Alckmin

Também na segunda-feira, uma matéria do jornal Hora do Povo destacou a posição do vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, sobre o assunto.

O texto afirma que, diante do atual aumento dos preços de energia e alimentos, puxados pelas secas que atingem diversas regiões do país, o mercado financeiro viu mais uma oportunidade para pressionar pela continuidade do aumento do nível da Selic – que, diga-se de passagem, não tem nenhum efeito contra choques de oferta; pelo contrário, piora a situação econômica do país.

“Alimentação é clima. Se o clima for ótimo, eu tenho uma grande safra e o preço cai. Se o clima for ruim, a safra é menor e o preço sobe. Não adianta eu aumentar juros, só vou piorar a economia”, comentou Alckmin na semana passada, em entrevista ao Roda Viva da TV Cultura, ao defender que o BC deveria excluir do cálculo de inflação os preços de alimentação e energia – como já faz o Banco Central norte-americano (Federal Reserve).

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