Por causa da redução da passagem de água, canal apresenta rachaduras e acúmulo de areia; ‘Querem transformar a transposição em elefante branco’, alerta Ricardo Coutinho
Há cerca de seis meses o governo Bolsonaro suspendeu o bombeamento das águas do Rio São Francisco até Monteiro, na Paraíba. Sem a passagem da água da transposição, o canal vem acumulando apenas água das chuvas, mas não o suficiente para ocupar todo espaço. O resultado é o aparecimento de rachaduras e acúmulo de areia em vários pontos.
O alerta é do ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, em entrevista ao jornalista Luis Nassif na TV GGN. “O bombeamento de água custa 300 milhões de reais por ano, bem abaixo da renúncia fiscal de 80 bilhões de reais ao agronegócio que o governo concedeu”, observa Coutinho.
“Esses 300 milhões de reais não levam apenas água, mas também desenvolvimento para regiões podendo incentivar setores genuínos da região do semi-árido nordestino como, por exemplo, no Cariri paraibano [localizado ao sul do estado] maior produtora de leite de cabra do Brasil, mais que o dobro da Bahia”, completa o ex-governador.
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De Monteiro, a água do São Francisco é distribuída para 35 cidades da Paraíba, incluindo Campina Grande, a segunda maior do estado. O bombeamento de água foi interrompido para um trecho leste da obra de transposição, de 220 quilômetros. Coutinho acredita que, por trás dessa decisão de governo, está a intenção de transformar a obra em “um elefante branco”.
“Sem uso, o canal que era para transportar [determinado volume de] água quebra. Com isso, eles querem passar [a mensagem de] que a transposição é um elefante branco”. O ex-governador ressalta que a transposição foi uma obra consideravelmente barata. Custou, até agora, cerca de 12 bilhões aos cofres públicos, faltando apenas a conclusão de 3% (12 quilômetros) que estão paralisados há quatro anos, desde a destituição da ex-presidente Dilma Rousseff.
“Se você pegar os 12 bilhões do custo e dividir pela população que a transposição atende que é de 12 milhões, vai chegar a 1 mil reais por pessoa. Se colocar esse valor aplicado em dez anos, arredondando para fechar a conta, o custo é 100 reais por cada pessoa beneficiada. Ou seja, muito menos que um bolsa família mensal. Essa é a obra que alguns tentam colocar como elefante branco”.
Prefeitos, vereadores e lideranças de várias cidades da Paraíba, planejam um ato em protesto no dia 1º de setembro contra a suspensão do bombeamento das águas. “Vamos fazer um grito do Nordeste, exigindo respeito à região”, pontua Coutinho.
Consórcio Nordeste
O ex-governador da Paraíba é um dos principais inspiradores do Consórcio do Nordeste, lançado em julho deste ano. Ele conta que a ideia foi gerada em 2011, no Fórum dos Governadores do Nordeste.
“Nós pretendíamos [ter lançado o Consórcio] em 2015 ou 2016, a partir daquele segundo mandato [da Dilma]. Mas a crise política, que gerou a crise econômica, foi fatal”.
O Consórcio conseguiu reunir todos os estados da região com o objetivo de estabelecer compras conjuntas em diversas áreas, reduzindo assim o custo na aquisição de bens e serviços. Outra proposta do Consórcio é atrair investimentos para os estados da região.
“É uma excelente ideia, primeiro administrativa, se você pensar no volume de compras que nove estados podem fazer conjuntamente, baixando os preços, melhorando a qualidade [das compras], construindo atas de registro de preços que possam ser utilizados por todos os Estados nas mais diversas áreas, inclusive as caras, como Saúde”, aponta Coutinho.
“E se você pensar na perspectiva de atração de investimentos, o Nordeste é uma região com características marcantes para geração de energias renováveis, especialmente solar, com os melhores índices solarimétricos e as melhores captações de energia eólica do país”, prossegue.
“Ou seja, você tem um panorama onde a junção e a união podem fazer com que a região traga investimentos, melhore a governança e a situação fiscal, fazendo aquilo que uma federação precisa fazer”, completa.
Coutinho lamenta as críticas do governo Bolsonaro ao Consórcio Nordeste. “São críticas à uma tentativa clara, positiva e correta de estados potencializarem suas necessidades e suas soluções. [Portanto] você percebe que são críticas puramente políticas ou de inveja à uma região que tem conseguido dar respostas importantes ao longo desses anos”.
Renovação política
O ex-governador observa que, ao longo das últimas décadas, a região passa por renovações políticas. “O Nordeste passou séculos seguindo ao mais tradicional coronelismo. E qual era a base desse coronelismo? A falta de água, essencial para a sobrevivência, que demarcava o campo de submissão de quem precisava, em relação aos coronéis que podiam ofertar alguma quantidade de água, portanto eram donos das vidas dos outros, eram donos, a partir disso, do trabalho e também do voto”, pondera.
“Enquanto outras regiões do Brasil apresentavam alternâncias de poder, no Nordeste esse movimento era muito difícil. Se você olhar a região há 40 ou 50 anos, verá uma supremacia quase que total do [partido] Arena, [rebatizado depois de] o PDS, ou seja, dos remanescentes da lógica do coronelismo”, conta.
“[Nas últimas décadas] nós começamos a ter uma mudança qualificada. No Ceará, por exemplo, na década de 80 houve uma mudança que não era ideológica, mas de cunho desenvolvimentista, com o [a eleição de Tasso] Jereissati e depois de Ciro Gomes. Era uma mudança que permitiu ao Ceará uma continuidade, apesar das diferenças de visões, levando o Estado a se afastar daquela expressão maior do coronelismo”, explica Coutinho.
“Pernambuco, por sua vez, sempre teve campos políticos muito presentes em função dos Arrais e outras figuras históricas. Com Eduardo Campos, esses campos [desenvolvimentistas] meio que se uniram, mesmo mantendo identidades muito próprias e isso foi formando um acento na região [Nordeste] como um todo”.
Coutinho pontua que a chegada de Lula à presidência da República, em 2003, trouxe mais um evento importante à região Nordeste que foi o aumento dos investimentos estruturantes, a exemplo da transposição do Rio São Francisco, que não apenas leva água, mas contribui para a produção agrícola e expansão da indústria no local, e da Transnordestina, ferrovia que ainda precisa ser concluída.
Ele destaca ainda a construção e expansão de portos como o de Pecém (em Fortaleza, no Ceará) e os de Suape e Recife (Pernambuco). “A continuidade dessa política [dos portos] era fundamental para o Brasil, em função da navegação de cabotagem. Ou seja, você diminui muito a questão do custo na logística”.
Veja a seguir a entrevista na íntegra.