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O telefone tocou no gabinete do prefeito de Brusque Paulo Eccel, do PT, em fins de 2014. Do outro lado da linha estava o maior empresário da cidade, Luciano Hang – hoje dono da rede Havan e de uma fortuna estimada em 2,2 bilhões de dólares, quase 10 bilhões de reais.

Até aí nada demais, mas o teor do telefonema mudou a história da cidade. Levou Eccel à cassação em 31 de março do ano seguinte – Luciano estava furioso com uma pequena obra municipal que supostamente afetaria seus negócios.

Foi quando ele deslanchou uma onda de fake news até impichar Eccel.

Aquele dia começou normal. Luciano convidou jornalistas e empresários da Associação Comercial e Industrial de Brusque para um sobrevoo perto de sua sede administrativa e da megaloja adjacente, na BR que liga Blumenau a Brusque.

Quando desembarcou a turma no seu quartel general teve um surto e começou a falar mal do prefeito. O alvo era uma ciclofaixa na frente dos seus negócios, que ele não queria – era para ter acesso livre a seu empreendimento.

Luciano deu um pulo entre o empresariado que estava num sofazão e ficou de pé, apoiado no espaldar. Ligou para o prefeito.

Antes é preciso explicar um tiquinho quem é Eccel. Oriundo das comunidades eclesiais de base da Igreja Católica, parece um padre no tratamento das pessoas, sempre ouve todo mundo e jamais se exalta.

Foi eleito em 2009 e reeleito em 2012, derrotando o candidato de Luciano.

A acusação que o cassou no TRE foi de gasto excessivo na propaganda eleitoral. Quem conduziu o processo na Câmara de Vereadores foi o advogado de Luciano.

Vamos ao telefonema?

O prefeito atendeu e botou no viva-voz para seus auxiliares. Do outro lado, Luciano exigia a retirada da ciclofaixa e das lombadas da frente de sua megaloja.

A fúria era desproporcional ao problema – os empresários que estavam do lado de Luciano se surpreenderam com a atitude, mas não deram um pio.

Os lojistas contaram que ele falava de pé no sofá, aos berros, exibindo sua autoridade – parecia que ele era o prefeito.

Eccel tentou argumentar. Não adiantou.

Disse que falaria com o secretário dos Transportes para ver o que seria possível fazer: “Eu não tô pedindo para conversar, estou mandando demitir o cara e desmanchar as obras imediatamente” – quem o viu descreve Luciano com a mão no bocal, agitado, saboreando a reação do adversário.

O prefeito o enfrentou, manteve a calma e achou que o caso estaria encerrado. Pouco tempo depois sofreu sua pedalada fiscal na Câmara de Vereadores e foi impeachado, em manobra estimulada por Luciano. Se ele conseguiu o impeachment, não admira que todo mundo na cidade tenha medo dele.

Desfecho? A decisão do TRE que cassou Eccel foi revogada no STF em 2017, já depois do fim de seu mandato. Passaram-se oito anos da sacanagem e ele já está elegível outra vez. Vai concorrer contra o candidato de Luciano. 

Luciano costuma dizer que é “um ótimo amigo e um péssimo inimigo, porque despeja sua ira sobre os inimigos numa guerra sem fim” – como fez com Eccel. Os assessores do ex-prefeito evitam o confronto direto porque “não dá para cutucar leão com vara curta, ele tem um imenso poder de fogo”.

De onde ele tira seu poder? Não é da política. É do dinheiro.

É dono do posto Shell, do McDonald’s, de franquias de escolas como a Uniasselvi – ou controla os imóveis ou as franquias ou tem parte em tudo.

Mesmo fora da política, ele parece querer controlar a cidade. Foi filiado ao PMDB e chegou a flertar com uma candidatura, em 2018 – desfiliou-se e ficou esperando um convite para ser vice de Bolsonaro, depois para o governo do estado, coisas que nunca aconteceram.

Pegou carona no bolsonarismo para alavancar seus negócios. Disparou fake news contra Haddad na última eleição, em favor de Bozo.

Na sua guerra sem fim, ele cala os adversários na cidade – e domina a imprensa local com seus poderes – tanto que na semana passada um sujeito se jogou do alto de sua Estátua da Liberdade de Barra Velha e ninguém noticiou.

Uma fonte desta reportagem marcou entrevista num supermercado. Na hora agá saiu dali para uma padaria porque a mãe de Luciano fazia compras naquele super – não queria ser visto falando com um estranho àquela hora, seria ligado como boca grande.

Outro entrevistado entrou numa pet shop, espiou entre prateleiras para ver se não era seguido e também escolheu uma padaria, 30 minutos distante, mesa dos fundos.

O editor da rádio que primeiro noticiou a morte do pai não quis dar seu nome, vai que Luciano lembra dele 10 anos depois. Dos repórteres, um se mudou da cidade, perseguido por Luciano, o outro mudou de ramo para doceiro – e não diz o nome do bufet por medo de perder negócios.

Falando em negócios, houve um tempo em que ele os fazia numa sala-cofre. Com porta de aço e segredo, só entrava uma pequena turma de confiança.

O que faziam lá dentro? Por quase duas décadas o cofre funcionou, até ser adotado um padrão aberto para as operações – salvo aquelas que o patrão não quer que vejam.

Uma ex-funcionária do cofre conta que ali funcionava a Havan Factoring, desconhecida do povão, destinada aos empresários pequenos.

Luciano acumulou capital que tomava emprestado do BNDES para compra de máquinas, a juros baixos, e comprava duplicatas e cheques de comerciantes apertados, com um enorme deságio – era mamão com açúcar, com dinheiro público.

“Cheguei a pagar 35 por cento de juros ao mês, entregando boa parte do meu faturamento”, diz um empresário hoje sob o guarda-chuva da FIP, a feira da moda concorrente da Havan na cidade.

Foram quase 40 empréstimos nos governos Lula e Dilma, 20 milhões que ele multiplicou com os juros dos apertados, sem piedade.

O promotor João Brandão Neto se recusou a falar sobre o caso dos cisnes de gesso e das tesourinhas, apenas dois dos itens que Luciano subfaturou na Receita. (leia nota no final da matéria)

O procurador disse que não queria falar porque temia “queima de arquivo”. 

A carteira de imóveis de Luciano é um segredo de estado. Com a construtora FG está erguendo o edifício mais alto da América Latina. Está dividindo e alugando para lojas as Indústrias Renaux, onde começou sua fortuna. Tem hotéis na área de suas megalojas só para acomodar os compradores.

*****

O procurador João Marques Brandão Neto enviou a seguinte nota ao DCM

Em face de matéria jornalística recentemente publicada, segundo a qual eu teria deixado de falar sobre determinado caso em que atuei por motivo de “medo”, ou outros temores, informo que em momento algum declinei tais motivos; informo, ainda, que, desde minha aposentadoria (ato de 30/11/2018), jamais falei à imprensa ou em redes sociais sobre quaisquer dos inúmeros casos em que atuei como Procurador da República. E não tratei de tais casos nos meios de comunicação social depois que me aposentei e nunca deles tratarei em tais meios, pela razão legal de sobre eles não mais ter atribuição.

Quem conta é a jornalista Lucimara Cardoso.

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