Em seu mais recente giro pelos Estados Unidos, Sergio Moro recebeu o prêmio de Personalidade do Ano, concedido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, participou de uma cerimônia na Universidade de Notre Dame e deu uma palestra no Fórum Investment Lide, de João Doria.
Pelo menos é este o lado público de sua agenda.
São todos eventos da iniciativa privada – a universidade é particular, ligada à Igreja Católica.
Os outros eventos foram patrocinados por empresas e bancos. Um deles, o do organização de João Doria, pré-candidato a governador de São Paulo ou a presidente da república, teve quatro patrocínios, entre os quais o escritório de advocacia Nelson Wilians, que se apresenta como o maior do Brasil.
Entre os clientes de Wiliams, está a Petrobras, que é parte do processo da Lava Jato, como assistente de acusação. Moro não revela quanto recebe por palestra, mas, em eventos da iniciativa privada, participações desse tipo não são feitas gratuitamente.
Lula, por exemplo, cobrava 200 mil dólares por palestra, o mesmo valor das palestras do ex-presidente Bill Clinton, e foi questionado pelos procuradores da Lava Jato, que vazaram à imprensa as informações sobre as palestras como indício de corrupção.
Para se defender, Lula apresentou a relação de palestras que fez e nelas havia grandes empresas sem nenhum relação com a Petrobras, incluindo a Globo.
Se Lula foi pressionado por conta das palestras que realizava, por que Moro pode fazer as suas sem ser questionado, ainda mais levando em consideração que uma delas teve o patrocínio de um escritório que é contratado pela Petrobras?
Mas não é só isso que compromete a necessária imparcialidade do juiz.
A relação de Moro com o escritório de advocacia é mais estreita, passa por ele e sua família.
Em um evento privado do Lide no Brasil, em 2016, quando Doria ainda nem era prefeito, ele e o dono do escritório estiveram juntos, Moro como palestrante (remunerado), Wilians como patrocinador.
Um site de celebridades registrou que Rosângela Moro, esposa do juiz, esteve no escritório de Williams em Curitiba no dia 18 de abril de 2016.
Segundo a nota, foi tratar de “tema recorrente do terceiro setor, constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais”, como a APAE, da qual é advogada.
Por coincidência (ou não?), a visita foi no dia seguinte à aprovação do impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados, movimento de que o escritório Nelson Wilians participou intensamente.
Dois sócios de Nelson Wilians prepararam o pedido de impeachment de Dilma Rousseff que o ator Alexandre Frota levou a Brasília em 2015 – Eduardo Cunha recebeu, mas colocou para votar outro pedido, o de Janaína Pachoal.
O avião do escritório de Nelson Wilians também levou Frota para participar das manifestações pró-impeachment de Dilma, no dia da votação.
O escritório de Nelson Wilians tinha (e tem) interesse direto no governo federal. Foi contratado, em 2016, pela diretoria do Porto de Santos, antigo feudo político de Temer, para arbitrar uma disputa com a empresa Libra, uma das arrendatárias do porto para operações de contêineres, ao qual a empresa estaria devendo R$ 2,3 bilhões.
Não houve licitação para a escolha do escritório e sua contratação chamou a atenção também porque a Libra tem ligações com Temer.
Seus sócios doaram R$ 1 milhão para sua campanha a vice-presidente, em 2014. Pelo serviço de arbitragem, o escritório pode receber R$ 23 milhões, 1% do valor da dívida.
No início do ano, numa investigação sobre corrupção no Porto de Santos, ligada ao episódio da mala com dinheiro transportada por Rodrigo Rocha Loures, quatro diretores da Libra cumpriram prisão temporária.
No governo Temer, além do contrato milionário com o Porto de Santos, Nelson Wilians assinou contrato com o Banco do Brasil para administrar quase metade da sua carteira de processos na Justiça, depois de uma disputa rumorosa, que começou em 2014 e foi parar na polícia e no TCU, com a acusação de que o escritório teria cometido fraude para somar pontos na licitação.
Agora se sabe que não é só o Banco do Brasil o cliente de Nelson Wilians na área sob domínio ou influência do governo federal.
O prestígio que a Petrobras deu a Moro não foi apenas financeiro. O presidente da empresa, Pedro Parente, esteve lá pessoalmente e foi fotografado com o juiz.
Talvez tenha entendido que ele não poderia fisicamente ficar fora da homenagem. Colocou o fraque e se confraternizou com o juiz.
Afinal, foi a Petrobras que comprou a maior parte das cadeiras reservadas para os participantes do seminário de Doria com Moro, que, aliás, teve também palestra de Carlos Marun, ministro de Temer.
Nos países civilizados, a aparência de parcialidade é o suficiente para que um juiz seja impedido de continuar à frente das causas.
Mas, com Moro, é diferente.
Ele aparece no centro de uma teia de relações suspeitas.
Não é bom para um juiz que é apresentado como herói nacional.
Mas quem liga?
.x.x.x.
PS 1: Rosângela Moro, a esposa do juiz, também esteve no jantar restrito em homenagem à advogada Sandra Marchini Comodaro, sócia do escritório de Nelson Wilians em Curitiba. Foi para comemorar o título de Cidadã Honorária do Paraná, concedido à Sandra. Sentou na mesa principal e dividiu o salão com o então governador Beto Richa, agora alvo de inquérito policial sob a alçada de Moro.
PS2: Nelson Wilians também é dono do avião que levou Doria para Palmas, Tocantins, no ano passado — onde o então prefeito de São Paulo teve seu nome apresentado como candidato a presidente da república. Doria também usou um avião de Wilians, outro, para ir a Pirenópolis, Goiás, no casamento da filha de Marconi Perillo.