Lista divulgada pelo Ministério da Fazenda revela as empresas, inclusive jornalísticas, beneficiadas por isenções fiscais, as mesmas que, aliadas ao mercado, pressionam por cortes de verbas destinadas a quem mais precisa
R$ 546 bilhões de isenções fiscais equivalem a três vezes o orçamento previsto para o Bolsa Família em 2025, de 167,2 bilhões de reais
Em meio às pressões do mercado e da mídia corporativa por cortes no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e em áreas como Saúde, Educação e Previdência Social, o Ministério da Fazenda decidiu jogar luz sobre o debate e mostrar quem realmente desequilibra as contas públicas. Em uma iniciativa inédita, a pasta divulgou a lista das empresas, incluindo os próprios veículos de comunicação, mais beneficiadas com isenções fiscais até agosto de 2024. A soma dos tributos que elas deixaram de pagar atinge o valor estratosférico de R$ 546 bilhões.
A lista do ministério, divulgada na semana passada, traz dados extraídos da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), uma ferramenta criada pela Receita Federal.
Os números jogam por terra o discurso recheado de hipocrisia dos setores mais abastados da população. Para manter seus privilégios, eles pressionam o governo federal a cortar verbas destinadas a quem mais precisa, em nome do equilíbrio das contas públicas. O BPC, por exemplo, é pago a idosos de baixa renda com 65 ou mais e a pessoas com deficiência.
A título de comparação, esses R$ 546 bilhões de isenções fiscais equivalem a três vezes o orçamento previsto para o Bolsa Família em 2025, de 167,2 bilhões de reais. Correspondem ainda a 45 vezes o orçamento do Pé-de-Meia em 2024, 11 vezes o orçamento do Ministério da Saúde em 2024, mais da metade do previsto para o orçamento da Previdência em 2025, 4 vezes o orçamento do Minha Casa, Minha Vida em 2024.
O agro é que depende do Brasil
O destaque da lista do Ministério da Fazenda vai para as companhias ligadas ao agronegócio – setor que, sozinho, responde por 18,7% do montante da renúncia fiscal. Isso desmascara a falácia de que o Brasil depende do agro, pois, na verdade, é o agro que depende do Brasil.
O ministério informa também que, entre janeiro e agosto deste ano, 54,9 mil empresas do país disseram à Receita que usaram quase R$ 97,7 bilhões em incentivos fiscais, diluídos entre variados setores da economia. Segundo a Fazenda, as empresas mais beneficiadas são as seguintes:
Braskem: R$ 2,27 bilhões;
Syngenta: R$ 1,77 bilhão;
TAM: R$ 1,70 bilhão;
Yara Brasil Fertilizantes: R$ 1,23 bilhão;
Azul Linhas Aéreas: R$ 1,04 bilhão;
Samsung : R$ 1 bilhão;
OCP Fertilizantes: R$ 975,9 milhões;
BASF: R$ 907,6 milhões;
Arcelormittal: R$ 801,9 milhões;
Philco: R$ 730 milhões.
Em relação ao Perse, um programa criado pelo governo Bolsonaro para incentivar restaurantes, bares e o setor de eventos durante a pandemia de Covid-19, o maior beneficiário é o Ifood. A empresa declarou que usufruiu de 336,11 milhões de reais em benefícios, entre janeiro e agosto de 2024.
Sociedade entre a imprensa e o mercado
No último dia 13, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticou a postura da imprensa na cobertura jornalística sobre a tentativa do governo Lula de pôr fim à desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, que tem entre entre os beneficiados as próprias empresas de comunicação.
Ele falou aos jornalistas na entrada do Ministério da Fazenda, quando retornava de reuniões com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e com os comandantes das Forças Armadas para tratar sobre o novo pacote fiscal para conter despesas obrigatórias.
“É importante que a própria imprensa faça uma reavaliação do comportamento que ela teve no ano passado, quando a Fazenda, com razão, anunciou os números da desoneração da folha e os números do Perse. Nós fomos muito criticados, porque supostamente estávamos exagerando nos números, e hoje o que se comprova é que nós estávamos certos, e vocês da imprensa, estavam equivocados”, afirmou Haddad. “É importante vocês fazerem essa reflexão porque o esforço fiscal tem que ser de todos, inclusive de vocês. Vocês têm que parar de defender interesses particulares e passar a defender interesses gerais de toda a sociedade”.
Haddad fez referência a uma Medida Provisória (MP) editada no ano passado, com o objetivo de reverter, de forma gradual, o desconto integral de tributos previdenciários concedido a empresas. O texto acabou sofrendo revés no Congresso Nacional e, para conseguir estabelecer a cobrança, o governo teve que recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Somente após uma decisão favorável do STF, seguida da promoção de um acordo entre o governo e o Congresso, é que o fim da desoneração foi confirmado, para entrar em vigor a partir do ano que vem.
Durante a entrevista, o ministro também falou sobre a divulgação da lista das empresas mais beneficiadas: “E hoje nós demos a público pela primeira vez na história os incentivos fiscais dados a cada empresa individualmente e aos setores, de uma forma agregada. Então, vocês vão ver que aquela medida do ano passado, que foi muito questionada, sobre desoneração da folha e sobre a questão do Perse, como a Receita Federal tinha razão”, disse o ministro.
“Escandalosas desonerações”
As declarações de Haddad foram corroboradas pela presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).
“Ministro Haddad deu a real sobre as escandalosas desonerações, inclusive por parte das empresas mídia. De janeiro a agosto foram R$ 97 bi em impostos que deixaram de ser pagos por 17 setores privilegiados. Ele cobrou a cobertura da imprensa, que foi totalmente contrária à MP apresentada ano passado para acabar com esse privilégio tão danoso ao país”, disse Gleisi. “Provou com números quem tinha razão e cobrou o comportamento da mídia, em defesa de seus interesses, mas não do país. E são os mesmos jornais e tvs que exigem cortes no reajuste do salário mínimo, da saúde, da educação e da Previdência”.
As declarações de Haddad e de Gleisi foram importantes para desnudar a relação promíscua entre a imprensa e o mercado, do qual boa parte tem investido pesadamente no setor de comunicação, inclusive comprando ou virando acionista de empresas jornalísticas. Além de comprometer a necessária imparcialidade na cobertura sobre temas importantes para o pais, isso coloca nas mãos do capital financeiro o controle do debate público.
Benefícios para a imprensa
Algumas empresas de comunicação estão na lista divulgada pelo Ministério da Fazenda sobre isenções fiscais. A Globo Comunicação e Participações S/A, por exemplo, deixou de pagar R$ 150 milhões até agosto deste ano, graças à desoneração da folha de pagamento. A Editora Globo, por sua vez, R$ 19,265 milhões.
Já a TVSBT Canal 4 de São Paulo S/A foi beneficiada, no mesmo período, com um total de R$ 17,581 milhões em desoneração da folha de pagamento. A S/A O Estado de S. Paulo, que publica o jornal de mesmo nome, conhecido por vocalizar o discurso do mercado sobre o controle de gastos públicos, deixou de pagar R$ 12,743 milhões. Por sua vez, a Televisão Record do Rio de Janeiro LTDA, beneficiou-se com uma desoneração da folha de pagamento da ordem de R$ 4,8 milhões.
Juros altos
Mas não são só as desonerações que pressionam as contas do governo e drenam recursos públicos para a multiplicação dos lucros dos setores mais abastados da população. Os juros elevados praticados pelo Banco Central, presidido pelo bolsonarista Roberto Campos Neto, também exercem esse papel.
Um relatório enviado pelo Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) para a Cúpula dos Líderes do G20, encerrada na terça-feira (18), no Rio de Janeiro, revela que o Brasil é o país que mais paga juros da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), entre 24 grandes economias pesquisadas.
Conforme o documento, a dívida pública do Brasil alcançou 84,7% do PIB em 2023, e os juros pagos sobre essa dívida representaram em torno de 6% do PIB.
O PIB brasileiro no ano passado foi de R$ 10,9 trilhões. Considerando a estimativa do FBS, o custo de juros foi, então, de R$ 649 bilhões, soma quatro vezes maior que o orçamento anual do Bolsa Família, principal programa do governo Lula voltado ao combate à pobreza e à fome.
Para se ter uma ideia do estrago que as grandes corporações, o mercado financeiro e o Banco Central provocam nas contas públicas, a soma entre os R$ 546 bilhões de isenções fiscais e os R$ 649 bilhões dos gastos com juros da dívida pública totaliza R$ 1,195 trilhão.
Com informações do PT Org
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