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A quebra de um importante banco nos Estados Unidos, como foi a do Silicon Valley, não é fato comum.

A quebra de um segundo banco, Signature, também nos Estados Unidos, com 24 horas de diferença, muito menos. O risco das falências se estenderem para a Europa e demais continentes é real.

Diante da possibilidade de falência do Credit Suisse, o segundo maior estabelecimento bancário da Suíça, o banco central daquele país obrigou que ele fosse vendido para o USB, a maior instituição de crédito de lá, a fim de tentar brecar que a crise se alastrasse.

De acordo com a teoria, qualquer relato jornalístico precisa se basear em fatos.

Para um fato virar notícia, ele deve possuir algo incomum.

Quando vários fatos semelhantes se sucedem, o correto é que a mídia faça reportagens sobre o assunto, de forma não só a colocá-lo no contexto, como apontar possíveis desdobramentos.

A falência desses bancos foi noticiada pela mídia corporativa brasileira de forma tão descontextualizada, que poucas pessoas se deram conta da gravidade do problema, e, sobretudo, das implicações que podem ter aqui.

Para início de conversa, da TV Globo à Folha de S. Paulo, praticamente nenhum veículo da mídia corporativa brasileira informou ao seu respeitável público que a principal razão para a falência do Silicon Valley Bank foi a alta de juros.

A taxa de juros nos Estados Unidos, que oscilava entre 0,50 e 1% ao ano, subiu para 4% ao ano, valor suficiente para levar empresas a enfrentarem sérios problemas para pagar empréstimos contraídos.

No Brasil, só a chamada mídia independente noticiou este fato de forma correta.

O Silicon Valley Bank, cuja matriz se situa nos arredores da cidade de São Francisco, na Califórnia, acabou se transformando no estabelecimento preferido pelas empresas de tecnologia da região, inclusive as startups, queridinhas de muitos investidores.

Durante a pandemia da covid-19, as empresas de tecnologia cresceram muito, na medida em que as pessoas passaram a fazer praticamente tudo de casa, valendo-se de plataformas e aplicativos. Nesse período, essas empresas contrataram milhares de funcionários e tiveram lucros altíssimos.

Com a vida voltando ao normal e as pessoas utilizando menos as plataformas, milhares de funcionários foram demitidos e os investimentos no setor retraíram.

Porém muitas dessas empresas haviam tomado dinheiro emprestado para expandir os negócios, acreditando que os altos lucros seriam para sempre.

Várias empresas não conseguiram mais honrar os empréstimos ou deixaram de pagá-los.

O problema gerou uma corrida dos correntistas ao banco, faltou dinheiro e a falência se tornou inevitável. Como se sabe, a confiança do público é fundamental quando se trata do sistema bancário.

Já o Credit Suisse vinha, há alguns anos, apresentando problemas. Mas a mídia corporativa brasileira, alinhada à elite financeira de Zurique, preferiu fazer vista grossa.

O correto seria que a mídia corporativa brasileira noticiasse isso para o seu público.

Falar que os juros altos estão na raiz da falência do Silicon Valley Bank se tornou algo proibido, exatamente porque esta mídia tem sido uma feroz defensora dos altíssimos juros praticados no Brasil, os mais altos do mundo.

Aqui os juros estão em 13,75% ao ano (8% uma vez descontada a inflação), bem mais do que o dobro do valor praticado nos Estados Unidos e na maioria dos países europeus.

Desde o início do terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem denunciando os “juros estratosféricos” praticados no Brasil, lembrando que é impossível se falar em retomada do crescimento, geração de empregos e desenvolvimento em uma situação assim.

Com uma recessão mundial se desenhando no horizonte, dificilmente algum empresário brasileiro se animará a investir na produção, quando deixar seu dinheiro rendendo no sistema financeiro pode lhe garantir alto retorno sem que tenha produzido sequer um prego.

Daí a importância das críticas que Lula tem feito aos juros astronômicos praticados pelo Banco Central dito independente no Brasil.

Lula tem razão quando diz que esses juros impedem a retomada da industrialização do país, impossibilitam a criação de empregos e levam à recessão.

Recessão que se é ruim para o seu governo, é péssima para a esmagadora maioria da sociedade.

O esperado, a partir das críticas de Lula, seria que o Banco Central, tornando independente no governo de Bolsonaro, responsável pela fixação da taxa de juros, tomasse providências para estudar o assunto e alterar esta abusiva política, que serve apenas para engordar as finanças dos oligarcas nacionais e internacionais.

Não foi o que aconteceu. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, bolsonarista de carteirinha e pessoa que representa o “mercado”, saiu em defesa dos indefensáveis juros estratosféricos e toda a mídia corporativa brasileira o apoiou.

É importante lembrar que o presidente do Banco Central independente passou a ter mandato de quatro anos. O de Campos Neto termina apenas em 2024.

Jornais, emissoras de rádio e telejornais passaram a mostrar Campos Neto como o “especialista competente e sensato”, enquanto Lula era apresentado como “um populista que não sabe o que diz” e “quer sair gastando o dinheiro público com graves implicações para o déficit fiscal”.

Se muitas mentiras demoram a ser descobertas, outras são desmascaradas a jato. Foi o caso.

Essa é a razão pela qual a mídia corporativa brasileira esconde as razões da falência do Silicon Valley Bank e da crise do Credit Suisse, que levou à sua compra pelo UBS, pois mencioná-las seria confessar o erro que cometerem ao apoiar Campos Neto e abertamente combaterem Lula.

Mas o problema não termina aí. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que a mídia corporativa brasileira nunca gostou de Lula.

As razões são tão antigas quanto óbvias: os donos desta mídia, irmãos Marinho à frente, integram o restritíssimo grupo dos bilionários brasileiros.

Juros altos, privatizações e estado mínimo, pedras de toque do neoliberalismo, soam como música para eles.

Já as propostas desenvolvimentistas de Lula e da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, são exatamente o oposto disso.

Se a mídia corporativa brasileira foi fundamental para transformar a Operação Lava Jato e os corruptos Sergio Moro e Deltan Dallagnol em heróis, ela foi igualmente fundamental para que Moro prendesse Lula sem qualquer prova, impedisse que ele disputasse as eleições de 2018 e garantisse a chegada de Bolsonaro ao poder.

Mesmo tendo discordância com Bolsonaro na chamada “pauta de costumes”, como é o caso dos irmãos Marinho, nas questões econômicas sempre fecharam com o ex-ministro ultraneoliberal Paulo Guedes e com o próprio Bolsonaro.

No fundo, a mídia corporativa brasileira gostaria que o sucessor de Bolsonaro mantivesse a sua pauta econômica.

Razão pela qual tentaram de toda forma inviabilizar a vitória de Lula. Quem se lembra da busca desesperada da TV Globo por um candidato de “terceira via”?

Como Lula venceu as eleições, o caminho agora adotado por esta mídia, especialmente depois que os atos terroristas/golpistas do 8 de janeiro foram derrotados, é o de tentar impedir que o governo avance nas propostas de inclusão social e de desenvolvimento.

Haja vista a manchete do jornal O Globo na sexta-feira (17/3).

Ao invés de informar que os segurados do INSS poderiam ter acesso a juros mais baixos em empréstimos consignados, deu como destaque que os bancos comerciais, Bradesco e Itaú, anunciaram a suspensão destes empréstimos caso se confirmasse a redução anunciada pelo ministro da Previdência Social, Carlos Lupi.

O ministro não havia ainda conversado com o presidente Lula, mas a má vontade da mídia com qualquer proposta que reduza juros mostrou-se outra vez patente.

Indo além, O Globo criou alarme ao frisar que “analistas veem risco de escassez de crédito”, contribuindo para ampliar o desassossego em um segmento da população que já padece de muitas angústias fruto dos absurdos a que foi submetida por Bolsonaro.

Basta lembrar que, no vale tudo que estabeleceu para tentar vencer as eleições, Bolsonaro permitiu que aposentados e beneficiários do auxílio emergencial, com renda já bastante comprometida, pudessem pegar novos empréstimos consignados.

Nada menos do que 77,9% das famílias brasileiras estão endividadas.

Quando a mídia corporativa brasileira apoia Campos Neto e seus juros estratosféricos, a aposta é de que Lula não conseguirá implementar seu programa de governo, que isso vai gerar insatisfação popular e o governo se transformará num pato manco, como é denominado nos Estados Unidos uma administração fraca e que perdeu credibilidade.

Mais ainda: qualquer medida seja de um ministro, seja de Lula, que envolva redução dos juros, será duramente combatida, como já está sendo.

Essa mídia não contava, no entanto, que a crise dos bancos no exterior viesse confirmar o que Lula tem dito.

Para deixar mais claro ainda o pensamento dos bilionários brasileiros e da própria mídia corporativa, vale a pena observar o resultado da pesquisa Genial/Quaest “O que Pensa o Mercado Financeiro”, divulgada na última quarta-feira (15/3).

Foram ouvidos 82 executivos das maiores casas de investimentos de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Para 98% dos entrevistados, a política econômica do governo “caminha na direção errada”. Nove entre 10 desses executivos definem como “negativa” a relação do governo Lula com o Banco Central e apenas 7% têm expectativa de que o relacionamento possa melhorar nos próximos meses.

Do total dos executivos ouvidos, apenas 16% consideram alta a chance de o Banco Central antecipar o corte de juros.

Como se sabe, o Conselho de Política Econômica (Copom) tem reunião nesta terça e quarta-feira e poderia ser a oportunidade para que os juros fossem reduzidos.

Claro que uma redução de meio ponto ou um ponto percentual não resolverá o problema. Mas nem isso deve acontecer.

A expectativa, no mercado financeiro, é de que a atual taxa de juros seja mantida.

Mais do que um retrato sem retoques do pensamento da “casa grande” e do total descompromisso dela com o desenvolvimento do país, a pesquisa Quaest deixou patente que, para esses executivos, importa apenas os seus interesses e os dos seus patrões.

O descompromisso é tamanho que, no exato momento em que respondiam de forma tão peremptória à pesquisa, os reguladores financeiros dos Estados Unidos fechavam o Silicon Valley Bank, a segunda maior falência de um banco na história dos Estados Unidos.

Nem a derrocada do Credit Suisse e do comprometimento da própria Suíça, cuja imagem internacional sempre esteve ligada à solidez de seu sistema financeiro, parece ter alterado o ânimo dos financistas e especuladores brasileiros.

Particularmente, eu, que nem tenho dinheiro aplicado, jamais confiaria nesses senhores. Mas isso, claro, é uma questão pessoal.

Voltando ao que interessa, não foi perguntado a esses executivos, mas se o fosse, possivelmente 100% deles diriam que em caso de falência de um banco ou de problemas no sistema financeiro, o governo deve comparecer para que não haja prejuízo para os correntistas e investidores.

Isso, aliás, é exatamente o que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou que vai fazer. É, também, o que o governo suíço está fazendo.

Sobre esse ponto, gostaria também de chamar atenção.

Tanto nos Estados Unidos como na Suíça, os mercados odeiam compromissos populares.

Tanto neles como aqui, os capitalistas batem no peito na defesa do “estado mínimo” e de liberdade total para o mercado. Leia-se: para os capitais, sobretudo os especulativos.

Mas quando os problemas acontecem, como agora, a conversa muda de tom e esses senhores exigem que o governo cubra os prejuízos.

Desnecessário dizer que a mídia corporativa, lá também, se transforma em verdadeiro megafone para a defesa dos interesses dos ricos e dos muito ricos.

Quando Lula, antes mesmo de tomar posse, lutou como um leão para aprovar – e conseguiu – a PEC do Bolsa Família, o retorno do programa social que garante comida para os pobres e muito pobres, para o qual Bolsonaro não havia deixado recursos, o tal mercado gritou.

O mínimo que a mídia manchetou, a exemplo da Folha de S. Paulo, foi que Lula estava instituindo a “gastança”.

Duvido que a Folha de S. Paulo ou qualquer veículo da mídia corporativa considere gastança a decisão de Biden de socorrer o Silicon Valley Bank ou do governo suíço obrigando o UBS a assumir os papéis podres do Credit Suisse.

Da mesma forma que dificilmente algum veículo da mídia corporativa brasileira dará razão à luta de Lula para forçar a baixa dos juros, por mais importante e indispensável que ela seja.

Será que gastança é só quando se trata dos mais pobres?

Socorrer falência de banco, especialmente quando se sabe que os proprietários rasparam o tacho na véspera, não é gastança?

Nesta terça-feira (21/3), acontecerá manifestação na porta da sede do Banco Central, em Brasília e nas capitais onde a instituição possui representação, em defesa dos juros mais baixos e pela saída de Campos Neto.

Se Campos Neto tivesse qualquer comprometimento com a retomada da economia e do crescimento do país, ele não estaria nem mais no cargo ou faria coro com Lula na defesa da redução dos juros.

Mas, se depender dele, nem uma coisa e nem outra acontecerá.

Daí a importância da mobilização popular que, dificilmente, nesse primeiro momento, atingirá um grande número de pessoas, dada à natureza um tanto técnica do assunto.

Daí a importância, sobretudo, de ficar de olho e denunciar o comportamento da mídia corporativa brasileira na cobertura desse assunto.

Não é possível aceitar que ela continue desinformando e deformando os fatos sempre que o interesses dos seus patrões, a casa grande, e os seus próprios estiverem em jogo.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

Bancos e juros altos: mídia insiste na mentira

Por Ângela Carrato*

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