Em palestra na Espanha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, nesta quinta-feira (18), que é urgente uma reconstrução profunda do mundo, sobre os alicerces da igualdade, da fraternidade, do humanismo, dos valores democráticos e da justiça social. Lula participou do seminário “Cooperação multilateral e recuperação regional pós-Covid-19”, na Casa América, em Madri
Líderes políticos mundiais são raros. Com efeito, são poucos aqueles que conseguem ultrapassar as fronteiras de seus países ou de suas regiões para se tornarem figuras verdadeiramente mundiais, que inspiram a comunidade internacional.
Líderes mundiais oriundos de países em desenvolvimento são raríssimos. Esses não podem contar com um grande peso e poder de suas nações na ordem mundial ou de muita exposição na mídia internacional para se projetarem.
Nesse último caso, a projeção internacional só se consegue se a liderança é muito especial, assentada em exemplos e valores muito raros e fortes.
Somente indivíduos que combinam histórias de vida de muita superação e luta e a defesa intransigente de valores humanistas e iluministas conseguem obter um lugar de respeito no imaginário da população do planeta.
Algumas vezes, tais lideranças superam as divisões ideológicas das distintas forças políticas e conseguem ter diálogo fluido com todos ou quase todos.
Gandhi e Mandela são exemplos conhecidos desse tipo muito especial de liderança mundial. Mesmo inicialmente muito contestados, reprimidos e aprisionados em seus países ou regiões, eles acabaram se convertendo em fonte de inspiração para um mundo sedento de justiça, igualdade, paz, multipolaridade e democracia.
Pois bem, Lula é, sem exageros ufanistas, um exemplo desse tipo de liderança.
Durante seus governos, Lula projetou uma liderança verdadeiramente mundial, centrada no combate às assimetrias internacionais, às desigualdades sociais, à fome, aos desequilíbrios na governança global, ao unilateralismo, às intervenções bélicas feitas ao arrepio do sistema de segurança mundial e, inclusive, às mudanças climáticas.
Sustentado em sua própria experiência pessoal e nas suas políticas internas bem-sucedidas, que possibilitaram a ascensão social de dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros, Lula levou ao mundo uma mensagem crível e legítima de que outro mundo era possível.
Um mundo oposto à distopia bárbara do neoliberalismo sem freios e controles.
Um mundo sem fome. Um mundo sem desigualdades extremas, no qual todos posam ter uma vida digna. Um mundo sem as gritantes assimetrias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Um mundo sustentado em governança efetivamente multilateral e multipolar, sem unilateralismo, guerras frias e belicismo.
Com base nessas diretrizes fundamentais, Lula integrou os interesses soberanos da América do Sul e da América Latina, aproximou o Brasil à África e ao Oriente Médio, articulou os interesses dos países em desenvolvimento na OMC, contribuiu decisivamente para criar o BRICS, lutou para ampliar o antigo G7 e serviu de exemplo para a constituição dos Novos Objetivos do Milênio da ONU.
Destaque-se que Lula conseguiu o respeito e a admiração de muitos governantes do mundo, independentemente de posições ideológicas. Tinha excelente relacionamento com Chávez, Kirchner, Mujica, Evo Morales, Zapatero etc., mas também manteve diálogo fluido e de alto nível com Bush, Sarkozy, Uribe e muitos outros líderes de centro-direita e direita.
Era respeitado por todos. Era o Cara, como disse Obama.
O mais importante, contudo, é que essa notável liderança não conseguiu ser desfeita, apesar dos grandes esforços da nossa mídia venal, das nossas oligarquias anacrônicas e reacionárias e das ações criminosas de uma quadrilha de pseudo procuradores e pseudo juízes.
Ao enfrentar, de forma altaneira e digna, sempre acreditando na justiça, uma perseguição insana, uma lawfare extremada, a liderança nacional e internacional de Lula acabou se solidificando.
A recente viagem de Lula à Europa é a prova disso.
Lula foi recebido como liderança mundial, como um autêntico chefe de estado, pelo Parlamento Europeu, pela Comissão Europeia, por Olaf Scholz, próximo chanceler da Alemanha, por Macron, presidente da França, assim como recebeu justas homenagens de instituições de extremo prestígio, como a Science Po.
Tal recepção não foi casual e não se destinou a alfinetar párias e anões internacionais.
Essas lideranças europeias sabem muito bem que é preciso aglutinar as forças progressistas do mundo para poder enfrentar a grave ameaça que paira sobre as democracias do mundo inteiro.
Com efeito, a crise do modelo neoliberal, que aumentou sobremaneira as desigualdades sociais e o desemprego estrutural, provocou também uma séria crise dos sistemas de representação e das democracias, que hoje estão muito ameaçadas pelo crescimento exponencial de lideranças de extrema direita, turbinado por um sistema universal e articulado de fake news e de discurso de ódio.
A invasão do Capitólio, algo inimaginável há poucos anos, é lembrete doloroso da capacidade desses agrupamentos antidemocráticos de extrema-direita, que hoje estão se rearticulando, com muito apoio financeiro de grandes fundos, para voltar a interferir em próximas eleições, inclusive no Brasil.
Tal rearticulação está sendo estimulada por uma reação negacionista às medidas necessárias para o combate à pandemia, apresentadas no discurso neofascista como medidas que atentam contra a “liberdade individual”.
A recente vitória dos republicanos nos EUA alimentou-se, em boa parte, desse discurso pretensamente libertário e anti-Estado. O mesmo acontece também na Europa.
Assim, o mundo verdadeiramente democrático está em luta contra a desigualdade crescente, a desesperança e o ódio que nutrem o fascismo digital em ascensão.
Por tal razão, Hussein Kalout, professor de relações internacionais da Universidade de Harvard afirmou que: “Lula e Macron certamente serão candidatos presidenciais no próximo ano em seus respectivos países e cada um deve enfrentar um populista de extrema direita: Jair Bolsonaro no Brasil, e Eric Zemmour ou Marine Le Pen na França. Ao aparecerem juntos, eles mostram que estão engajados na mesma luta pela democracia “,
O planeta identifica Lula como um líder mundial que defende a democracia, a justiça social e uma nova governança global. Um líder capaz de inspirar uma nova ordem mundial sustentada em valores civilizatórios, que se anteponha à barbárie neoliberal, antidemocrática, antiambiental e “uberfascista”. Essa é a única “via” da defesa da democracia. Essa é a verdadeira modernidade.
O menino paupérrimo do sertão de Pernambuco, que superou o que Gandhi chamava de “a pior forma de violência”, a miséria, é uma riqueza para o Brasil e o mundo. Ele é a personificação, existencial e política, do ideal de que outro mundo, muita mais justo do que este, muito mais feliz do que este, muito mais sadio do que este, é perfeitamente possível.
Não só possível, mas necessário para que consigamos superar esta terrível crise.
Por tudo isso, Lula foi, é e será uma liderança mundial. Essa é uma realidade sólida, que independe da indiferença e do ódio das oligarquias e de forças políticas ressentidas e ainda presas a uma anacrônica fé irracional no falido modelo neoliberal.
Tal como aconteceu com Gandhi, Mandela e demais grandes lideranças, aqueles que se atacarem Lula irão passear pela eternidade na lata de lixo da História. Alguns a pé; outros de moto.
* Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
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