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No segundo dia do depoimento de Eduardo Pazuello, a CPI da Pandemia corrigiu os erros da véspera e acertou no tom técnico e político da inquirição ao ex-ministro da Saúde.

Foi boa a estratégia dos senadores responsáveis da CPI de intercalar intervenções mais políticas, como a aula de ciência dada a Pazuello pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), e outras mais técnicas, como as de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Eduardo Braga (MDB-AM) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que pegaram detalhes factuais para responsabilizar Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro.

Até as 13h50, o depoimento de hoje se mostrava mais eficiente para produzir provas das ações e omissões de Pazuello e Bolsonaro. Ontem, quarta-feira, Pazuello conseguiu, com respostas prolixas, tornar menos produtivo o trabalho da CPI e do relator, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que deveria ter se preparado melhor para a inquirição. Pazuello também se beneficiou da obtenção de um habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal, que impediu a possibilidade de prisão e lhe garantiu o direito constitucional de não se incriminar.

Primeiro a falar nesta quinta-feira, o senador Eduardo Braga indagou Pazuello sobre a decisão de não acatar um pedido de intervenção federal no Amazonas no auge da crise de saúde. Pazuello jogou a decisão para uma reunião de ministros, que teriam ficado satisfeitos com as explicações do governador do Amazonas, Wilson Miranda Lima (PSC).

Na sua vez, Randolfe Rodrigues perguntou se Bolsonaro estava na reunião. Pazuello confirmou a presença do presidente e disse que não intervir foi uma decisão de governo. Ou seja, ato do presidente em última instância com coautoria de ministros de Estado.

Foi um bom gol técnico. Mas Otto Alencar fez um gol político mais belo.

O senador do PSD da Bahia tem feito intervenções esclarecedoras na CPI da Pandemia. Rebate os argumentos dos negacionistas com uma fala científica calma e firme, reforçada por sua condição de médico. Otto Alencar fez perguntas básicas sobre a covid-19 que um ex-ministro da Saúde, ainda que leigo, teria condição de responder depois de comandar a pasta durante 11 meses em plena pandemia. Mas Pazuello se enrolou.

“O sr. não conhece nada sobre a doença. Não serve para ser ministro da Saúde. O senhor sabe ao menos a que grupo o vírus pertence? Não. (…) Eu, no seu lugar, não aceitaria o cargo de ministro da Saúde”, declarou Otto Alencar.

Nesse ponto, foi exibido ao público o despreparo de Pazuello para ministro da Saúde. Bolsonaro se revelou irresponsavelmente criminoso ao deixar a pasta aos cuidados de alguém que não aprendeu nada sobre a doença quando ministro. Um gestor medíocre teria feito a lição de casa.

O senador do PSD fez a dele. Mostrou à opinião pública nas mãos de quem Bolsonaro deixou o país na crise sanitária global mais grave em um século. Mais gente morreu, adoeceu e ficou com sequelas por causa das ações e omissões de Bolsonaro e Pazuello, como notaria Rogério Carvalho (PT-SE).

Carvalho apontou claramente a responsabilidade de Pazuello por não orientar corretamente Bolsonaro e ser sócio do negacionismo que fez o presidente desprezar a vacina, desinformar sobre a máscara, receitar cloroquina e sabotar o trabalho de prefeitos e governadores. Carvalho tem feito boas intervenções técnicas e políticas.

O senador por Sergipe pediu que o depoimento fosse encaminhado ao Ministério Público para analisar se Pazuello cometera crime de falso testemunho previsto no artigo 342 do Código Penal, a exemplo de medida tomada em relação ao ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten.

Pouca inteligência

Da parte de senadores governistas, houve a repetição de cenas constrangedoras pelo negacionismo e pela pouca inteligência política.

Quando o senador Marcos Rogério (DEM-RO) achou mais uma vez que havia descoberto a pólvora, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) fez uma intervenção que mostrou a tentativa de manipular fatos.

Ao exibir um vídeo de abril do ano passado, Marcos Rogério (DEM-RO) tentou jogar para governadores a responsabilidade pela recomendação de cloroquina à população. No início da pandemia, governadores sugeriram uso por ordem médica e em ambiente hospitalar, como lembrou a senadora maranhense. Bolsonaro ofereceu cloroquina a emas e receitou para a população, fatos notórios e repetidos ao longo da pandemia até hoje.

A exemplo do que fez no depoimento do ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo, Marcos Rogério conseguiu produzir prova da irresponsabilidade de Bolsonaro. Fez isso na CPI com o vídeo dos governadores sobre cloroquina, uma peça do começo da pandemia.

As mancadas do senador não foram perdoadas nem pelo seu partido. A direção do DEM divulgou nota: “As posições do senador Marcos Rogério na CPI refletem seu pensamento como parlamentar, e não como partido. Desde o início da pandemia, o compromisso do Democratas com a ciência e a preservação da vida se faz evidente em nossas gestões pelo Brasil”.

A bancada do Podemos também tem sido uma forte aliada do obscurantismo. Os senadores Eduardo Girão (CE) e Marcos do Val (ES) voltaram a fazer intervenções negacionistas, promovendo irresponsavelmente o uso da cloroquina, o que coloca em risco a vida da população. De modo geral, a bancada governista na CPI presta um desserviço à saúde pública com o Brasil rumando celeremente para 500 mil mortes.

Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi pelo segundo dia consecutivo à CPI. Tentou responder por Pazuello e foi advertido por Alessandro Vieira de que o depoente não poderia ter intérprete nem falar o que quisesse, mas responder às questões. A sessão foi interrompida.

Pouco antes das 13h, Pazuello fez um desabafo. Numa queixa de que seria acusado de não se importar com a população do Amazonas, Pazuello disse que se preocupa com Manaus, onde vive a sua família. O desabafo confirmou que incompetência e submissão a Bolsonaro foram as razões para Pazuello ter fracassado na missão que disse ontem ter sido “cumprida”.

Se mentisse menos, talvez o ex-ministro tivesse tido um melhor tratamento na CPI. Mas, como notou a jornalista Eliane Cantanhêde no Twitter logo no início do depoimento, Pazuello “já começou com uma mentira” ao dizer: “Eu sou um oficial general e não minto”. Mentiu muito, como dissera ontem Eliziane Gama.

Comparando a gestão de Pazuello aos nazistas que diziam apenas obedecer ordens para justificar suas ações, Alessandro Vieira afirmou que Pazuello falhou devido ao “conjunto da obra” e por servir cegamente a Bolsonaro. O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) pediu a Vieira que retirasse a comparação, mas ele a manteve. O paralelo é pertinente.

Digital nas mortes

Por volta das 16h, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) acusou Pazuello de mentir e ser responsável por mais mortes na pandemia com uma conduta que contribuiu para agravar a pandemia no Brasil. “O sr. tem responsabilidade por essas mortes, (…) seja a título de dolo, seja a título de culpa.”

O senador pelo Espírito Santo, que foi delegado de polícia, fez uma inquirição apontando que Pazuello teria violado o artigo 22 do Código Penal, que diz que não deve ser cumprida ordem “manifestamente ilegal”. Contarato tem sido um dos senadores que fazem perguntas que ajudam a produzir provas contra os responsáveis por mais pessoas terem morrido, adoecido e ficado com sequelas. Ele disse claramente que Pazuello tem sua “digital” no agravamento da pandemia no Brasil.

Explicando o que é um “ato administrativo”, Contarato afirmou ser desnecessária uma ordem presidencial por escrito ao ministro, rebatendo argumento dado na véspera por Pazuello de que não levava em conta manifestações de Bolsonaro em entrevistas ou nas redes sociais. Para provar a existência da ordem presidencial, segundo o senador, bastaria a afirmação de Bolsonaro de que não compraria a Coronavac depois de o então ministro ter prometido a secretários da Saúde que adquiriria o imunizante chinês. “Quando o sr. fala que não teve ingerência do presidente da República, o sr. está mentindo”, disse o senador.

O depoimento foi encerrado às 17h06. Apesar do despreparo e da cumplicidade com Bolsonaro, Pazuello teve desempenho melhor na CPI do que como ministro da Saúde.

Kennedy Alencar

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