Muito é comentado sobre o tema dos gastos governamentais. Nos discursos dos homens do governo, ministro da Fazenda, presidente do Banco Central e da mídia burguesa estão todos muito preocupados com a capacidade do Estado de “honrar seus compromissos” com banqueiros e empresários, enquanto lançam miséria sobre a classe trabalhadora, ameaçando que trabalhemos até morrer.
Publicada originalmente durante a campanha pelo não pagamento da dívida pública, levantada com muita força por esse Diário, esse tema se tornou ainda mais atual com as declarações farsescas de que orçamento nacional não fecha por culpa da previdência social. A verdade é que há, mas muito dinheiro indo pro bolso dos banqueiros.
Muito é comentado sobre o tema dos gastos governamentais. Nos discursos dos homens do governo, ministro da Fazenda, presidente do Banco Central e da mídia burguesa estão todos muito preocupados com a capacidade do Estado de “honrar seus compromissos”.
Em tempos de crise econômica, em que a burguesia em todo mundo busca margens para aumentar os lucros descarregando a crise nas costas do trabalhadores, estes e outros argumentos do discurso econômico servem para justificar o corte nos gastos públicos, as privatizações e a reforma da previdência. Mas porque será que pouco se fala em mexer no dinheiro destinado para o pagamento da dívida pública brasileira? É isso que buscaremos desenvolver neste texto.
De início, alguns dados se fazem necessários para deixar gráfico o montante ao qual nos referimos. Nos governos do FHC foram gastos quase 2 trilhões em juros e amortização da dívida brasileira, no governo Lula destinamos mais de 3 trilhões e no governo Dilma mais de 5 trilhões aos bolsos dos capitalistas.
1) Quais as justificativas dos economistas para o endividamento público?
Segundo os economistas burgueses, o estado teoricamente poderia se endividar por diversas razões. A primeira delas é quando a sua receita (basicamente os tributos que cobra) não são suficientes para cobrir as suas despesas (funcionalismo público, saúde, educação), isso pode acontecer porque as receitas caíram ou porque as despesas se elevaram. Quando estas receitas são menores do que as despesas temos um déficit primário. Quando estas receitas são maiores do que as despesas temos um superávit primário.
Este tipo de endividamento foi muito usado durante a história do Brasil como por exemplo durante a crise do ciclo do café no início do Século XX, quando as exportações caíram muito, combinado com isso os impostos advindos das exportações e as receitas estatais. No entanto, a partir da década de 1990 a Regra de ouro das finanças públicas e a Lei de responsabilidade fiscal impedem que o Estado o faça dessa forma. Mas veja, este tipo de empréstimo pode acontecer porque as despesas correntes do governo se elevaram, mas também podem ocorrer quando há crise, porque a economia possui menor atividade e este fato leva a diminuir a arrecadação e a que o Estado fique, necessariamente, no vermelho.
A segunda razão do porque o Estado se endivida é para que sejam realizados planos de investimento publico, como o II PND em 1974 ou o PAC durante os governos do PT, que com a justificativa de investimento favoreceram as grandes construtoras brasileiras e os parceiros do governo. Este tipo de endividamento é permitido ser feito pelo Estado por meio da emissão de dívidas. Como o Brasil não possui poupança suficiente para financiar este tipo de investimento, recorre ao capital interno e externo para realizá-los.
2) Mas quem ganha com esta dívida?
Os principais ganhadores da dívida estatal são, sem dúvida, o capital estrangeiro imperialista e a burguesia nacional com a organização da economia brasileira voltada absolutamente aos seus interesses e somos nós, trabalhadores e toda a população pobre, que financiamos os ganhos deles.
Em primeiro lugar, quando há déficit primário, como estamos vivendo hoje, toda a burguesia se unifica frente a necessidade de descarregar a crise nas contas dos trabalhadores, querem nos fazer trabalhar até morrer com essa reforma da previdência draconiana, querem privatizar a Petrobrás para que esse dinheiro vá para os detentores da dívida (esta determinação está em Lei, todo dinheiro de privatizações deve ser destinado ao pagamento da dívida), para que assim possam diminuir as despesas do governo e… garantir o dinheiro para a dívida. Ao mesmo tempo, quando há superávit – ou seja, quando as receitas são maiores do que as despesas como vivemos nos anos do petismo- este dinheiro também vai pra pagar a dívida e não para a melhorias pra população!
Em segundo, quando nos endividamos para fazer um grande projeto de investimento como na época de Getúlio, JK, Ditadura Militar, Lula com o PAC, isto se volta para os trabalhadores? Não! Apenas focando na história recente, o Programa de Aceleramento do Crescimento do governo petista foi um grande projeto para dar lucros para as grandes empreiteiras e construtoras do país como Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, envolvidas nos escândalos de corrupção, em base ao trabalho ultra precário dos campos de obra, com trabalhadores terceirizados que protagonizaram revoltas porque não tinham as condições mínimas de trabalho.
3) Quem financia a dívida pública brasileira?
Podemos responder esta pergunta pegando os dados dos detentores finais da dívida pública no país e assim diríamos que, segundo os dados do Tesouro Nacional de 2017: 25,5% está na previdênciaprivada (fortemente controlada por bancos); 25,2 % com os fundos de investimento (bancos); 22,3% com as instituições financeiras; 12,1% com não residentes; 4,8% com seguradoras; 4,5% com o governo e 5,6% com outros.
No entanto, esta é apenas uma parte da questão, que fica na aparência. Pois, vejam que apenas 12 instituições financeiras no país detém o poder de comprar os títulos do governo e revender estes títulos no mercado secundário, sendo que o estado pode modificá-las a cada ano (mas não o faz). São elas: Banco do Brasil, os estadunidenses Merryl Lynch e Goldman Sachs, Bradesco, BTG Pactual, o suíço Credit Suisse, o espanhol Santander, Votarantim, Itaú e as corretoras XP Investimentos, BGC Liquidez, Renascença DTVM. Este grupo de 12 que supostamente seriam intermediadores entre o governo e os agentes que querem comprar os títulos da dívida. No entanto, funcionam como um verdadeiro monopólio de transação dos títulos da dívida, porque do estoque de títulosque só elas detém podem colocar à venda no momento em que quiserem e que seja financeiramente mais favorável. Ou seja, estes bancos ganham diretamente com a transação de títulos públicos da dívida.
4) Qual a composição da dívida pública brasileira?
A dívida total engloba também o endividamento das empresas estatais e também dos estados e municípios. Mas se tratando das dívidas da União, elas podem variar de acordo com a inflação do país, a taxa de juros do país ou o câmbio do real em relação ao dólar. Tentando simplificar. Toda vez que há elevação da taxa de juros, aumenta a dívida pública. Toda vez que aumenta a inflação, aumenta a dívida pública. Toda vez que por um dólar temos que pagar mais reais (desvalorização do real frente ao dólar), aumenta a dívida pública denominada em dólar (dívida externa). Segundo os dados do Tesouro Nacional de 2017 sobre a dívida pública da União: 35,3% tinham valores de remuneração pré-fixados, 29,6% eram vinculados a variação da inflação, 31,5% vinculados a taxa de juros e 3,6% ao câmbio.
5) Mas então porque a dívida sempre aumenta, o país não tem o controle sobre ela?
Nos anos do neoliberalismo e da globalização, se tornou um pensamento dominante a teoria econômica na qual todos os países devem possui abertura econômica para o fluxo de mercadorias e sobretudo de capitais. Ou seja, a liberdade de circulação dos capitais por diversos países é o que garantiria o crescimento econômico harmônico em todo o mundo. Pois bem, isto significa que o Brasil adota, no governo FHC, o câmbio flutuante. Isto significa que os capitais estrangeiros podem entrar e sair do país a hora que quiserem. E, como o Brasil depende destes capitais, utilizam isso como uma forma de chantagem. Toda vez que uma decisão econômica vai contra os “interesses do mercado” ocorre fuga de capitais, sendo assim como saem dólares do país, a moeda desvaloriza (a dívida aumenta), para conter a fuga de capitais o governo aumenta os juros (a dívida aumenta ainda mais). Com o aumento dos juros e o aumento da dívida, o governo tem que emitir novos títulos para financiar a dívida com juros ainda mais caros. Ou seja, a dívida é brasileira, mas o Estado não detém controle algum sobre os mecanismos de aumento e diminuição desta dívida, a não ser que a política que esteja realizando esteja ao sabor do capital financeiro.
Esta são algumas das razões do porque a dívida pública não para de crescer. Mas podemos ir mais a fundo.
6) Qual a origem da dívida pública brasileira?
Vale a pena retomar algumas questões na história da dívida para que tenhamos dimensão do que se trata. A história de endividamento do estado brasileiro é a história da subordinação da burguesia brasileira formada no campo e débil aos interesses do capital financeiro de países imperialistas como Inglaterra e Estados Unidos.
A dívida pública acompanha o país desde a proclamação da Independência, quando o Estado brasileiro assumiu parte das dívidas com credores internos que haviam sido contraídas no período colonial, um montante nada desprezível de 5.700 contos de réis, o que seria o equivalente a 109 milhões de reais (se convertermos em reais de 2004). Os principais credores externos no século XIX eram os banqueiros ingleses como Rothschild (família que existe até hoje, por sinal). Os bancos ingleses tinham na época um linha de crédito voltada para os países latino-americanos que declaravam a sua “independência”. No período de 1822 a 1825 mais de 20 milhões de libras em títulos governamentais latino-americanos foram colocados no mercado de capitais em Londres. Ou seja, a chamada independência dos países latino-americanos foi um grandíssimo negócio para o capital inglês.
Entre os empréstimos adquiridos com credores internos e externos estavam os gastos militares para a repressão de revoltas populares e dos escravos durante o Império e também os luxos da Coroa brasileira como o dote e enxoval da D. Francisca de Bragança, o casamento da princesa Isabel e da princesa Leopoldina. O Brasil chega, inclusive, a assumir dívidas de Portugal nesse período.
O discurso do Tesouro Nacional e da grande mídia hoje compara a dívida pública com a dívida de um trabalhador comum que pega dinheiro emprestado para se financiar. No entanto, esta comparação é absurda, entre outras razões, pelo fato de que ninguém nasce endividado, mas o Estado brasileiro sim.
7) Quem dita as regras do endividamento?
Esta dívida, cuja origem data da época do Império, foi sendo renegociada ao longo da história brasileira e só aumenta.
Como produtor de matéria prima (seja a cana e o café dos séculos passados, seja as commodities como aço, soja, carne dos tempos atuais) o país esteve sempre submetido ao mercado internacional e a demanda por exportações. Os projetos de modernização e industrialização do país com Getúlio e Juscelino, por exemplo, vieram acompanhados da contrapartida do aumento da divida pública total e subordinação ao capital imperialista que a financiasse. O capital financeiro dos grandes países imperialistas como EUA, Inglaterra e Alemanha ganhavam na exportação de maquinário obsoleto para o Brasil, ganhavam na exportação de capitais de suas empresas (com a infraestrutura sendo bancada pelo Estado) e, por fim, ganhavam com o endividamento estatal com seus bancos.
Após 1964, uma das modificações realizadas pela Ditadura Militar foi a reformulação do Sistema Financeiro brasileiro, foi criado o Banco Central e também o Tesouro Nacional. A dívida pública passou a ser emitida por meio dos títulos, numa forma parecida como conhecemos hoje.
No período da Ditadura Militar a dívida cresceu em volumes estrondosos com alguns projetos como o II Programa Nacional de Desenvolvimento (II PND) favorecendo as grandes empreiteiras brasileiras com comércios e esquemas que já são conhecidos e com o endividamento dos Estados e das empresas estatais. Depois, durante a década de 1980 o Estado foi quem bancou as dívidas privadas, um mecanismo conhecido como estatização da dívida pública. E depois nos anos 90, FHC transformou dívidas de bancos em dívidas públicas com o Proer, e durante os governos FHC o estado emitiu dívida para capitalizar o BNDES para este comprar dívida das “gigantes nacionais”.
Por mais que paguemos a dívida pública ela nunca pára de crescer porque seu caráter está relacionado com a própria posição do Brasil no sistema imperialista de subordinação. A classe trabalhadora é obrigada a arcar com uma dívida cuja origem não é nossa, nem somos os que nos beneficiamos de todo esse processo e por isso a consideramos ilegítima.
Esta noção geral é que faz com que tenha tanto peso as metas brasileiras e que ao final seja o mercado e em última instancia o capital financeiro estrangeiro que determine muitos aspectos da economia de um estado dependente.
8) Mas se é isso, não podemos deixar de pagar a dívida pública?
É muito claro que esta dívida é ilegítima, ilegal e fraudulenta, funciona apenas como um mecanismo de usurpação das riquezas geradas pela classe trabalhadora brasileira que coloca o país de joelhos frente ao capital imperialista. Sendo assim, é urgente questionar este saque histórico desde uma perspectiva anticapitalista e propor uma saída radical: o não pagamento da dívida pública.
No entanto, sabemos que, com tantos interesses envolvidos, o não pagamento da dívida pública teria como consequência imediata a fuga de capitais do país, por isso que também é necessário que o estado e os trabalhadores passem a controlar a exportação e importação de bens e capitais no país. Agregando a isso, para romper com o monopólio dos 12 controladores da dívida pública brasileira – com a conivência e incentivo do estado- é fundamental a estatização do sistema bancário sob controle dos trabalhadores. Apenas assim poderíamos tomar as rédeas da economia nacional, destinando as riquezas produzidas no país para a necessidade da maioria da população.
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