Ruth de Aquino, Implacável no Jornal O Globo de 18/03/2020. ‘Ele dançou para uma plateia planetária no seu baile de máscaras.
A pantomima encenada na entrevista coletiva rodou o mundo e ficará para a História. O chefe da nação expôs de maneira incontestável seu despreparo e sua ignorância, sua falta de liderança e de senhoridade. Com um figurino coletivo que, esse sim, sugere suprema histeria, o desfile dos mascarados revelou que Bolsonaro testou negativo para presidente.
A contraprova foi o panelaço da classe média. A máscara branca que Bolsonaro manuseava, sem saber onde estavam o nariz, as orelhas, a boca e os olhos, diante de câmeras de televisão, é apenas detalhe alegórico de um atabalhoado que parecia imitar o humorista Marcelo Adnet.
Lembrei-me dos exames, no consultório do neurologista, em que fechamos os olhos e levamos o dedo ao nariz, para testar coordenação motora, equilíbrio e saúde mental.
Mais uma vez, Bolsonaro mentiu, culpou a imprensa e ensinou tudo errado ao povo brasileiro. Mas o povo não é bobo. Não sei quem teve a brilhante ideia de tentar passar seriedade e calma ao Brasil com aqueles 10 homens brancos mascarados de terno.
Isso é esquete de comédia de terror. Se acreditarmos na OMS e no Ministério da Saúde, só os infectados, os imunocomprometidos, os suspeitos graves e os profissionais de saúde devem usar máscaras para não arriscar contaminação. Bolsonaro mirou sua arminha no próprio pé.
E acertou! Virou pato manco. Nenhum outro presidente de nenhuma outra nação teve ideia tão surreal. O baile sentado de máscaras foi a tradução do coronavírus dos trópicos com um incompetente no poder.
Acabou o carnaval, Bolsonaro. Não tem mais futebol, samba nem selfie com seguidores. Metrôs lotados são um crime contra a população e não um lugar para fazer média política. Quem quer proteger a família brasileira não endossa manifestações ao ar livre.
Bolsonaro não está nem aí para a ciência e a verdade. Nunca esteve. Anunciou dois dias de “festinha” de seu aniversário e da mulher. Deveria ter palavras para as famílias dos que já morreram.
Solidariedade, empatia e compaixão. Deveria se mostrar apreensivo com a falta de água nas populações carentes, que não têm condições de se proteger adequadamente e lavar as mãos. Muitos estão há 15 dias sem uma gota d’água. Essa é nossa maior tragédia no combate à pandemia.
E o presidente afirma que o Brasil está “ganhando de goleada” do coronavírus? Quando poderemos pedir responsabilidade aos milhões de pobres sem nos sentirmos hipócritas? Um mascarado improvável surgiu na coletiva. O ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Até então nos encantava por sua articulação, clareza, competência, firmeza e cooperação com os outros poderes. Mas se rendeu ao puxa-saquismo explícito a Bolsonaro. Mandetta foi claramente enquadrado pelo presidente, enciumado de seu poder de liderança e mobilização.
Afaste de si essa máscara, ministro. Não caia na esparrela política. Assuma seu protagonismo técnico. Ignore as intrigas palacianas. Continue a defender “a galhardia” da China, combata o preconceito e a xenofobia.
O oposto da família Bolsonaro. O panelaço ensurdecedor me emocionou. Que prova de vitalidade e autodeterminação!
Na Itália, as óperas nas varandas expressam solidariedade. Música e canto aliviam o isolamento em um país com uma escalada trágica de mortos por coronavírus.
No Brasil, as janelas exibem panelas e gritos vindos da alma, contra o presidente. Dançou, Bolsonaro.
‘ https://blogs.oglobo.globo.com/ruth-de-aquino/post/dancou-bolsonaro.html
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