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 O então presidente Jair Bolsonaro com lideranças evangélicas como Estevam Hernandes, R.R. Soares e Valdemiro Santiago. Créditos: Marcos Côrrea/PR e Alan Santos/PR

O bolsonarismo nada tem a ver com Jesus

Por Jair de Souza*

O escândalo relacionado com as joias enviadas pela monarquia saudita para a família Bolsonaro serviu para escancarar aquilo que já era sabido por todas as pessoas com algum nível de conhecimento da realidade política brasileira: o bolsonarismo simboliza o nível mais acentuado de corrupção e entreguismo a que a nação já esteve submetida ao longo da história.

Embora apareça como a cereja do bolo, esta tentativa de apropriação suspeita de joias avaliadas em cerca de 16,5 milhões de reais nem de longe significa o que de mais escabroso, antiético e antinacional pode ser apontado no caso em que a trama está situada.

Menos ainda em relação ao conjunto da atuação do governo bolsonarista em seus quatro anos de vigência.

Precisamos recordar que essas pedras preciosas apareceram em cena pouco antes de a gestão bolsonarista efetivar a venda de uma estratégica refinaria da Petrobrás a um fundo de investimentos sediado nos Emirados Árabes Unidos, mas com notória participação de capitais sauditas.

O pequeno detalhe a observar nesta operação é que a Refinaria Landulpho Alves estava avaliada pelas agências especializadas em torno de 4 bilhões de dólares, e o negócio foi fechado por apenas 1,65 bilhão.

Portanto, estamos falando de uma venda subfaturada em aproximadamente 2,35 bilhões de dólares.

Para que se possa ter maior clareza sobre a magnitude do desfalque causado à nação, basta tomar esses 2,35 bilhões, multiplicá-los por 5 para obter sua equivalência em nossa moeda nacional e dividir o resultado pelo valor estimado da muamba endereçada aos Bolsonaros.

Como meu propósito não é testar a habilidade de cálculo de ninguém, reproduzo a seguir as contas já efetuadas:

2.350.000.000,00 x 5 = 11.750.000.000,00 ÷ 16.500.000,00 = 712,12

Como vemos, o prejuízo efetivo causado ao país com a entrega subfaturada da citada refinaria ultrapassa em mais de 712 vezes o valor das joias enviadas como “presente” à família do governante daquele momento.

A medida, portanto, deveria ser entendida como muito mais grave e lesiva aos interesses nacionais do que tão somente o expressado no valor daquilo que muitos tendem a considerar como evidente indício de propina.

Em vista de tudo o que já se sabia e do que se veio a saber nos últimos quatro anos, o bolsonarismo não tem como não ser visto e considerado como a experiência política mais sórdida e depravada sofrida por nossa pátria ao longo do tempo.

Sendo assim, seria de se esperar que haveria agora muito pouca gente disposta a continuar dando seu aval a essa ideologia de extrema direita e a seus líderes.

Porém, não é isso o que as recentes sondagens de opinião revelam. Segundo os últimos levantamentos, há ainda por volta de 35% de nossa população que não demonstram inquietude pelas revelações envolvendo o ex-presidente, seus familiares e seus auxiliares diretos.

Lamentavelmente, o peso mais significativo desse apoio provém de seguidores de igrejas que se definem como cristãs evangélicas, mormente as de linha neopentecostal.

A bem da verdade, foi a constatação do que está indicado no parágrafo anterior o que me instigou a fazer as reflexões que vou tratar de expor à continuação.

Em primeiro lugar, acredito que nenhum seguidor sincero de Jesus discorda da ideia de que é o próprio Jesus quem melhor sabe qual o caminho que deveríamos seguir na busca de um mundo justo e solidário em que todos possamos viver com dignidade.

Entretanto, como Jesus não deixou textos escritos de sua própria autoria para nos guiar a esse respeito, seguramente, são os exemplos extraídos de seu legado de vida o que poderia nos servir como os documentos mais fidedignos de seus projetos de vida para a humanidade.

Pelas informações de que dispomos, em todo e qualquer momento de sua existência terrenal, Jesus sempre se manifestou em defesa dos mais humildes, visando protegê-los do acosso dos ricos e abastados.

Não existe uma instância sequer em que Jesus apareça alinhado com os interesses das classes dominantes, ou seja, tomando o lado dos opressores.

Pelo contrário, o que sempre fica evidente é seu rechaço às pretensões de egoísmo e de opulência individualista presentes entre os mais aquinhoados.

Para que não pairasse dúvidas quanto a quem se propunha defender com sua luta, Jesus pronunciou a célebre frase: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico ser admitido no reino de Deus.” Então, como não tomar isso como uma opção declarada e aberta a favor dos mais carentes?

Consultando relatos relativos à sua vida, constatamos que Jesus jamais se dedicou a praticar discriminações raciais, de gênero ou homofóbicas.

Para ele, o que determinava a validade de um ser humano era a bondade de seu coração e sua determinação a praticar o bem sem motivações egoístas.

Não à toa, ele se opôs tenazmente aos que buscavam linchar Maria Madalena com base em recriminações de cunho moralista.

Jesus entendia aquilo como uma hipocrisia descarada, típica dos oportunistas que gostam de recorrer a elas para aparentar aquilo que não são.

Isso ficou muito claro quando ele se dirigiu aos perseguidores de Madalena com as palavras: “Aquele que não tiver cometido tais pecados, que atire a primeira pedra.”

É que, para Jesus, uma pessoa seria boa ou má não em razão de seu comportamento ou orientação sexual em particular.

Jesus nunca se manifestou sobre essas questões porque estava convicto de que as mesmas não tinham nada a ver com os interesses maiores de Deus, bondoso, magnânimo e justo como necessariamente Deus deveria ser.

Além do mais, com sua grande sabedoria e bom senso, Jesus se opunha vigorosamente às constantes interpretações fundamentalistas do Velho Testamento, uma vez que entendia que, na evolução do ser humano em sociedade, nem tudo ali mencionado poderia ter validade eterna ao pé da letra.

Portanto, quando julgava que era preciso retificar aquilo que considerava ultrapassado nos escritos bíblicos, não vacilava em fazê-lo.

Neste aspecto, podemos recordar a veemência com que ele resistiu aos que desejavam impedi-lo de praticar suas boas ações aos sábados com o argumento de que essa proibição estava estipulada nos textos sagrados.

No entanto, Jesus não hesitou em refutar aquele fundamentalismo descabido, que só contribuía para agravar os problemas dos seres humanos, não para solucioná-los.

Em função do que venho argumentando, estou mais do que convencido de que é impossível ser um adepto sincero de Jesus e estar identificado com o pensamento político-social do bolsonarismo.

Há uma flagrante contradição entre a maneira como o bolsonarismo pensa o mundo e tudo aquilo que podemos extrair dos ensinamentos que o próprio Jesus, em pessoa, se dedicou a nos transmitir em todas as circunstâncias que as narrativas nos apresentam como o legado de sua vida.

Creio que o fato de haver cristãos de boa fé que também se consideram bolsonaristas se deve à intensa e massacrante manipulação a que são submetidos por verdadeiras quadrilhas de aproveitadores e mercadores da fé.

Esses cristãos são vítimas do mesmo tipo de manipuladores aos quais Jesus já combatia em seu próprio tempo.

Como ocorria no passado, muitos incautos e inocentes que vão em busca da essência da bondade e justiça propugnadas por Jesus recebem, em troca, orientações que buscam seduzi-los num sentido diametralmente oposto.

Em outras palavras, assim com no passado Jesus denunciava os falsos religiosos que acumulavam fortunas ludibriando o povo em sua fé, atualmente, os herdeiros intelectuais dessa imoralidade querem fazê-lo por meio do apelo ao próprio nome de Jesus. Fala-se de Jesus para impedir a realização dos sonhos de Jesus.

Como exemplos contundentes do que acabamos de citar, temos a utilização das famigeradas doutrinas da “teologia da prosperidade” e da “teologia do domínio”.

Em minha maneira de ver, essas duas abordagens teológicas são verdadeiras aberrações, que violentam profundamente o pensamento de Jesus em tudo o que ele tem de mais louvável.

Ao instigar e amparar moralmente a busca frenética pelo acúmulo de riquezas materiais de modo individual, a teologia da prosperidade fomenta o egoísmo e a ambição desmesurada.

Ao invés de promover o espírito da unidade coletiva, da solidariedade, da justiça e da empatia com os que mais sofrem, essa nefasta corrente de pensamento induz seus seguidores a cultuar a avareza em seu nível mais absurdamente elevado.

Contrariamente ao que postulava Jesus, agora, segundo essa visão, são os ricos que gozam da graça natural de Deus.

O fato de ser pobre indicaria a falta da bênção divina. Como admitir que as pregações de Jesus sejam tão canalhescamente adulteradas?

É inegável que Jesus sempre combateu a pobreza, mas nunca lutou contra os pobres.

Sua aspiração era que as maiorias humildes se conscientizassem de que a riqueza material e espiritual só teria sentido num esforço coletivo que viria a beneficiar a comunidade em seu conjunto, mas sempre priorizando a eliminação das injustiças mais gritantes.

A obsessão por riqueza individual não guarda nenhuma relação com os ideais de Jesus, que sempre foi resolutamente contra o egoísmo.

Por sua vez, os predicadores da belicista “teologia do domínio” tratam de inverter o significado da figura de Jesus.

Em lugar de incansável lutador pela paz, que andava eternamente tratando de criar vínculos de solidariedade entre o maior número possível de pessoas, os teóricos dessa teologia se esmeram em forjar e magnificar um inimigo supremo, aquele contra o qual tudo pode ser admitido.

É por tal motivo que, nas igrejas que aderem a essa teoria, a figura do diabo recebe muitíssimo mais ênfase do que a de Jesus.

O central passa a ser derrotar o diabo e todos os que podem ser a ele associados. Pouca importância se dá aos objetivos traçados por Jesus e às pessoas que se atêm aos mesmos.

O que se sabe é que, dessa maneira, foi realçado o emprego do ódio como o principal motivador das ações sociais. Procura-se associar ao diabo tudo aquilo, ou todos aqueles, que se pretende eliminar.

Por isso, para acabar com a concorrência exercida nas massas populares pelas religiões de matriz africana, vem sendo realizada uma brutal e gigantesca campanha de demonização de tudo e de todos os que tenham alguma vinculação cultural com a africanidade.

Não faz a mínima diferença quais são os objetivos e os anseios das divindades dos afrobrasileiros, elas passam a ser todas equiparadas a demônios. E, como dizem os adeptos da teologia do domínio, a luta deve ser sem trégua, até a extirpação total do inimigo.

Não tenho dúvidas de que, caso estivesse pessoalmente aqui neste momento, Jesus ficaria indignado com a perversidade e o racismo embutidos nessa ideologia destruidora.

Ela só é funcional aos que consideram que o ódio, a guerra e a intolerância são os objetivos que devem prevalecer nos relacionamentos entre as pessoas e povos com diferenças culturais. Em outras palavras, a teologia do domínio não tem nenhuma afinidade com os ideais propostos e defendidos por Jesus.

Sabemos que quase todas, se não todas, as igrejas presentes no Brasil que aderem a essas teologias recém abordadas são também as maiores fornecedoras de apoiadores do bolsonarismo político.

E isso é compreensível, pois, conforme expusemos, o bolsonarismo sintetiza a essência da deturpação do legado de Jesus em sua aplicação nas atividades de política em seu sentido institucional.

Considero que os exemplos dados por Jesus são úteis e podem ser aproveitados por toda a humanidade, independentemente da religião ou não religião de cada qual. Mas, para os que aceitam Jesus também como a personalização do próprio Deus, essa possibilidade passa a ser uma obrigação moral.

Afinal, se Jesus dizia “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” e, ao mesmo tempo, ele se colocava como o caminho da verdade e da vida, seria inaceitável refutar a verdade de Jesus e o caminho por ele indicado.

Para resumir tudo em algumas poucas palavras, é logicamente impossível estar simultaneamente com Jesus e com o bolsonarismo. Um exclui necessariamente o outro.

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

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