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Os mais recentes escândalos do já calamitoso governo Bolsonaro (uma usina de crises permanentes) levam muitos a buscar uma sistematização do perfil da atual governança brasileira. Sob os rótulos de “governo fascista, governo nazista, governo nazifascista, governo populista de direita e etc”, muitas são as tentativas de enquadrar o regime bolsonarista numa redoma inteligível. O problema é que nenhuma destas etiquetas indicam o que de fato é o Bolsonarismo.

Um dos escândalos recentes que levou o grande público a especular acerca da natureza do atual momento brasileiro foi a gravação de um vídeo onde o ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim copia um discurso do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels e o veicula para o povo brasileiro sobreposto a um cenário audiovisual que remetia totalmente a ideologia nazista. O fato foi tão escandaloso que repercutiu na grande imprensa nacional e internacional e levou Bolsonaro a exonerar Alvim em menos de 24 horas. Um fato importante precisa ser compreendido a respeito: Bolsonaro não exonerou Alvim por discordar de sua fala mas sim para conter a ampla repercussão negativa suscitada pelo episódio.

Que Bolsonaro não necessariamente discorde de Alvim todos do campo progressista já sabemos. O importante entretanto é detectar um fato crucial: o fenômeno “Bolsonarismo” é o subproduto de um movimento mais sofisticado e de coordenação que vai muito além da própria mente ignóbil de Bolsonaro e a maior parte dos nomes que o orbitam.

Adotar a máxima de que Bolsonaro é uma versão tupiniquim de Hitler pode até fazer sentido como guerra propagandística, entretanto, se levada a sério pode nos levar a crer estar diante de um fenômeno sui generis, ou seja, um “raio no céu azul” que caiu em meio ao caos. De repente, um “personagem obscuro” da extrema-direita aparece e desponta no Brasil pós-2016. Não, não é bem assim que a banda toca.

Em primeiro lugar, a pergunta a se fazer é se realmente Bolsonaro é uma figura popular. Uma lembrança crucial que devemos ter em mente é que as pesquisas de aprovação/reprovação do governo em sua grande maioria não devem ser lidas como verdades empíricas. Até que provem o contrário, não existe a menor garantia que as pesquisas de popularidade não estejam contaminadas por interesses. Tudo, rigorosamente tudo é movido a interesses e jamais devemos achar que os institutos de pesquisa sejam o centro de um raríssimo fenômeno de “imparcialidade”. Nada que envolva poder é separado dos jogos de interesse. O que quero dizer com isso? Contrariando a visão dominante é muito possível que o governo Bolsonaro não conte com todo o apoio que aparenta a partir dos dados divulgados – sobretudo a partir do segundo semestre de 2019 e dias iniciais de 2020. O motivo desta desconfiança é muito simples: o atual regime é o responsável pela piora significativa nas condições de vida gerais da população brasileira (com exceção de alas do parasitismo financeiro – uma minoria dentro do país).

Em segundo lugar, por mais que achemos que o povo esteja “dócil” em relação a Bolsonaro por não vermos manifestações de massa nas ruas contra o governo – não necessariamente significa que o povo esteja satisfeito. É bem provável que a insatisfação esteja se avolumando de modo não visível no interior da sociedade que apenas aguarda uma agenda política de reivindicações para extravasar seus sentimentos. As cúpulas da esquerda brasileira se recusam a adotar uma agenda abrangente capaz de encorajar o povo. Diante desta paralisia, as massas permanecem cautelosas, com razão. Quem irá se mobilizar contra o regime Bolsonaro sem o apoio de um movimento generalizado que deveria ser convocado pelas lideranças progressistas do país? Ao contrário, uma boa parte das lideranças insistem na aposta eleitoral, acreditando que o regime será derrotado nas urnas. Quanto engano!

Então, afinal de contas, o que é o “Bolsonarismo”? Quem o apoia? O Bolsonarismo é um fenômeno do Grande Capital, o mesmo que via em partidos como PSDB e DEM as suas peças no tabuleiro. Ocorre que a desidratação do quadro político brasileiro pós-Golpe de 2016 foi tamanho que os partidos e figuras ligadas ao Neoliberalismo travestido de “Social-Democracia” foram varridos das intenções de voto nas Eleições de 2018. Alckmin que o diga!

Uma crise desta magnitude leva automaticamente à polarização extrema-esquerda e extrema-direita. Não houve solução para o grande Capital senão jogar suas fichas no Bolsonarismo e arcar com o bicho. Eleito às pressas após a fraude eleitoral de 2018 sendo que o principal adversário estava atrás das grades, Bolsonaro foi colocado lá para salvar os rumos do Golpe de 2016. Os rumos já tinham sido trilhados pelo Temer na sua agenda Ultraliberal e de entrega do patrimônio público nacional para o Imperialismo além de preparar a venda da alma do trabalhador brasileiro para o Grande Capital internacional. Sem alternativa “legitimada” pelo conturbado pleito de 2018, Bolsonaro cai de pára-quedas no poder e ali é mantido única e exclusivamente porque o Capital assim o deseja. Não é verdadeira a máxima de que o povo em sua maioria fecha com Bolsonaro.

A insatisfação com as condições de vida só cresce dia e noite. E a sensação de que a piora de vida está atrelada ao sistema político de conjunto também cresce. Como é possível acreditar que Bolsonaro tenha tanto apoio assim? Por mais alienada que a população seja pela grande imprensa idiotizante como pelas igrejas evangélicas, não devemos subestimar a capacidade do povo em perceber o quadro. Bolsonaro é fruto da luta de classes. A classe dominante o apoia por ser a peça que lhes restou no tabuleiro em meio a uma crise do sistema. Os aspectos mais visíveis da crise do sistema tornaram-se públicos com as manifestações de Junho de 2013 e de lá pra cá tudo que a grande Burguesia fez foi de manobrar a situação do país para que as rédeas fossem mantidas num rumo contrarrevolucionário. Se a saída para a contenção de uma crise revolucionária é apoiar o Bolsonaro, assim a Burguesia o fez.

A Burguesia só irá descartar Bolsonaro quando ela tiver certeza da existência de alguém capaz de substitui-lo por outra figura que consiga arrefecer as tensões, chamar menos a atenção e dar continuidade à agenda Ultraliberal. Não à toa que figuras como Luciano Huck já estejam sendo preparadas, junto de outros possíveis candidatos. Se acharmos que o problema do Brasil é pessoal e estaria centrado única e exclusivamente na figura nefasta de Bolsonaro, então a Direita terá avançado pontos importantes porque conseguirá legitimar sua agenda Ultraliberal com alguém que possa soar mais “limpinho” e “cheiroso” na primeira oportunidade que tiver para rifar Bolsonaro do jogo.

Daí a importância de sempre analisarmos a Política por um viés estrutural, ou seja, pela luta de classes. A partir do momento que analisamos a política como um problema de “personalidades” e “indivíduos”, sempre seremos presa do grande Capital.

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